APENAS UM TREKKER

  

Os 55 anos de Star Trek: o ser humano 
em busca da Fronteira Final

Eu me tornei fã de Jornada nas Estrelas no ano em que ela completava 25 anos. Lá se vão exatas três décadas, e hoje, 8 de setembro de 2021, a jornada original de 5 anos da USS Enterprise chega a impressionantes 55 anos. Completar tanto tempo no ar com a vitalidade e a relevância que a série original exibe é pra poucos (não nos esquecendo de todas as suas séries derivadas, tão ou até mais importantes do que a original).

Era quase impossível imaginar naquela altura que Star Trek chegaria tão longe, onde nenhuma série jamais esteve. E isso se deu não somente pelas histórias empolgantes, pelos atores carismáticos, pela imponente nave Enterprise. A permanência de Jornada nos corações e mentes de gerações de trekkers deve muito ao seu tema principal: o ser humano e a sua aventura pelo tempo e pelo espaço.

Não apenas o ser humano em seus dilemas e ofícios, mas o ser humano naquilo que possui de melhor: o seu amor pelo conhecimento, a sua busca por evolução e a sua tentativa de viver uma vida de harmonia e paz. Estes elementos constituem a essência de Star Trek, que por isso mesmo apaixona a todos que compartilham dos mesmos ideais. O humanismo em Jornada nas Estrelas é onipresente.

Enquanto a ficção científica até então apresentava mundos distópicos, com tristes fins para a humanidade, Gene Roddenberry (que neste ano de 2021 completaria 100 anos) tomou a direção oposta, criando uma utopia de união dos povos, de respeito às diferenças - e não só respeito, mas a valorização destas – e também um universo no qual os problemas típicos da nossa era – pobreza, violência, guerra, racismo etc. - haviam sido superados. Um mundo de liberdade personificado na sociedade conhecida como Federação Unida de Planetas.

Mas muito além da liberdade, a igualdade. Afinal, uma pode existir sem a outra? O incontornável filósofo Domenico Losurdo nos ensina que não. Para que haja, de fato, a verdadeira liberdade, é preciso antes de tudo a igualdade. A sociedade vista na Federação Unida de Planetas nos revela isso: já não há mais classes sociais, nem a exploração de poucos sobre muitos. Assim, os seres humanos se tornaram aptos para o pleno desenvolvimento, livres das amarras da opressão, seja de qual tipo for.

O meio-humano e meio-vulcano Spock, a partir da sua lógica, nos legou o ensinamento
de que as necessidades de muitos se sobrepõem às necessidades de poucos. O capital, que já não mais existe naquele universo, dá lugar ao social, cede seu espaço à humanidade. Aliás, a filosofia geral de Star Trek também vem dos vulcanos: infinita diversidade em infinitas combinações. Igualdade, liberdade e a celebração da diferença.

Star Trek demonstra que é com o contato com o outro que nos tornamos melhores. Que aprimoramos a nós mesmos para enriquecermos o nosso espírito e colaborarmos com o desenvolvimento coletivo, sendo esta última lição aprendida com o maior capitão de toda a história da Frota Estelar, o francês com sotaque e hábitos britânicos (Tea. Earl Grey. Hot.), Jean-Luc Picard.

Tudo isso, e muito mais, toca fundo no imaginário das pessoas. Assim explica-se o evotado amor dos fãs pela série. Star Trek nos oferece valiosos ensinamentos que devem ser cultivados para fortalecermos a crença de que, sim, um outro mundo é possível. Não somente possível, mas uma imposição histórica sob pena de que a sua não realização comprometerá a própria existência da humanidade como um todo.

Estamos muito longe ainda de atingirmos o quase paraíso imaginado por Gene Roddenberry, o que não nos impede de sonhar, e melhor ainda: sonhar juntos. E mais que isso: agir. Agir para construir a utopia. É isso que os trekkers têm feito ao longo dos 55 anos de Jornada nas Estrelas. Acreditamos em valores que ainda continuam sendo expressos só na tela da TV. Mas acreditamos que um dia poderemos chegar lá. E tentamos atuar como os nossos intrépidos heróis estelares.

Star Trek se traduz em esperança. Star Trek nos motiva, nos alegra e nos aponta direções. Além dos inúmeros casos em que a série influenciou avanços científicos, não podemos nunca esquecer que o modelo social que a série apresenta deve servir como um parâmetro para os nossos próprios avanços sociais, aqui no atrasado século 21.

A crítica social presente em incontáveis episódios de todas as suas encarnações também nos convida a refletir sobre nosso presente e a pensar nas formas de superar suas mazelas. Afinal, Star Trek nos conta histórias que se passam no espaço para falar da Terra; nos apresenta interessantes espécies alienígenas como metáforas da humanidade; e, mais importante, nos leva ao futuro para nos revelar o presente. Para que possamos revolucionar o velho mundo e construir o novo. Para que finalmente deixemos para trás a nossa pré-história e iniciemos, de fato, a história. Aí então essa longa jornada fará cada vez mais sentido.

Vida longa e próspera a Star Trek. Que possamos viajar a bordo da Enterprise por muitos e muitos anos ainda, sempre em busca da Fronteira Final, segunda estrela à
direita, até o amanhecer...



Eduardo Pacheco Freitas é professor, historiador e autor de dois livros sobre o universo de Jornada nas Estrelas: Star Trek: utopia e crítica social (2019) e O'Brien deve sofrer! (2021)











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EDUARDO PACHECO FREITAS
e-mail : eduardo.freitas.001@acad.pucrs.br
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                                              Vida longa e próspera!

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