CONTRAPONTO


 Desequilibrada



A primeira vez que me chamaram de “desequilibrada” eu me senti muito mal. Minha vontade foi de chorar, sumir, evaporar… Eu já me esforçava para mudar minhas falhas, mas depois de ouvir esse apelido, passei a achar que precisava mudar por completo. Me vi como errada. Lembrei da minha criação opressiva e passei a correr contra o tempo, novamente, para deixar de ser eu. E depois desse primeiro “desequilibrada”, vieram muitos outros e em todos eu tinha o mesmo sentimento de desespero e vergonha. 


Certo dia, enquanto fazia um curso de terapia holística só para mulheres, a terapeuta pediu para cada mulher do grupo falar do apelido que mais nos chamavam e que mais nos incomodava. Contei, com muita dificuldade, que essa era a palavra que mais me chamavam. Quando a terapeuta do curso e a dona da instituição escutaram isso de mim, gargalharam muito alto e ao mesmo tempo, uma delas disse “oi, ‘desequilibrada’, prazer, sou ‘doida varrida’!” a outra seguiu a sequência e disse “e eu sou a maluca, prazer!”. Não por coincidência, as demais mulheres do grupo tinham um apelido semelhante ao nosso. Na hora eu senti um certo alívio, mas demorei para entender o real e completo significado disso tudo. 


Recentemente eu falei para uma outra conhecida que as pessoas dizem que sou desequilibrada e estranhamente percebi que eu sorria com muito carinho, quando lembrei dessa palavra. Finalmente eu entendi tudo, desde a coincidência de todas as mulheres de um curso holístico de busca interior terem apelidos semelhantes até eu me sentir confortável com a ideia de ser errada para muitas pessoas. 


Desculpei-me comigo mesma por ousar acreditar por tanto tempo que o problema estava em mim. Não estou dizendo que sou perfeita, ou que não existam falhas que precisam ser revistas. Falo aqui dessa imensa opressão que a sociedade ainda põe em mulheres que falam alto, mulheres que se expressam, mulheres que mudam, que não têm medo de se jogar no novo ou de voltar atrás, mulheres imprevisíveis, mulheres que se vestem fora do padrão, que saem na rua com cabelos e batons azuis, verdes, roxos, que não têm medo de ter um corpo natural, mulheres que gritam, choram, demonstram o que sentem e sabem que não devem se calar diante de uma subordinação. São essas as mulheres desequilibradas!


Esse tipo de mulher desequilibra todo um sistema de pessoas submissas, que temem mudança, que não estão acostumadas com diversidade, não têm coragem de se expressar e não sabem nem por onde começar quando a expressão é “auto análise”, que correm longe de qualquer coisa que revele suas verdades.


As mulheres desequilibradas são intensas, fortes, excêntricas, intuitivas, expressivas, independentes, questionadoras e vibrantes; elas trazem desequilíbrio a lugares em que tudo quer continuar parado, imóvel na mesma superfície, sem aprofundamento ou renovação de qualquer tipo.


Hoje em dia eu abro meus braços a qualquer apelido. Maluca, desequilibrada, insubordinada, insubmissa, doida varrida, revoltada, fora da casa, doida… somos todas maravilhosas! Estamos vivas, não aceitamos mordaças, somos corajosas para questionar, discordar ou apoiar, somos fortes para sorrir e chorar na frente de qualquer um, pintamos nossos cabelos e o cortamos como queremos, independente da opinião de qualquer um, sabemos o que queremos e que podemos mudar a qualquer momento (a mudança é mais que bem-vinda!), porque a inércia não faz parte da nossa natureza, somos deusas, que buscam a completude e estão mais perto da própria plenitude que qualquer um que nos apelida, na esperança de nos intimidar. Um grande brinde a todas as desequilibradas!



                               

                              Míriam Coelho é artista das imagens e das palavras.


Miriam Coelho



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