É tarde da noite...
Pergunte a uma criança de hoje, se ela sabe o que é Guerra de Mamonas. Talvez ela não saiba nem quem foram os Mamonas Assassinas. Pergunte se ela sabe o que é um Atari. Pergunte sobre carrinho de rolimã, jogo de bafo, chiclete Ping Pong e que Xou da Xuxa é esse?
Eles não saberão.
Mas a coluna de hoje não é para bancar o saudosista (coisa que orgulhosamente sou) e nem para me considerar superior por achar que as coisas no meu tempo eram melhores (e sim, me considero e eram).
A minha preocupação com a infância de hoje, não é simplesmente o fato de que as crianças de hoje, não pegam um livro nas mãos, ou de que não conseguem tirar os olhos da frente de uma tela, seja do celular ou do tablet ou da TV ou do notebook, ou do medo que sinto de ver uma criança saindo de casa e derreter no sol, tão desacostumada que ela está de sair na rua, respirar ar e conviver com pessoas.
As crianças de hoje não ficam mais até às 10 da noite, jogando futebol na frente de casa, com chinelos como goleiras. Não mandamos mais nossos filhos pegar pão e ovo na venda da esquina. Ora bolas, nem chamamos mais de venda. Dificilmente eles vão à escola sozinhos.
E obviamente que essas coisas NÃO PODEM MAIS ACONTECER. Como Logan diz a Xavier no filme Logan: "O mundo não é mais o mesmo, Charles". E não é.
Não sentamos mais na frente de casa, com as cadeiras de praia, pra conversarmos com os vizinhos até tarde da noite. Primeiro, porque vizinhos não são mais amigos, como eram antigamente. Uma extensão da família. E outra, porque não nos arriscamos mais até tarde na rua. O que dirá deixar nossos filhos sozinhos nela.
Porque o mundo mudou. E só mudou porque as pessoas mudaram. Não foram só as relações que se tornaram líquidas. Os princípios também.
E aí entra minha preocupação.
Nós ficávamos até tarde na rua, porque nossos pais ficavam. Nós íamos na venda, porque o dono da venda era amigo da família. Nós íamos sozinhos à escola, porque o trajeto era todo de casas de pessoas que nos conheciam e conheciam nossa família. Parecia que tudo era uma grande comunidade.
E nossos princípios eram norteados por aquilo que víamos nossos pais fazerem.
Moro num condomínio. E não escondo, que meu maior atrativo para morar num, foi a segurança de meus filhos. Mas minha filha, de 14 anos, tem apenas 1 amiga. Aparentemente o fato de não se dispor a conversar sobre os nudes que envia (porque não envia), as transas escondidas (porque não transa), os cigarros que fuma (porque não fuma) faz dela uma persona non-grata entre os outros jovens, excetuando essa amiga dela, que a exemplo dela, entende que o tempo é soberano e a gente fala sobre o que se vive e se vive aquilo que é próprio de seu tempo.
Já meu filho de 7 anos convive mais com outras crianças. Mas começou a descobrir nos últimos dias, que os tempos podem ter mudado. Mas os filhos continuam sendo influenciados por seus pais. Ver seu melhor amigo chorando convulsivamente, aos 8 anos, por ter sido chamado de "negro sujo" por crianças que no dia anterior, estavam brincando com ele e sendo proibido por essas mesmas crianças de andar com eles, causou nele algo que até agora ele não sabe como explicar e nem como reagir. Eu, que fui quem abraçou este menino, enquanto ele chorava, não sei como reagir.
Eu vivi meus momentos difíceis na minha infância e adolescência. Mas nada comparado ao que vejo nos dias de hoje.
A crueldade de crianças de 10, 11, 12 anos. Adolescentes que carregam o símbolo da suástica, como forma de provocação. Algo aconteceu, que tornou a crueldade, antes artigo presente apenas em adultos problemáticos, um artigo corriqueiro nas crianças, que aparentemente nascem já propensas a isso.
Meus filhos sofrem. E o sofrimento deles me enche de pasmo. Porque eles sofrem por serem jovens que apenas querem viver as coisas próprias de seu tempo e querem apenas tratar as pessoas com gentileza. Eles sofrem, porque não entendem o mecanismo da crueldade. Não entendem porque ela existe. E não entendem porque ela habita corpos tão jovens. E eu sofro com esse sofrimento, porque não consigo lhes explicar o porquê. Porque eu mesmo não consigo entender. Sei que isso deve nascer em casa. Tudo nasce em casa.
E ainda assim não consigo entender.
Espero que meus abraços continuem sendo suficientes para meus pequenos.
Porque eu mesmo me sinto tão pequeno diante desse mundo.
É tarde da noite no mundo.
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Davison Silveira |
Davison Silveira é escritor e sonhador. Não ganhou dinheiro com nenhuma das duas, mas continua achando que as respostas da vida estão em alguma canção do Belchior, num disco de Dylan, num livro de Kundera, numa revista do Asterix e nos beijos de Denise. Para ele o sentido da vida é Centro-Bairro. E segue sua vida esperando o retorno daquele que veio dos Céus para nós salvar: Goku. Ou que finalmente resolvam fazer a versão 600 ml do refrigerante Teem
1 Comentários
O unico que vc pode fazer é ensinar o certo e o errado e ensinar as ferramentas para se defender disso tudo e defender seus amigos. Ensinar a ser fortes, como as mães negras ensinam seus filhos a ser fortes desde pequenos. Só entendendo a origem de tudo eles poderãi enfrentar.
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