ARTE E CULTURA


20 de setembro: uma data para refletir


A Revolução Farroupilha foi um conflito que se estendeu de 20 de setembro de 1835 a 1º de março de 1845. A data é celebrada no Estado do Rio Grande do Sul, mesmo perante protestos da comunidade negra. O motivo desses protestos seria a omissão de importantes detalhes que ocultaram informações, por diversas gerações. O debate é sobre a participação africana e afrobrasileira no conflito. A verdade é que, imbuídos por interesses pessoais, que ambicionavam redução de impostos e outros privilégios, estancieiros insurgiram-se contra o império, formando um exército, composto por uma parcela significativa de negros escravizados, na sua grande maioria pertencentes ao exército inimigo e incorporados a esse após rendição. Os líderes farroupilhas teriam prometido liberdade aos escravizados, instituindo-a como uma das exigências ao império para o término do conflito.

Surgiram então, além da infantaria negra, corpos de Lanceiros Negros que se destacaram nas batalhas pela habilidade no manuseio das lanças. Lutando unicamente por liberdade eram temidos por inimigos e admirados pelos aliados, tendo no firme comando o oficial Joaquim Teixeira Nunes. Porém, tal bravura não foi suficiente para legitimar a promessa feita por estancieiros e líderes farroupilhas. O massacre de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844, na região próxima a Pinheiro Machado, intriga os historiadores, já que a infantaria negra e os Lanceiros teriam sido desarmados e atacados covardemente sob suspeita de traição do general David Canabarro. O general teria ignorado o aviso da aproximação das tropas imperiais, restando assim poucos sobreviventes. O que a história omitiu por muito tempo foi que não houve o cumprimento da promessa. Na verdade, o império não aceitou a cláusula imposta pelos líderes farrapos e tampouco estes se esforçaram para impor a exigência. O Massacre dos Porongos teria agilizado o acordo ao eliminar grande parte dos infantes e Lanceiros. Terminada a revolução, os sobreviventes foram devolvidos ao império, na condição de escravizados, fato confirmado por diversos historiadores.

A temática dos Lanceiros Negros sempre me atraiu, a conheci por intermédio de uma aluna numa sala de aula de um projeto de Educação de Jovens e Adultos. Muito jovem, eu ainda não questionava os livros didáticos como deveria. Então, em uma noite fria de setembro, desenvolvi uma aula onde apresentei a Revolução Farroupilha e seus “heróis”. A adolescente me presenteou com a melhor aula recebida em minha trajetória acadêmica. Falou com propriedade sobre o assunto, que conhecera por intermédio de seus ancestrais. Abordou a batalha de Porongos, e a traição dos líderes farroupilhas, que prometeram a liberdade aos egros e não cumpriram sua promessa. Depois daquela data, jurei questionar todo e qualquer livro didático e restaurar minha identidade, enquanto negra. A questão dos Lanceiros Negros misturou-se com minha própria história, a partir daí desenvolvi projetos acadêmicos e combato, com afinco, todas as inverdades que a Revolução Farroupilha prega. Procuro, através de pesquisas, aprofundar o tema, já que ele restaura o nosso protagonismo, enquanto sujeitos que participaram na história da construção deste estado. Em sala de aula, sou uma ativista do protagonismo negro. Na educação infantil e séries iniciais, desenvolvo o tema, através do conto infantil Lanceirinho Negro, de minha autoria e com ilustrações de Daniel Silveira, utilizando o aspecto lúdico para abordar um tema tão cruel. Nas séries finais, utilizo meu segundo livro Lanceirinho Negro/ Herança de Porongos com ilustrações de Waldemar Max, e também crio esquetes que abordam o tema, facilitando a compreensão dos alunos. Desenvolvo também, debates e questionamentos junto aos colegas professores. Acredito que os Lanceiros Negros ainda vivem, estão presentes em nós, nesta luta desenfreada e incansável pelo respeito e pela liberdade de ser quem somos: protagonistas na construção da história do Rio Grande do Sul. Sugiro a obra História Regional da Infâmia, do professor e historiador Juremir Machado da Silva para um melhor entendimento do conflito.

No Rio Grande do Sul o dia 20 de setembro é celebrado como feriado, uma data que recorda a marcha das tropas farroupilhas até Porto Alegre, dando início ao conflito. Acredito na importância desta data como um resgate da cultura gaúcha e suas curiosas particularidades, oriundas dos diferentes povos que compõem o nosso Estado. Existe uma dívida com o povo negro, uma ferida aberta que revela uma página vergonhosa de nossa história que deve ser recontada às novas gerações com o intuito de não reproduzir injustiças, assumindo o compromisso de restaurar a importância da participação negra no conflito. Para encerrar apenas uma certeza: Os Lanceiros Negros vivem!

Ubuntu!


 


A autora Angela Xavier no Sítio de Porongos em Pinheiro Machado/RS. Em 2007 o Sítio foi declarado Patrimônio Histórico e Cultural do Rio Grande do Sul.



Angela Maria Xavier Freitas é escritora, poeta, e professora. Possui descendência africana e também ascendência indígena. Graduada em Letras com Especialização em História e Cultura Afro-brasileira.Também atua como diretora de teatro estudantil, tendo recebido em 2018 o troféu Desconstrucão da História Oficial com a esquete Lanceiros Negros no Festil em Gravataí. Autora dos contos infantis Lanceirinho Negro e Lanceirinho Negro/Herança de Porongos.Integrante dos coletivos Profes pretas e Educação antirracista do Rio Grande do Sul. Atualmente é graduanda do curso de Espanhol pela UFSM e orientanda da UFRGS.

Angela Xavier




 







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7 Comentários

  1. A cada conflito as mentiras
    Vencedores criam e omitem
    Por quem me tiras?

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    1. Resgatar a história em sua integralidade é urgente...Luta árdua e necessária!

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  2. Excelente! Um texto obrigatório! Parabéns pelo trabalho, Angela ...

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  3. Texto incrível, que fala um pouco sobre o 20 de setembro, existem outras problemáticas nessa data e comemoração, mas nada se compara ao massacre dos lanceiros negros. Temos que parar de romantizar esse tipo de história.

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  4. Gratidão pelo pertinente comentário!
    Nossa batalha é árdua e necessária!
    Abraço, Lais!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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