Realidade do esporte nacional: reflexões de uma
professora de Educação Física
Dia destes estava verificando minhas redes sociais, e entre tantas colocações, postagens e manifestações, uma chamou especial atenção, realizada pela minha amiga de longa data Angelita Carboni. Vou citar na íntegra, pois a reflexão promovida pelo texto é importantíssima!
“Eu precisei vir aqui, escrever esse textão, pois estou tristíssima com o que estou vendo acontecer nestas olimpíadas.
Que nosso povo é ignorante sobre a falta de incentivo financeiro e de estrutura aos atletas, eu já sabia.
Mas, que a maldade das críticas vazias, cruéis e preconceituosas chegaria ao ponto que chegou, eu não imaginava. E eu não sou uma pessoa otimista.
É triste ver uma festa tão linda, tão agregadora, ser destruída por pessoas que desconhecem a trajetória dos atletas que estão lá hoje!
Para alguns, já é uma vitória estar lá. Passaram fome, treinaram de pés descalços, roupas doadas, kimono emprestado, iam a pé ou de bicicleta, por falta de dinheiro para o ônibus.
Onde estavam os críticos de sofá quando estes atletas precisavam de ajuda?
O governo só quer tirar foto com as medalhas, mas, se pergunte: quanto este governo investiu para que essas medalhas chegassem aqui? Onde foi parar a verba para os atletas, para as escolinha de base, para o auxílio de condução e alimentação?
Mais coisas que não pude fechar os olhos: o preconceito.
O corpo da atleta de vôlei de praia não era o esperado para uma jogadora daquele nível.
Como assim???
Se ela chegou lá, e chegou muito bem, é porque aquele corpo é perfeito!
A goleira do handebol, que foi chamada de porca por um jornalista, ela tem uma trajetória invejável e seu corpo é perfeito para estar numa olimpíada.
E tem mais: arremesso de peso, de martelo, de dardos, levantadores de peso, lutadores de todas as modalidades, atletas do rugby, do hóquei, do tiro...estes tem um corpo perfeito para seus esportes!
O que é um corpo perfeito pra você, crítico de olimpíadas, que aparece a cada quatro
anos se sentindo o dono da verdade em relação a compleição física e as conquistas de
cada atleta guerreiro do nosso país?”
Angelita Carboni
Como disse, conheço Angelita de longa data. Desde os tempos em que eu fui atleta. Em que fomos atletas. O tempo passou, nossos caminhos seguiram outras direções, Angelita é uma Professora de Educação Física, atuante, com excelente trabalho exercido. Eu, trabalho com educação, arte e cultura. Não mais sou atleta, apenas em “espírito”. Mas os fatos, as palavras, as lembranças remeteram a um passado comum. Memórias de um tempo em que frequentávamos os Dojos de Karatê de Porto Alegre e região. Época das academias Stylus, Okinawa, Kidokan, Parcão. Época dos torneios, competições. Testemunhei feitos lendários de Angelita. Este texto tem uma pessoalidade ímpar, pois isto que Angelita escreveu foi algo que ela passou, sentiu, internalizou no passado. Esta professora teve um passado como atleta, deve ter em sua casa as lembranças desta época: seus inúmeros troféus e medalhas conquistadas, as certificações recebidas, fotos e honrarias. Em sua categoria, foi uma atleta promissora. E teve o que muitos atletas tiveram, sentiram, internalizaram: a falta de incentivo, patrocínio ... e assim, a realidade dela se misturou à realidade de muitos atletas promissores. Escolhas foram feitas, e chega o momento em que o esporte passa a ser visto apenas como um “hobbie”, algo como jogar futebol com amigos nos finais de semana, pois é preciso se manter, é preciso desenvolver uma carreira, é preciso ganhar direito, ter seu meio de sustento. E assim o país perdeu esta Faixa Preta de grande potencial, mas seu espírito não esmoreceu! Tenho plena certeza de que empresta aos seus alunos a mesma entrega de outrora, os mesmos “olhos de tigresa”, a garra e o espírito de luta que a caracterizaram.
Pois hoje ela referenciou outra trajetória vitoriosa. Um atleta. Darlan Romani, atleta brasileiro especializado no arremesso de peso e que conquistou o quarto lugar nas Olimpíadas de Tóquio. Com a marca de 21,88m, ficou a apenas 59cm do terceiro colocado, medalha de bronze. Esta Olimpíada trouxe a quebra do recorde olímpico desta categoria, realizado pelo americano Ryan Crouser com um arremesso de peso a 23,30 metros.
A grande vitória de Darlan foi chegar até esta Olimpíada. Na Olimpíada do Rio 2016, ficou em quinto lugar. Um feito magnífico, visto que a oitenta anos nenhum atleta brasileiro havia chegado às finais olímpicas!Darlan vinha tendo bons resultados até o início da pandemia, em 2019. "Tivemos uma ótima temporada, melhorando a cada ano, a cada treino. A gente chegou ao nível que queria chegar. Estávamos muito fortes, superbem, cumprindo metas, batendo marcas, cumprindo objetivos. Aí veio a pandemia e atrapalhou muito", disse ele ao jornal O Globo.
Devido à pandemia, tudo ficou suspenso na vida de Darlan, assim como ao resto de nós. Seu técnico, o cubano Justo Navarro, precisou retornar a Cuba e devido à quarentena no país, não conseguiu mais voltar ao Brasil. Sem local para treinar, improvisou espaço em um terreno baldio próximo a sua casa em Bragança Paulista, interior de São Paulo, com a ajuda de um pedreiro, que fez um platô de cimento sobre o chão de terra e grama para fazer os arremessos.
As condições ruins de treino cobraram um preço alto de Darlan, que desenvolveu uma hérnia de disco, passou por uma cirurgia e ficou parado por um mês e meio no início do ano para se recuperar e seis meses sem competir; sua mãe e seu irmão contraíram Covid, e o atleta do clube Pinheiros contraiu a doença pelo contato com eles, ficando isolado e perdendo dez quilos na recuperação.
Este atleta recuperou-se a tempo de participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio e chegou às finais embalado pelos bons resultados das classificatórias.
Decacampeão brasileiro. Foi o quarto melhor no Mundial de 2019 e campeão do Panamericano de 2019. Sua melhor marca até hoje é de 22,61m, atingida em 2019. É o atual recordista sul-americano e o terceiro no ranking mundial de 2021.
Também li sobre o pai da Rayssa, a Fadinha, a Skatista vitoriosa. Disse que Rayssa negou-se a tirar fotos com os políticos locais, de sua cidade. Motivo, a falta de incentivo, pois procuraram várias vezes a Secretaria de Esportes local, sem êxito, não auxiliaram em nada a jovem campeã! Faz bem em não dar visibilidade a esta gente agora, nestes momentos de sua glória.
A reflexão proposta é sobre as coisas e as pessoas. Nosso país está condenado a este contexto, que já vem de anos, de muito tempo. Quantos potenciais perdemos nesta caminhada e quantos ainda vamos perder? Precisamos de pessoas certas nas tomadas de decisões. Precisamos de pessoas capazes, precisamos de políticas voltadas à educação, ao esporte e à cultura, desenvolver as potencialidades. Academias de ponta como a Sogipa, que tem potencial de investimento, ainda são poucas. Nossos atletas em sua maioria estão jogados à própria sorte, precisam batalhar por tudo! Precisamos de pessoas como Angelita Carboni, que tem o olhar, o conhecimento e a vontade de fazer. Pessoas com capacidade de mudar, precisamos de Inquietos!
Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.
03 ANOS DE COLETIVEARTS
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7 Comentários
Excelente!
ResponderExcluirObrigado! Lembranças e reflexões!
ResponderExcluirTexto incrível, é triste ver que os políticos só veem os esportistas quando eles tem medalhas olímpicas, aí eles viram troféus da cidade, estado e país, a Raissa nem condições de comprar um tênis tinha no início, tem a história na página do Facebook e Instagram dela, que quando se apresentou como fadinha estava com um tênis todo rasgado em baixo, o pai orientou muito bem ela para não tirar fotos com políticos.
ResponderExcluirE o achismo com o corpo de atletas, principalmente mulheres é enorme a pressão. Tantas vezes criticaram o Ronaldo dizendo que ele estava acima do peso? A grande maioria dessas vezes ele se destacava igualmente como jogador em copas e olimpíadas.
Mas o excesso de críticas a mulheres por seus corpos e estilos é bem característico do machismo institucional.
Verdade Laís. Eu vi, acompanhei bons atletas e tantos que viram seus sonhos ruirem ... As vitórias são pessoais. Esta amiga que mencionei no texto, tenho certeza que, se nascida em outro país, como os Estados Unidos, com toda a crítica que se possa fazer ao sistema deles, ela teria projeção, fama, dinheiro. Creio que até filmes iria fazer, ou estar nas grandes mídias. O Brasil é muito amador em vários aspectos, e este "amadorismo" reflete na forma como somos administrados. Somos riquíssimos, somos potência mundial, o que não temos são gestores capazes de lidar com isso!
ResponderExcluirEu fico tão honrada pela lembrança, meu amigo!
ResponderExcluirEscrevi com meu coração e com as nossas lembranças de procurar patrocínio, ajuda, auxílio de qualquer forma, nem que fosse com uma passagem, e não conseguimos.
Tudo que conquistamos foi com a cara, a coragem e a alma de guerreiros!
Oss!
Eu fico tão honrada pela lembrança, meu amigo!
ResponderExcluirEscrevi com meu coração e com as nossas lembranças de procurar patrocínio, ajuda, auxílio de qualquer forma, nem que fosse com uma passagem, e não conseguimos.
Tudo que conquistamos foi com a cara, a coragem e a alma de guerreiros!
Oss!
Angelita ... tu honrou a definição do que é ser Atleta, e tenho certeza passa isso hoje para teus alunos. Sou testemunha dos feitos realizados por ti e tantos outros atletas incríveis, e a luta de vocês. Oss!!!!
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