DOSSIÊ KOBIELSKI

 


POR QUE O BRASILEIRO É FASCINADO PELO TERROR? PARTE 2


Na segunda metade da década de 1960, o grande filão do mercado de histórias em quadrinhos no Brasil era o Terror, chegando a mais de trinta títulos e inundando as bancas de revistas. A editora Taika lançou “Seleções de Terror”, com Nico Rosso (1967), “Terror” (1967), “A Cripta”(1968), “Drácula”(1968); a GEP editou “Lobisomem”(1967), “Frankenstein” e a “Múmia”(1967); a Jotaesse editou “O Vampiro”(1966) e “Mirza, a Mulher Vampiro”(1967); a Edrel, a “Nova Revista do Terror”(1969); e a Prelúdio, “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”(1969), com trabalhos de Nico Rosso e fotonovelas. Importante salientar aqui, o papel de um ficcionista excepcional e que muitas vezes é esquecido por muitos. Trata-se de Rubens Francisco Lucchetti, cuja produção nesse campo pode ser considerado o que de melhor foi escrito a nível mundial.

Rubens Francisco Lucchetti


Foi nesse período que o gênero de Terror começou a assumir feições tipicamente nacionais com roteiros e ilustrações adaptadas a realidade e a mentalidade brasileiras. Algumas experiências interessantes ganharam corpo nesse momento, principalmente após a dissidência de Miguel Penteado que saíra da Taika para fundar a Gráfica e Editora Penteado (GEP), cujo diretor de arte era João Batista Queiroz, e que lançou gibis memoráveis, tais como “Lobisomem”, “A Múmia” e “Histórias Caipiras de Assombração”.

Outra experiência de grande significado para os quadrinhos brasileiros, e que muito se relaciona com esse gênero é a produção da Edrel que, a partir de meados dos anos de 1960, começa a reunir uma excelente equipe de artistas novos, entre os quais merecem ser citados Cláudio Seto, Fernando Ikoma e Paulo Fuke.

Entre 1968 e 1974, com endurecimento do regime militar, o Brasil enfrenta o período mais sombrio da ditadura com a implantação do Ato Institucional nº5, quando os quadrinhos de terror encararam uma queda na produção e na comercialização de gibis, devido às medidas restritivas impostas pela censura de Estado. Isto não necessariamente interromperia a popularidade alcançada pelo gênero e nem o investimento em sua produção. A editora Taika, por exemplo, publicou “Almanaque de Drácula”, com trabalhos de Juarez Odilon, “Álbum Clássicos de Terror”, com os
trabalhos de Justo, Julio Shimamoto – que foi preso pelo regime em 1969 por atos “terroristas”, Gedeone Malagola e Sérgio Lima. Merece destaque também “A Cripta”, uma publicação idealizada por R. F. Lucchetti e Nico Rosso.



A partir de 1975 com o arrefecimento do regime militar, temos um novo boom na produção de gibis de terror caracterizado pelo investimento dos grandes editores. Bloch, RGE e Vecchi inundariam novamente o mercado com uma grande quantidade de títulos, que mesclavam material importado da Marvel, da Warren e da Charlton, com a produção dos novos e veteranos artistas brasileiros. Muitas dessas produções vinham no famoso “formatinho” (14.8 x 21 cm). A Bloch Editores passou a publicar os super-heróis Marvel e, para baratear os custos, trocou o formato original – comic book ou formato americano (17 x 26 cm) – pelo formatinho. Essas dimensões de certa forma
prejudicavam a arte dos desenhistas, empastelando seus trabalhos e até dificultando a leitura. Entretanto esse formato já estava consolidado em nossa cultura. E é nessa editora que tivemos uma verdadeira enxurrada de títulos de terror, que tinha como editor Edmundo Rodrigues. A partir de 1976 chegavam as bancas “Aventuras Macabras”, “Clássicos de Pavor”, “Histórias Fantásticas”, “Frankenstein”, “Lobisomem”, “A Múmia”, “Sexta-Feira 13”, “A Tumba do Drácula”, entre outros títulos. Mas o grande sucesso editorial naquele ano vinha de outra editora, a RGE, que nos apresentou a revista “Kripta”, com histórias oriundas das revistas norte-americanas Creepy e Eerie.

Outra editora que apostou no gênero terror nessa época foi a Vecchi. Publicando gibis importantes como “Spektro”, “Sobrenatural”, “Histórias do Além” e “Pesadelo”, tendo no comando Ota (Otacílio D'Assunção), eterno editor da Mad. Muitas destas publicações apresentavam trabalhos de artistas nacionais consagrados e outros que estavam surgindo como Manoel Ferreira, Eduardo Ofeliano, Ataíde Braz, Roberto Kussumoto, entre outros.


Ao chegarmos nos anos de 1980, percebemos uma queda na produção nacional de quadrinhos de Terror. Entretanto, a tradição do gênero se manteve viva através das publicações da editora D – Arte, onde encontraremos dois títulos que irão trazer o que de melhor se produziu de histórias de terror nesse período: “Calafrio” e “Mestres do Terror”. Essas publicações, surgidas em 1981, abrigaram grandes talentos do nosso quadrinho como Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, Jayme Cortez, R. F. Lucchetti, Lyrio Aragão, Mozart Couto, Julio Shimamoto e outros. A Press Editorial lança em formatinho “Medo”, “Mundo do Terror”,”Almanaque Vampiro”, onde aparecerão os
trabalhos de Watson Portela, Júlio Emílio Braz, Flavio Colin, Mozart Couto, Itamar Gonçalves e Ofeliano. Em 1987, a Catânia Editora publica “Antologia Brasileira de Terror”, um álbum luxuoso de Eugênio Colonnese, com histórias dos anos de 1965/66


Quando adentramos nos anos de 1990, as pequenas editoras já não se atrevem a editar revistas de Terror e as grandes vão por outros caminhos, normalmente no campo dos super-heróis norte-americanos. Nos últimos tempos - já no século XXI, vimos que o interesse dos leitores se voltou para outros tipos de leitura mais apelativas, pois o Terror, para muitos, já era um filão esgotado, não somente quanto a personagens emblemáticos como Drácula, Lobisomem e Frankenstein, como outros criados por grandes artistas nacionais que povoaram nosso imaginário. Com raríssimas exceções, como os trabalhos da Opera Graphica, que publicou álbuns como “No Reino do Terror”, resgatando a obra de R. F. Lucchetti nos quadrinhos, “Calafrio”, “Mirza”, a Mythos com “Cripta”, a Devir que traz “Creepy” ou a Panini que lançou recentemente a “Coleção Marvel Terror: A Tumba do Drácula”, talvez estejamos presenciando os últimos suspiros dos quadrinhos de Terror nessas terras, que cederam lugar para os mangás e os encadernados luxuosos dos super-heróis que enfeitam belas estantes.


Paulo Kobielski é professor de História com especialização em Filosofia e Sociologia pela UFRGS. Trabalha com fanzines  e quadrinhos na educação. Paulo conquistou  o Troféu Ângelo Agostini de melhor fanzine no ano de 2020, confira matéria aqui:






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3 Comentários

  1. Conheci mais a respeito da Kripta e de outras revistas pelas matérias das extintas Wizard Brasil (Editora Globo) e Comix Magazine

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  2. Uma pena o gênero de terror ter deixado de ser tão procurado como antes e ter perdido tanto espaço para outros gêneros mais apelativos.
    Como sempre, texto impecável.

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