TECITURA


 

VARIEDADES LINGUÍSTICAS




“Conhecer bem a língua em que se vive e pensa é investir no ser humano que você é.” (Pasquale, 2012, p.9)

Como a língua é aprendida inconscientemente e utilizada para a comunicação de forma automatizada, frequentemente não nos damos conta da maneira como a utilizamos. Como o primeiro contato com a língua se dá através da família, adquirindo a chamada língua materna, utilizamos esta da forma que nos é natural, influenciados que somos pelo meio em que vivemos. A ciência que trata do estudo das Variedades Linguísticas é a Sociolinguística. “A sociolinguística é uma área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para esta corrente, a língua é uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação.” (Cezario; Votre, 2009, p.141)

O estudo da Sociolinguística fornece subsídios importantes para a compreensão da relação entre língua, cultura e sociedade e o processo de variação. Refletindo sobre, temos que as línguas sobrevivem em um determinado espaço, influenciadas por fatores psicológicos, sociológicos e antropológicos, transformando-se, interpenetrando-se, mesclando-se e, eventualmente, morrendo. O caso do Latim ilustra bem esta situação; outrora uma língua pujante de um império poderoso, foi transformando-se, surgindo em seu lugar as línguas neolatinas (português, romeno, francês, espanhol, etc.).

É através da língua que expressamos nossas emoções, nossos sentimentos; percebe-se aí o fator psicológico envolvido nas interações comunicativas. É possível fazer um exercício de observação em ambiente escolar, analisando alunos em salas de aula ou escolas diferentes. Percebe-se as diferenças socioletais (características linguísticas das comunidades) e idioletais (o jeito específico de cada um falar). Imaginem esta diversidade em um país do tamanho do Brasil!

A criatividade do homem transforma o meio em que vive; a língua é um instrumento de registro das transformações operadas pelo homem. Quando a língua enfraquece ou morre, a cultura também morre. A cultura para sobreviver necessita da língua como instrumento de propagação de seus valores culturais, artísticos, religiosos, musicais, culinários, etc., por estas razões a língua detém importância fundamental para a sobrevivência da cultura de um povo.

Em exemplo mais recente, podemos elencar o verbo datilografar. Tão em moda há vinte anos, hoje se encontra totalmente em desuso. Observa-se aí a distância existente entre algumas formas de falar que as gramáticas normativas prescrevem nos livros didáticos.

Importante ponto de reflexão: a distância existente entre a oralidade e a escrita. Dissertando sobre o assunto, é fácil concluir que existe uma distância entre a linguagem falada, oral, dita linguagem coloquial, e a norma culta, gramatical; a evolução da língua se dá por pequenas transformações na forma de falar, agir e pensar e que, nestes tempos modernos, adquiriu uma velocidade de evolução sem igual devido ao avanço das tecnologias e meios de comunicação; nunca antes na história da humanidade o acesso a informações foi tão rápido. A globalização modificou as culturas e a forma do homem ver o mundo, influências diversas, estrangeirismos e novas palavras passaram a fazer parte do vocabulário. O padrão culto da língua, a gramática normativa, não acompanha a evolução da oralidade nesta velocidade, as gírias tornam-se palavras em uso e estas, com o passar do tempo, passam a fazer parte de um sistema estruturado.

No curso de Linguística Geral, Saussure explica a dualismo entre língua e fala (langue e parole), sendo a “língua” um sistema de signos que a pessoa internaliza na memória, o que lhe permite interagir com as pessoas de seu meio, ao passo que, ao se comunicar com seus semelhantes, utiliza-se da “parole” (fala) ou do “discurso”, estando a língua situada na esfera social enquanto a fala (parole) situa-se na esfera individual.

No curso de Linguística Geral, Saussure define a “langue” (língua):

[...] é uma realidade psíquica formada de significados e imagens acústicas; constitui-se
num sistema de signos, onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas; é um tesouro depositado pela prática da parole em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros de um conjunto de indivíduos; a langue é uma soma de sinais depositados em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem repartidos entre os indivíduos. (Carvalho, 1997, p.62).

Saussure elegeu a langue (a língua no seu conceito de sistema) como seu objeto de estudo, utilizando-se da dualidade, afirmando que “cada língua constitui praticamente uma unidade de estudo e nos obriga, pela força das coisas, a considerá-la ora estática ora historicamente” (Mengarda, 2011, p.35)

Considerar a língua na sua perspectiva “estática” significa estudar a língua na sua sincronia, ou seja, a descrição do funcionamento da língua em um dado momento da história, podendo ser tanto no presente quanto no passado, justificando este ângulo de estudo o fato de que o falante nativo só percebe o estado sincrônico da língua, sua realidade palpável. Saussure primou por este método em detrimento à diacronia ao dar início ao Estruturalismo, cuja característica é o estudo sincrônico da estrutura linguística.

A diacronia é o método que concebe a língua na sua “historicidade”, é o reconhecer as sucessões. Exemplificando, temos a palavra romaria; hoje, utilizada para peregrinação em geral, originariamente servia para designar a peregrinação para Roma, para ver o Papa. Portanto, diacronia é o estudo sincrônico que nos permite observar esses dois estados da língua cada qual em um ponto da história, e é o olhar diacrônico que permite detectar a sucessão das estruturas no tempo.

Portanto para Saussure (1969), os métodos são complementares, "a cada instante, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução: a cada instante, ela é uma instituição atual e um produto do passado." (Saussure, 1969, p.16).

Conclui-se que o conceito de simultaneidades vs. sucessividades é fundamental para entender a evolução de um determinado sistema linguístico, como ela se apresenta em dado momento da história.

Segundo Pasquale “Na origem de toda a atividade comunicativa do ser humano está a linguagem, que é a capacidade de se comunicar por meio de uma língua. Língua é um sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma mesma comunidade.” (Pasquale, 2012, p. 9)

Um signo linguístico é um elemento representativo que apresenta dois aspectos, um significante e um significado, unidos num todo indissolúvel. Desta forma, quando ouvimos a palavra “árvore”, reconhecemos os sons que a formam, identificando com a lembrança sonora que está na memória, constituindo uma verdadeira imagem sonora, armazenada no nosso cérebro – este é o significante do signo árvore. Ao ouvir esta palavra, logo se pensa num “vegetal lenhoso cujo caule, chamado tronco, só se ramifica bem acima do nível do solo, ao contrário do arbusto, que exibe ramos desde junto ao solo”. Este conceito é o significado da palavra árvore.

Estudar a língua é tornar-se apto a utiliza-la com eficiência na produção e interpretação dos textos, ampliando-se o exercício de nossa sociabilidade e cidadania, passando esta a ser mais lúcida, bem como se ampliam também as possibilidades de fruição dos textos, fazendo com que o bom conhecimento da língua em que se vive e pensa torna-se um investimento valioso para a evolução do indivíduo.

As variações linguísticas podem ocorrer originadas por alguns fatores, tais como:

Geográficos – no que tange o estudo da língua portuguesa, há variações entre as formas que a língua pode assumir nas diferentes regiões em que é falada, constituindo os falares e os dialetos. As formas regionais da língua portuguesa vêm sendo valorizadas como parte integrante da ampla diversidade cultural do país. Os aspectos geográficos, em menor escala, também se apresentam com diferenças peculiares envolvendo regiões próximas – bairros, comunidades, cidades vizinhas – aos quais podem desenvolver termos próprios que se identificam com suas regiões.

Sociais – há diferença entre a língua empregada por pessoas que têm acesso à escola e aos meios de instrução e a língua empregada por pessoas desprovidas de escolaridade; algumas classes sociais dominam uma forma de língua que goza de prestígio enquanto outras são vítimas de preconceito por utilizarem formas menos prestigiadas. Temos aqui uma modalidade de língua denominada norma culta, adquirida durante a vida escolar e cujo domínio é associado a ascensão profissional e social, fazendo do idioma um instrumento de dominação e discriminação social.

Há também certas formas de língua que alguns grupos desenvolvem com o objetivo de evitar a compreensão por parte daqueles que não pertencem ao grupo, permitindo o reconhecimento fácil dos integrantes de uma comunidade restrita, associados a variações sociais ou geográficas. A estas variantes chamamos de gírias, variantes linguísticas sujeitas a contínuas transformações.

Profissionais – o exercício de algumas atividades requer o conhecimento de certas formas de língua denominadas linguagem técnica, abundantes de termos técnicos, estas variantes têm seu uso restrito ao intercâmbio de profissionais de diversas áreas (médicos, advogados, engenheiros, linguistas, profissionais das diversas áreas da informática e tecnologia e tantos outros especialistas)

Situacionais – “em diferentes situações comunicativas, um mesmo indivíduo emprega diferentes formas de língua.” (Pasquale, 2012, p.12). São as atitudes que assumimos em situações diversas, como em uma situação formal (discursar para um público específico) ou em uma situação informal (uma conversa descontraída com amigos). A fala e a escrita também implicam profundas diferenças na elaboração das mensagens, a tal ponto que acabam surgindo dois códigos distintos, cada qual com suas especificações: a língua falada e a língua escrita.

Ler é um ato homólogo ao de pensar, só que com uma exigência de maior complexidade, de forma crítica e desautomatizada. Quem não sabe pensar mal fala, nada escreve e pouco lê. Não seria, pois, o caso de inverter o processo e investigar como a formação do leitor pode fazer passar de mera alfabetização à condição efetiva de “pensador”? (Yunes, 2005, p.16).




Referências:

Gurgel, Thais. Escrever de Verdade. São Paulo: Revista Nova Escola, 2009.

Gutiérrez, Péres Francisco. Linguagem total: uma pedagogia dos meios de
comunicação. Tradução de Wladimir Soares. São Paulo: ed. Summus, 1978.

Marcuschi, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: ed. Ática, 1986.
Pasquale, Cipro Neto; Ulisses, Infante. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo:
ed. Scipione, 2012.

Saussure, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: ed. Cultrix, 1995.
Yunes, Eliana. Pensar a Leitura: Complexidade. São Paulo: Ed. Puc-Rio, 2002.



Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.







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