África Contemporânea – Africanidade
"Não começo palestras com raiva, mesmo se estiver sentindo. A raiva aliena as pessoas e, quando estou tentando convencer alguém, guardo a raiva no bolso por um tempo e tento me ater aos fatos e às histórias.
Porque a verdade é que o feminismo é necessário para o mundo. Se quisermos justiça
no mundo, todos precisamos abraçar o feminismo.
A função do feminismo é chegar ao ponto de não precisarmos mais dele, chegar ao
ponto em que as mulheres possam ser seres humanos completos. Isso parece tão óbvio, mas em toda parte do mundo não acontece."
Chimamanda Ngozi Adichie
Nos últimos anos, a proliferação de bienais em Dakar, Cidade do Cabo, Luanda e Cairo, contribuíram para o maior intercâmbio entre artistas, curadores e historiadores da arte para que atuem no continente. Em Moçambique, novas tendências nas artes plásticas oferecem, a partir das expressões da cultura popular urbana, diálogo com as formas pós-modernas de arte, movimento intitulado MUVART.
Neste novo cenário, floresce a produção cultural africana. Literatura, dança, música, teatro, belas artes e narrativas orais são expressas de maneiras inovadoras. Desvinculada da multiplicidade de identidades desenvolvidas durante o colonialismo, as migrações e a globalização, a noção de autenticidade é baseada na busca de um passado cultural singular.
Personalidades, artes visuais
George Lilanga (1934-2005)
Natural de Kikwetu, sul da Tanzânia, seus trabalhos exploram o universo de seu grupo étnico, Maconde, conhecido por sempre resistir a ser conquistado por outros povos africanos, árabes ou traficantes de escravos. Exímios escultores em pau-preto, uma árvore que alcança de 4 a 15 m de altura, de casca cinza e espinhosa. Lilanga colore e enverniza a madeira, dando um aspecto moderno às esculturas que levaram seu trabalho para as principais galerias do mundo.
“Para nós, Maconde, arte é natural. É um trabalho importante e uma fonte de renda. Pessoalmente, muito do que conquistei na vida foi graças à arte.”
Chéri Samba (1956)
Nascido na República Democrática do Congo, tem suas obras expostas em grandes museus, como o Pompidou, em Paris, e o Museu de Arte Moderna de Nova York. Suas pinturas apresentam textos e em Lingala, língua de seu ´país, de alguns locais de Angola e do Congo (totalizando uma média de 10 milhões de falantes), textos que versam sobre a vida na África contemporânea.
“Me considero um pintor-jornalista, por isso uso textos. Minha matéria-prima é a vida cotidiana."
- Chéri Samba
Odili Donald Odita (1966)
Artista sul-africano da capital Cabo Verde. Suas telas enormes esbanjam cores e padrões geométricos que exploram a necessidade humana de encontrar padrões e referências para dar sentido ao mundo.
”O mais interessante, para mim, é a fusão de culturas que pareciam díspares e distantes que têm a habilidade de combinarem num fluxo perfeito. Por meio da arte, acredito que costuramos diferentes partes numa única existência, em que a noção
metafórica de unidade pode ser compreendida como realidade.”
- Odili Donald Odita
Nicholas Hlobo (1975)
Artista sul-africano com vários prêmios, morador de Joanesburgo. Formado em Tecnologia, cria esculturas imensas que contrastam feminino e masculino em materiais inusitados, como borracha, tecidos e objetos aleatórios.
“Por meio das minhas obras, quero propor um questionamento sobre a cultura sul-africana e sobre as percepções de etnias e gêneros”.
- Nicholas Hlobo
Tradição têxtil
Apresentando uma longa e rica tradição têxtil, na história da África pode-se dizer que os tecidos são substitutos das pinturas. As cores, os padrões dos tecidos, os acessórios, todos têm forte simbologia e ligação com seus povos, onde muitos grupos são identificados pelas vestimentas, criando estilos próprios. A valorização desses estilos resulta da política de valorização de identidade do continente.
As primeiras versões eram feitas com casca de árvore batida; atualmente, são encontrados sobretudo nas populações da África Central, decorados com tintas vegetais em sua maioria.
Com o advento da chegada dos mercadores europeus na costa africana, no século XV, a proposta comercial da tecelagem passou a ser explorada e a produção têxtil, encorajada; os tecidos passaram a ser utilizados como moeda de troca. Até hoje, os tecidos africanos são reconhecidos mundialmente por sua excelência e beleza. Além do algodão, os artefatos de couro e a cerâmica, arte majoritariamente feminina, são muito populares.
Devido à abertura para trocas com a Europa e a Ásia, houve mudança neste cenário. De 1500 a 1850, os mercadores europeus tentaram substituir os produtos africanos por importações mais baratas. Com o início da Revolução Industrial, no século XIX, a mudança foi radical. Competir com os fios importados das indústrias europeias, mais baratos e contrastando com uma produção local lenta e manufatureira, foi desigual; em 1820, os tecidos de algodão eram a principal importação da África, uma transformação radical na cultura do continente. A falta de investimentos em infraestrutura e tecnologias desestimulou os africanos a competir e ampliar as técnicas locais. A produção local sobreviveu apenas pelo status que os produtos manufaturados detinham junto à elite.
A influência da estética africana, com suas cores, padronagens, a arte da tecelagem, o valor dos símbolos contidos nos tecidos e nos artefatos, vieram junto com os escravos para o Brasil. À sombra do grande tráfico de escravos, o comércio de gêneros alimentícios prosperava. Mas não só comida, muitos outros itens eram vendidos: tecidos, linhas, contas, agulhas, facas, pratas, canecas, moringas, garrafas, espelhos, elementos que cruzaram os oceanos e chegaram ao Brasil, adaptando-se à nossa cultura. Porém, grande parte do valor simbólico das vestimentas e dos adereços africanos se perdeu com a industrialização e a popularização da estética. Os padrões dialogavam com as relações comunitárias, casamento, poder, terra, religião. Hoje, saindo às ruas em qualquer estado brasileiro, é possível encontrar cangas, batas, lenços e diversos adereços de coco, penas, miçangas, elementos que nos remetem à história africana e estes povos que ajudaram a construir o Brasil.
Criadores de imagens
Capacidade de autonarração é um dos fenômenos culturais da África contemporânea, onde cineastas e fotógrafos do continente criam suas próprias imagens, narram seus sonhos e mostram ao mundo seus pontos de vista através de uma indústria cinematográfica cada vez mais forte e de uma produção fotográfica cada vez mais criativa.
O cinema, um potencial de linguagem e comunicação para os africanos e que, através dele, passaram a exercer o seu “direito de narrar”. Fora dos circuitos internacionais europeus e norte-americanos, foi preciso o apoio de órgãos oficiais para o desenvolvimento da produção cinematográfica do continente, abrindo espaços para exibições como as Jornadas Pan-Africano de Mogadíscio (1981) e o Festival PanAfricano de Ouagadougou – FESPACO (1972). Ousmane Sembène(1923-2007) é considerado o criador do cinema africano, descrevendo as contradições e desigualdades dessas sociedades. Através de seus cineastas mais importantes, como Souleymane Cissé (Mali, 1940), Djibril Diop Mambéty (Senegal, 1945-1998) e Flora Gomes (Guiné-Bissau, 1949), a África recupera a personalidade que o colonialismo lhe retirou, sobressaindo o constante diálogo entre a tradição e a modernidade que, em vez de estarem em campos antagônicos, são apresentados como complementares.
A Nigéria (Nollywood) é hoje uma verdadeira potência da indústria cinematográfica, sendo a terceira no mundo, atrás apenas dos americanos e indianos (Bollywwod), produzindo mais de 1.000 filmes por ano e arrecadando em torno de US$ 250 milhões, sendo também a segunda maior indústria do país, perdendo apenas para a indústria petrolífera, fatores que somados fizeram com que a indústria cinematográfica nigeriana tenha transcendido suas fronteiras territoriais.
Mia Couto
Terra Sonâmbula – Mia Couto
“Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho. (Crença dos habitantes de Matimati)”
Terra Sonâmbula é um romance escrito por Mia Couto publicado em 1992, ganhando o Prêmio Nacional de Ficção da Associação dos Escritores Moçambicanos e considerado um dos doze melhores livros africanos do século XX. Reeditado no Brasil pela Companhia das Letras, é um romance em abismo, escrito em uma prosa poética que remete a Guimarães Rosa. Couto se vale também de recursos do realismo animista e da arte narrativa tradicional africana para compor esta bela fábula.
Um pouco mais sobre Mia Couto ... pseudônimo de António Emílio Leite Couto, é um escritor e biólogo moçambicano. Mia Couto tem uma obra literária extensa e diversificada, incluindo poesia, contos, romance e crônicas; suas obras são publicadas em mais de 22 países e traduzidas em alemão, francês, castelhano, catalão, inglês e italiano.
Em muitas de suas obras, Mia Couto incorpora estruturas e vocabulário específicos de Moçambique, produzindo um novo modelo para a narrativa africana. O seu uso da linguagem faz lembrar o escritor brasileiro João Guimarães Rosa, mas também sofre influência de Jorge Amado. É conhecido por criar provérbios nas suas obras de ficção, assim como enigmas, lendas e metáforas, dando uma dimensão poética sobretudo, escrevendo tanto para adultos quanto para crianças.
Sua importância para a literatura de língua portuguesa é tal que ocupa a cadeira 5 da Academia Brasileira de Letras, como sócio correspondente, eleito em 1998.
Chimamanda Ngozi Adichie (Enugu, 15 de setembro de 1977) é uma feminista e escritora nigeriana. Ela é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas de sucesso, atraindo uma nova geração de leitores de literatura africana. Chimamanda nasceu na Nigéria, no estado de Anambra, mas cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste da Nigéria, onde se situa a Universidade da Nigéria.
Em 2003, completou seu mestrado em escrita criativa na Universidade Johns Hopkins de Baltimore, e em 2008, recebeu o certificado como mestre de artes em estudos africanos pela Universidade Yale. Seu primeiro romance, Hibisco Roxo, foi publicado em 2003. O segundo, Meio Sol Amarelo, assim chamado em homenagem à bandeira da Biafra, retrata o que antecede e o que ocorre durante a guerra de Biafra.
“A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira
de mulheres não faz parte da cultura, então temos que mudar nossa cultura.”
- Chimamanda Ngozi Adichie
Personalidades, Prêmio Nobel:
Denis Mukwege (1955)
Prêmio Nobel da Paz em 2018, o médico Denis Mukwege é fundador e diretor do Hospital de Panzi, onde se especializou no atendimento a mulheres vítimas de violência sexual. É o maior especialista mundial em reparação interna de genitais femininos e coordena programas de HIV/AIDS; reconhecido mundialmente pelo seu trabalho de proteção aos direitos e à dignidade de milhares de mulheres congolesas.
Nelson Mandela (1918-2013)
Nelson Rolihlahla Mandela (Mvezo, 18 de julho de 1918 — Joanesburgo, 5 de dezembro de 2013) foi um advogado, líder rebelde e presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado como o mais importante líder da África Negra, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, e pai da moderna nação sul-africana, onde é normalmente referido como Madiba (nome do seu clã) ou "Tata" ("Pai"). Nascido numa família de nobreza tribal, numa pequena aldeia do interior onde possivelmente viria a ocupar cargo de chefia, recusou esse destino aos 23 anos ao seguir para a capital, Joanesburgo, e iniciar sua atuação política.
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda
por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a
odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”
- Nelson Mandela
Africanidade – qualidade própria do que é africano; caráter específico da cultura ou da história da África; sentimento de amor ou de grande afeição pela África.
Conceito que tem sido bastante discutido, trata da valorização e amplitude das culturas africanas, reconhecendo, significando e ressignificando suas práticas culturais, baseando os debates em áreas como História, Antropologia, Comunicações, etc., fundamentados no conceito de etnia em contraposição ao de raça.
Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.
03 ANOS DE COLETIVEARTS
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4 Comentários
Adorei, não conhecia os artistas visuais são referências incríveis para as aulas de artes.
ResponderExcluirTem muita cultura e arte. África é riquíssima!
ExcluirAmeiiiii! Quanta informação e beleza nessa publicação! Parabéns! Chorei quando cheguei em Nelson Mandela. Por algum motivo, meu coração dispara quando vejo ou ouço falar de um revolucionário! POR MAIS REVOLUCIONÁRIOS nesse mundo, assim como Mandela, distribuindo palavras de paz, amor e justiça!
ResponderExcluirTem um contador de histórias africano que eu amo o trabalho dele, tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente e vale a pena conferir o seu trabalho! Se chama Ikechukwu Sunday Nkeechi, ou apenas Sunny! Ele traz muita beleza e reflexão sobre o povo negro. Ele diz que o negro, no Brasil, não gosta de assumir que é negro, porque aqui só falam que os negros foram escravos ou que na África só tem miséria. Quem gosta de saber que seus antepassados foram escravos? Mas na África tem muita coisa boa, tem universidades excelentes, tem alegria, tem história, tem cultura, tem muitas riquezas. Para mim, as palavras dele fizeram todo o sentido! E tu trazer essas belezas e grandes nomes africanos é um serviço de valorização, de verdade e de orgulho para todos que têm origem africana. Parabéns!
Obrigado, Miriam! Estes textos de sexta são frutos de pesquisa, são para trazer informações, de caráter mais acadêmico. Fiz uma cadeira na faculdade sobre a História e Cultura Africana ... sempre quis escrever sobre este tema. Este tema é o meio, faz parte de uma trilogia ...saiu sexta passada o primeiro, semana que vem sairá o último ... mas confesso que este é especial, pois trata da África contemporânea, a Cultura, a multiversidade, a pluralidade. A roupagem, os cabelos, as expressões físicas, a dança, a tapeçaria, as esculturas, o uso de cores, a unidade com a natureza ... é lindo demais estudar a África e os Africanos!
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