ARTE E CULTURA


AS MULHERES CAÍDAS DE ALINE DAKA


Conhecemos Aline Daka no ano de 2017 no evento Mutação na Feira, evento de quadrinhos organizado pelo Denilson Reis na feira do Livro de porto Alegre/RS. Minha esposa Patrícia Maciel e eu estávamos nas mesas destinadas aos artistas divulgando nossa personagem infantil Gabijú, covinhas do mal. Aline deu uma palestra junto com outras artistas falando sobre as mulheres no quadrinhos, Patrícia e eu logo percebemos a arte e a força de Aline e foi encantamento à primeira vista. No ano seguinte, o Israel Santiago nos convidou para criarmos algo diferente em relação a desenhos e a arte e surgiu assim o ColetiveArts. Durante nossas primeira movimentações, a Adriana Emerim, então responsável pelo Leia Mulheres de Gravataí, pediu para que indicássemos artistas mulheres que trabalhassem com quadrinhos, para participar de uma edição do Leia. Assim, nós indicamos a Aline. Em 2019 ocorreu a segunda edição do Coletive na feira do Livro de Gravataí, espaço geek/nerd organizado por nós e influenciado pelo Mutação do Denilson, e quem estava na edição com a palestra "Entre riscos e rabiscos uma trajetória" ? Aline. Quando foi criado o Coletive Som - A voz da arte, o podcast cultural do Coletive, programa apresentado pela Patrícia e pelo Luciano Xaba, a primeira pessoa que desenha quadrinhos a ser convidada para falar foi novamente a Aline. Então quando o Sandro Gomes  me falou do lançamento do livro da Aline e sugeriu uma entrevista com ela, mostrou a sintonia que nós do Coletive estamos tendo, a seriedade com que tratamos a cultura, e o carinho que temos por todos que partilham da visão de que a arte é um dos caminhos para tornar esse mundo melhor. Entrei em contato com ela, que aceitou conversar sobre seu novo lançamento Mulheres Caídas.


Aline é uma das artistas mais queridas que eu conheço, tem uma gentileza, uma profundidade e uma simplicidade que são marcas registradas dela, junto com seu traço vigoroso. Trabalha a sua técnica de desenho e de narrativa visual como poucos  sabem fazer, traz em cada arte toda uma bagagem de leitura, de vivências e referências que nos fazem ficar em uma profunda reflexão a cada quadro observado. Aline seguramente é uma das melhores artistas mulheres contemporâneas do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Mas do que se trata o álbum Mulheres Caídas? Nas próximas linhas a sinopse oficial: "Mulheres Caídas é um manifesto noturno e anárquico sobre as mulheres rebeldes na arte. No formato de uma HQ experimental não linear, a publicação dá visibilidade ao tema da ruptura, da desobediência e da liberação feminina, fazendo das ondas do feminismo um vórtice oceânico como propulsão criadora. A obra pretende ser um dispositivo visual de pensamento a nos provocar as sensações de desvio através da figura poética da mulher. Criada pela artista gráfica Aline Daka, a poética experimental em quadrinhos Mulheres Caídas traz questões urgentes da mulher em perspectivas transversais na arte, na literatura e na filosofia, abordando temas como violência, identidade, memória, “artes menores” e visibilidade feminina na história da arte. Referências da contracultura e do pop aparecem nos desenhos, que abrangem desde o romance gótico até o movimento punk. A obra é toda desenhada de modo fragmentário como uma bricolagem autoral e apresenta colagens citacionais de artistas e escritoras góticas, beatniks, surrealistas e dadaístas; além do encontro de personagens como Hilda Hilst, Sylvia Plath, Ana Cristina Cesar, Forough Farrokhzad, entre outras figuras marginais ou anônimas, como as "meninas cuspideiras". A HQ foi concebida originalmente como uma dissertação de mestrado em Educação, desafiando as convenções da área, com a má-educação das mulheres."

O álbum será lançado dia 02 de agosto e pode ser adquirido clicando no link aqui: Mulheres Caídas de Aline Daka

Aline Daka



JORGINHO: 
Aline, fale sobre sua obra Mulheres Caídas, como surgiu esse lindo projeto?

ALINE DAKA:  Mulheres Caídas é resultado de uma experiência de vida artística muito intensa e que inspirou um projeto de estudo para o mestrado. Entretanto, a ideia não era fazer uma biografia ou uma narrativa linear, convencional, pelo contrário, optei pela criação experimental não-linear e fazer uma mistura de minhas próprias narrativas com as narrativas de vida de outras mulheres que me inspiraram. Algo como um cut-up, se lembrarmos da técnica de William Burroghs ou dos dadaístas.


JORGINHO: 
Como é retratar dores, desejos, amores femininos neste universo dos quadrinhos que ainda é um tanto machista?

ALINE DAKA: É sempre uma rebeldia, na tentativa de romper os padrões impostos pelo
machismo e pela banalização e captura do feminismo pelo capitalismo. São muitos desafios para se enfrentar, preconceitos, imagens clichês e pré- estabelecidas, valores, etc. Isso tem a ver com a imagem, as palavras, a referência que você usa para compor. No entanto, estamos vivas para isso, e a HQ carrega um arsenal de experiências femininas que me dão a força necessária.


JORGINHO: Como artista mulher, de que forma você enxerga esse momento político cultural do Brasil?

ALINE DAKA: Uma catástrofe, estamos vivendo um momento muito triste de desconstrução e com graves perdas. No entanto, confio no devir, na vida, na insurgência surpreendente das relações políticas que começam em nós mesmos. Sei que precisamos tentar, encontrar uma força de resistência nesse ciclo, a fim de mudar as coisas onde ainda há vida. E isso trata-se de nós, de encontrar os meios. É preciso pensar muito sobre o que se passa e não se deixar entristecer, enganar. A arte nos dá chances incríveis para isso, e também as reuniões, as comunidades, as parcerias. Isolamento agora me parece que nos deixa mais impotentes ainda, não podemos paralisar.





JORGINHO: Poderemos esperar pela frente uma sequência do álbum Mulheres Caídas? Quais os teus planos para o futuro?

ALINE DAKA: Hehe, acho que elas afirmaram as suas existências nessa publicação, de modo a expandirem-se na leitura de cada pessoa que encontrarem, agindo como disparadoras da força de criar, de se inventar, de revolucionar… estou trabalhando agora na minha tese de doutorado, fazendo um ensaio gráfico com uma temática um pouco diferente, mas a presença e a experiência das  mulheres enquanto uma forte referência e temática permanece.



JORGINHO: Quais os conselhos que a Aline pode passar para as meninas que estão começando nos quadrinhos, sobretudo para aquelas que querem falar de assuntos predominantemente dominados por homens?

ALINE DAKA: Que confiem em suas intuições, que ajam, que desenhem, que escrevam, que façam o que têm vontade, antes mesmo de se autocriticarem, de pensarem em 
como serão vistas. Desse modo é que vocês vão descobrir as suas verdadeiras necessidades, a originalidade de seus próprios olhares para com o mundo. Inspirem-se, procurem referências, encontrem parcerias afins, alimentem-se com a arte que as mulheres produzem. E mantenham-se pensantes, atentas, com desejo por aquilo que fazem. Como disse a filósofa Lou-Salomé, se você quer uma vida: roube-a!




JORGINHO: Deixe uma mensagem para o seu público leitor, para aqueles que vão adquirir o Mulheres Caídas e para os leitores em geral.

ALINE DAKA: Yoko Ono, num de seus poemas dos anos 60 escreveu: “desenhe um mapa para perder-se”, e então, não tenham medo de perderem-se, é assim que encontramos novas possibilidades de vida.



Para escutar podcast com Aline  Daka:



"...confio no devir, na vida, na insurgência surpreendente das relações políticas que começam em nós mesmos. Sei que precisamos tentar, encontrar uma força de resistência nesse ciclo, a fim de mudar as coisas onde ainda há vida. "
 - Aline Daka


Jorginho









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1 Comentários

  1. Excelente! Sou muito fã do trabalho de Aline Daka. Conheci quando tive o prazer de ser seu mediador em uma das edições da Feira do Livro de Gravataí, uma artista inovadora, perspicaz, que reproduz em sua arte temas importantes, estabelecendo um prazeroso diálogo com seu leitor. A Semiótica me encanta, e Aline é mestre neste casamento da imagem com a palavra, nesta união entre os traços e as letras, estabelecendo sempre ótimas reflexões! Bela entrevista!

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