DOSSIÊ KOBIELSKI


                                    POR QUE O BRASILEIRO É FASCINADO PELO TERROR?


As histórias de terror sempre tiveram preferência do público leitor brasileiro. Entretanto, poucos são os autores que se preocuparam em fazer uma análise mais aprofundada desse tema. Em um pequeno artigo publicado em "O Grande livro do Terror", editado pela Argos, em 1978 Rudolf Piper explica  explica que “atualmente já se pode ter uma perspectiva histórica suficiente para afirmar que o terror é um dos gêneros de maior aceitação entre o público  brasileiro de todas as épocas. Isso seria motivado pela profusão das religiões animistas que integram nossa cultura popular, pelas crendices originárias do sertão, pela tendência natural do ‘Zé Povinho’ e colocar a resolução dos seus problemas nas mãos de forças superiores e ocultas”. O autor ainda acrescenta que “as razões dessa preferência ainda estão difusas, mas é certo que o fato de sermos o povo mais místico do mundo depois da Índia, tem algo a ver com isso. Nossas raízes culturais e nosso folclore estão repletos de figuras míticas e fantásticas, que atuam fortemente sobre a imaginação das crianças e adultos. A Mula Sem Cabeça, O Negrinho do Pastoreio, Curupira e o próprio Saci são personagens que unem o real e o sobrenatural de forma extraordinariamente bem lograda.” Podemos perceber que a maioria destas lendas interpreta o espírito nacional de maneira bem curiosa: todos os seus protagonistas encarnam, ao mesmo tempo, o Bem e o Mal: são capazes de dar alegria e prazer, mas também semeiam a discórdia, a violência e a morte.

Com todos esses elementos contidos no imaginário popular, não foi surpresa que fosse despertado o interesse por todo e qualquer produto cultural que abordasse assuntos relacionados ao terror. Além da literatura específica, sempre houve sempre houve uma receptividade enorme para as obras de ficção. Dessa forma, podemos constatar que o gênero Terror é a expressão mais perfeita e refinada de toda imaginação que procura o irreal e o supranormal. Toneladas de folhetins macabros, milhares de contos, inúmeros romances, quilômetros de filmes, e infinitas horas de programas televisivos foram consumidos ao longo do século passado e nas primeiras décadas do século XXI, na busca dos prazeres do sobrenatural.

Apesar de possuirmos uma riqueza cultural, quase todo material consumido era - e ainda é -, de origem estrangeira. Fora a filmografia de Zé do Caixão e algumas produções para o rádio, parece que as histórias em quadrinhos formam o único campo em que a penetração norte-americana não se deu em toda sua profundidade. Durante muito tempo, inclusive, as HQs de terror foram as únicas que contavam uma alta porcentagem de produções nacionais.

As raízes desse fenômeno podem ser encontradas no início da imprensa popular em nosso país. Inicialmente eram consumidas as traduções de inúmeros pulps norte-americanos – revistas baratas, impressas em papel de baixa qualidade -, que vinculavam uma série de contos fantásticos apresentados em Detective (1936- 75), Contos Magazine (1937- 47), X-9 (1941- 70), entre outros.


Álvaro de Moya, pesquisador, localiza numa revista Mirim, de 1937, a primeira HQ de terror publicada no Brasil. Trata-se da série “Dr. Oculto”, produzida por Leger & Reuths, pseudônimos de Jerry Siegel e Joe Schuster, criadores do “Superman”. O ano de 1937 também nos reservaria o lançamento de uma obra sem igual nas HQs brasileiras, “A Garra Cinzenta”, série publicada em capítulos de uma página cada em A Gazetinha, suplemento do jornal A Gazeta. Considerada por muitos a primeira HQ de terror brasileira, escrita por Francisco Armond – que até hoje ninguém sabe com certeza quem seria – e desenhada pelo mestre Renato Silva, chegando a ser publicada até na Europa.


Com a decadência dos comics de super-heróis durante e pós- guerra, coube a Stan Lee, o mago dos quadrinhos, a descoberta do novo filão, nos anos 1940, puxada por “Terror Tales”, logo seguida por muitas outras numa produção editorial que tem seu ponto mais alto do ponto de vista da qualidade artística, nos famosos gibis da EC Comics, capitaneada por William Gaines e Harvey Kurtzman.

No Brasil, a primeira revista exclusivamente dedicada ao gênero foi a inesquecível “Terror Negro”, lançada pela editora La Selva em 1950. Inicialmente focada nas aventuras de “Black Terror”, personagem de Jerry Robinson, mas a partir de 1951, por sugestão do grande desenhista Jayme Cortez (1926-1987), a publicação foi reiniciada a partir do volume 1. Segundo ele, para atrair exclusivamente o público de terror. O sucesso foi estrondoso. Milhares de cópias eram vendidas todos os dias e edições inteiras se esgotavam. Lobisomens, vampiros e monstros mecânicos estavam na ordem do dia e as capas de Jayme Cortez davam um colorido todo especial ao clima das histórias.


Os quadrinhos, entretanto, não eram vistos com bons olhos por uma boa parte da opinião pública, especialmente as forças conservadoras que tinham reservas quanto a este novo meio de comunicação, especialmente as histórias de terror, que eram acusadas de prejudicar a formação moral das crianças e jovens. Com o advento da “caça às bruxas”, propiciada pelo macarthismo norte-americano, foi instituído o Código de Ética que praticamente acabou com este tipo de publicação nos Estados Unidos

Com o desaparecimento dos “magazines” importados, faltou matéria-prima para abastecer nosso mercado consumidor de gibis de terror. Coube então a um grupo de empresários idealistas, entre os quais José Sidekerskis, Heli Otávio de Lacerda, Cláudio de Souza e Miguel Penteado, entre outros, preencher esta lacuna reunindo uma das maiores e mais talentosas equipes de roteiristas e desenhistas desse país.

Além da La Selva, outras editoras também despontaram na produção desses gibis. A paulistana Gráfica Novo Mundo, depois Júpiter, onde se destacaram Gedeone Malagola e Diamantino Silva. Outra editora importante nesse período foi a Continental, que depois virou Outubro e mais tarde Taika. Inaugurada em 1959 por empresários liderados por José Sidekerskis chegou ao mercado publicando gibis de todos os gêneros. Foram reunidos aí um time de grandes artistas do quadrinho nacional e que levaram o terror brasileiro a uma verdadeira Era de Ouro: Jayme Cortez, como diretor de arte e capista principal, além de  Nico Rosso, Flávio Colin, Julio Shimamoto, Luis Saindenberg, Sérgio Lima, Gedeone Malagola, Getúlio Delphin, Juarez Odilon, Lyrio Aragão, Inácio Justo, Aylton Thomas, Edmundo Rodrigues entre outros tantos. 


Jayme Cortez


Inúmeros foram os títulos publicados nesse período. Além do “Terror Negro” (1951/67), tivemos “Contos de Terror”(1954/64), “Sobrenatural”(1954/67) e “Frankenstein”(1959/67) pela editora La Selva, bem como “Sepulcro” e “Horror” das Edições Júpiter, “Gato Preto”(1954/64), “Medo”, “Noites de Terror”(1954/67) e “Mundo da Sombras”(1954/67) pela editora Novo Mundo, “Sexta-Feira 13” da Orbis, “Contos Macabros”, “Histórias do Além”, “Terror”(1959/62), “Histórias Macabras” e “Seleções de Terror”(1959/66), todos da Outubro, só para citar os principais.




Depois da Gazetinha das décadas de 1930 e 1940, este foi o maior centro de produção brasileira de histórias em quadrinhos até então. Pode-se até dizer que este foi o primeiro movimento consciente que se realizou em defesa da HQ nacional e contra a invasão cultural estrangeira. A importância desse movimento persiste até nossos dias. Apesar de ter se iniciado em 1959, muitos do seus participantes continuaram a luta nas décadas seguintes. Mas isso veremos somente no próximo capítulo.


Em tempo:

No dia 30 de janeiro é celebrado por leitores de quadrinhos brasileiros o Dia do Quadrinho Nacional. A data marca a produção nacional de histórias em quadrinhos, seus autores e obras.

Em 1984, a Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas de São Paulo realizou uma pesquisa na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro/RJ) e verificou que o Brasil era pioneiro na publicação dessa linguagem.

Foi descoberto, então, Ângelo Agostini, um italiano radicado no Brasil, que começou a publicar, em 1867, seus desenhos e charges no Cabrião, jornal de São Paulo. Em 1869, ele se mudou para o Rio de Janeiro, onde fazia uma série no semanário Jornal Vida Fluminense.


Foi em 30 de janeiro daquele mesmo ano que Agostini começou a publicar o que se considera o primeiro quadrinho brasileiro: "As aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”. Em forma de páginas duplas, a cada semana a história mostrava Nhô-Quim viajando de Minas Gerais para a corte do Rio de Janeiro.



Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. 

















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