O KELPIEN SARU E O PINTOR GIOTTO
No episódio “Morrer tentando”, da terceira temporada de Star Trek: Discovery, o capitão Saru, em pleno século 32, menciona o pintor medieval Giotto di Bondone, que
viveu entre os século XIII e XIV, portanto na Baixa Idade Média.
O contexto no qual Saru menciona o pintor é o da busca de novos olhares, de novas perspectivas para a reconstrução da Federação. O kelpien está preocupado com o Almirante Vance que mostra, com alguma razão, uma postura cautelosa e conservadora sobre missões exploratórias.
Então Saru, desejando que a Discovery possa sair explorando a galáxia, defende seu ponto de vista usando o exemplo de Giotto, que havia revolucionado a pintura a partir de uma nova abordagem artística.
O que fica claro nesse ponto é que tanto Saru quanto Giotto são ambos questionadores e promotores de rupturas, e daí vem a admiração do kelpien pelo artista italiano.
Vamos ver melhor isso.
A importância de Giotto para a história da pintura
Giotto foi um precursor da Renascença ao introduzir a perspectiva na pintura europeia que era, até então, bidimensional. Ou seja, as pinturas com profundidade que
conhecemos hoje devem sua existência a Giotto.
Além disso, Giotto dá vida aos personagens representados em suas obras. Embora continue pintando motivos religiosos e cenas bíblicas, Giotto o faz com personagens que parecem gente de verdade, inclusive quando pinta os santos. Giotto é o agente de um importante ponto de inflexão na arte ocidental. Um artista que sinalizava o fim de uma era e a chegada de uma nova. O fim de uma era de trevas e a chegada das luzes.
No século 32 de Discovery temos esse mesmo problema colocado.
Características compartilhadas com Saru
Saru possui muitas coisas em comum com o pintor que admira. Assim como Giotto, Saru levava uma vida simples no campo, uma vida rural pré-determinada: passar pelo Vaharai e ser colhido pelos Bauls.
Giotto era apenas um menino que cuidava de ovelhas e gostava de desenhar e sonhava com um mundo diferente. Quando descoberto por Cimabue (o último grande pintor europeu de tradição bizantina) ele percorre uma nova trilha. Foi o seu talento e curiosidade que alteraram o rumo da sua vida camponesa.
Com Saru ocorre o mesmo. Curioso, inquieto, olhava para o céu e para o seu redor e questionava o mundo em que vivia. Sua curiosidade o levou a descobrir como mandar um sinal para o espaço. Sinal respondido pela Frota Estelar. E assim ele se tornou o primeiro kelpien da Frota e, como Giotto, encerrou uma era do seu povo e abriu uma nova. No século 32 descobrimos que Kaminar, o planeta de Saru já faz parte da Federação. O seu sonho foi realizado.
Em comum os dois têm essa fascinação pelos céus e pelas estrelas. Durante a vida de
Giotto houve a passagem do cometa Halley, inspirando o artista na representação da
Estrela de Belém na pintura Adoração dos Magos.
Incompreensão e reconhecimento
Saru foi desencorajado pelo seu pai na sua busca por conhecimento. Isso significa que
Saru, me desculpem o clichê, estava à frente do seu tempo e por isso mesmo não era compreendido. A mesma coisa com Giotto.
Existem poucos registros sobre a vida do pintor medieval, mas penso que podemos afirmar com certeza que muitas pessoas devem ter estranhado o seu novo modo de pintar e até mesmo o desencorajado. Assim como Saru. Mas isso não impediu que Giotto fosse aclamado em sua própria época, algo raro na história da pintura. Inclusive por Dante Alighieri.
Saru também é reconhecido entre os seus pares como alguém notável, fora do comum. O fato de vir de um povo muito primitivo e chegar aos mais altos postos na Frota Estelar é a prova disso. E quando pensamos nisso percebemos claramente como existem pontos de contato nas trajetórias de Giotto e de Saru e é por isso que o nosso querido kelpien admira o pintor e a sua lição de que novas perspectivas sempre serão importantes para a história.
E é por isso também que nessa nova Idade das Trevas que Saru encontra no século 32 que ele resgata a figura de Giotto, um artista que teve a capacidade de lançar um novo olhar sobre o mundo e abrir novas perspectivas.
Eduardo Pacheco Freitas é professor, historiador e autor de dois livros sobre o universo de Jornada nas Estrelas: Star Trek: utopia e crítica social (2019) e O'Brien deve sofrer! (2021)
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EDUARDO PACHECO FREITAS
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