MICROSCOPIA DO OLHAR

 

PEQUENOS MILAGRES

Você já viveu um milagre na sua vida? Sabe o que essa palavra significa? De acordo com um conhecido dicionário, milagre significa “fato ou acontecimento fora do comum”; “fato que causa grande admiração e surpresa”; “qualquer manifestação ou intervenção da presença divina na vida humana”. Normalmente associamos o milagre a algo muito extraordinário, que nos faz ficar boquiabertos ante aquilo que não temos explicação racional. Curas “inexplicáveis”, desvios de perigos e acidentes em que a morte parece ser a “única saída”, entre tantas outras situações que ouvimos falar ou que até mesmo vivemos. Então, sempre ficamos comovidos e deslumbrados com os grandes milagres. Mas este texto se refere aos pequenos milagres. O que são e onde estão, afinal?

Para tentar responder essa pergunta, vou contar uma breve história. Certa feita, uma menina pequena viajava de ônibus com a sua mãe. Maravilhada com a paisagem que desfilava através da janela, apontava e comentava sobre tudo o que enxergava: as paisagens, os outros carros, as pessoas que caminhavam pela rua, em um verdadeiro exercício de descobertas do mundo fascinante em que vivia. Sua mãe, tão preocupada e atribulada com os “perrengues” do cotidiano, mal se ocupava com a alegria da menina. Achava que a inocência infantil era uma bênção e que, mais tarde, as dificuldades do dia a dia se encarregariam de escancarar a crueza deste mundo.

Quando o ônibus parou em um semáforo, a menina viu uma cena pela janela que lhe causou espanto. Um morador de rua que estava sentado no chão, com a perna visivelmente inchada e machucada, chorava colocando a mão em cima desta perna, em uma tentativa de aliviar a dor. A menina cutucou a mãe, mostrando o fato. A mãe lamentou, mas...o que podiam fazer? Então a pequena, em um ato generoso, disse-lhe que rezaria para que algum anjinho ajudasse o pobre homem, aliviando a sua dor. Fechou os olhinhos, uniu as suas mãozinhas e ficou em silêncio.

A mãe, atônita com a cena, dividia o seu olhar entre a menina e o morador de rua, que continuava esfregando a perna com o rosto contorcido de dor. Naquele breve tempo do semáforo fechado, a mãe presenciou um pequeno milagre. Algo estupendo e inexplicável aconteceu e o morador de rua ficou imediatamente curado da sua perna? Não. Esse seria um grande milagre, e não é o caso dessa história. Mas aquela mãe obteve uma pequena cura, observando o ato da menina. De repente, o mundo parecia menos cruel, e assim como existia a sua doce menina, meiga, de coração amoroso, que poderia oferecer de si mesma uma pequena oração para que algum “anjinho” ajudasse aquele ser humano em condição desumana, também poderiam existir por aí “anjos” da vida real

E depois daquele momento, um pequeno milagre se operou na mãe (e talvez também no  morador de rua, quem vai saber?), que vislumbrou no sorriso de contentamento e sensação de dever cumprido da menina a esperança de dias melhores, potentes de amor e transformação.


Patrícia Maciel

Patrícia Maciel é doutoranda em Educação pela Unilasalle; Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS, com pós-graduação em Psicopedagogia pela UNIASSELVI/ RS; Gestão Cultural pelo SENAC-RS; Língua, Literatura e Ensino pela FURG, e Arteterapia pela Famaqui/RS (em andamento); graduada em Teatro- Licenciatura pela UFRGS. Atua como docente e pesquisadora na área de Artes e Educação, principalmente nos segmentos de artes, teatro, educação e formação de espectadores. Desenvolve pesquisa em pedagogia da Arte, processos criativos e escrita criativa. Membro fundadora do grupo ColetiveArts, atuando na área de escrita literária.

Patrícia também apresenta o podcast Coletive Som, a voz da arte. Para escutar episódios do Coletive Som, clique aqui.



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