Causa Mortis

Causa mortis

Não sei se foi o frio, o cansaço, ou algo que o devorava por dentro, mas aquela noite estava o próprio gelo. O vento cortava, entrando por sua roupa. Parecia estar nu. Andava ziguezagueando na calçada. Os braços cruzados, bem apertados contra o corpo curvado, todo encolhido. Não sabia se era pior o frio da madrugada ou da solidão, a fome de comida ou de existir, a sede de água ou de viver. Não lembrava a última vez que tinha comido, dormido ou bebido água. Só podia andar daquele jeito estranho tentando não congelar. Dia e noite = andar e andar. As casas trancadas, nenhuma janela aberta. Passou por um prédio com uma luz acesa no primeiro andar. Mesmo com a janela fechada, podia ouvir vozes e risadas. Devia ser uma festa, com comida e tudo. Deviam ter um aquecedor. Parou para apreciar um pouco, mas logo o frio pôs novamente suas pernas em movimento. Tentava dobrar ao máximo os joelhos para dar passos altos. Era quase uma dança macabra daquele corpo esquelético coberto por trapos.
No dia seguinte encontraram seu cadáver estendido sobre sacos de lixo. Causa mortis?
Ninguém sabe se foi o frio, o cansaço ou algo que o devorava por dentro.

Texto: Fabio da Silva Barbosa
Arte: Nathália RL                    

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2 Comentários

  1. A realidade de muitos e muitas que estão em condições de vulnerabilidade social ... seja por qual motivo, é necessário um olhar para esta gente e esta situação, de uma complexidade enorme. Há políticas em vários municípios para proteção social, mas ainda falta muito, e ainda há muitos. Esta estória poderia muito bem ser a historia de alguém que ouvi a anos atrás, achado assim, na cidade de Alvorada. Uma noite fria ... enfim, o que aquela pessoa sentia ... quem era, qual sua história de vida, qual fato ou sequência de fatos lhe colocou nesta situação? Uma reflexão que precisamos abraçar ...

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