NAVALHAS AO VENTO

 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

 LEVADA AO EXTREMO

Tive a sorte de nascer numa família abençoada por várias religiões onde todos se respeitam. Ninguém tenta impor a sua crença e isso gerou em mim um sentimento de honra. E é em nome deste respeito a individualidade de cada um que escrevo este texto.

Muito se fala que intolerância religiosa é crime. Mas quem é punido? Na cidade onde moro, Gravataí, a intolerância chegou a um ponto inadmissível. Muitas coisas acontecem e ninguém é responsabilizado. Na Constituição Brasileira está bem claro: ““Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - reclusão, de um a três anos e multa. A mesma Constituição que foi rasgada no dia 8 de janeiro...

Eu vejo isso como consequência de uma política apodrecida que foi instaurada no país na gestão passada com o discurso “Deus pátria família” pelo então presidente Bolsonaro, o mesmo slogan amplamente usado por Benito Mussolini durante 20 anos de fascismo na Itália. Com a semente do ódio lançada para a população de baixa capacidade cognitiva, a extrema direita cria o solo fértil para que essa gente acredite que a única religião verdadeira é a deles e o país fica à mercê da religiosidade perigosa criada por mentes más. O Brasil é um país laico e reza na Constituição o direito do cidadão de professar qualquer religião.

Ao longo dos 48 anos que frequento a Umbanda e Quimbanda, já vi muita agressão, muita ignorância e muita maldade. Justo a Umbanda, religião nascida no Brasil, aliás, a única totalmente brasileira, é a mais afetada e descriminalizada. No Google a definição de Umbanda é “ A Umbanda é uma religião brasileira, que sintetiza vários elemento das religiões africanas e cristãs, porém sem ser definida por eles. Formada no início do século XX no sudeste do Brasil, a partir da síntese com movimentos religiosos como o Candomblé, o Catolicismo e o Espiritismo.” Já vi Pai de Santo ficar em coma após agressão, terreiros serem queimados, inclusive o site do G1 publica no dia 15.11.22 a seguinte notícia: “Quase metade dos terreiros do país registrou até cinco ataques nos últimos dois anos, mostra pesquisa. No mês da Consciência Negra, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras apresentou em uma convenção da ONU, em Genebra, um mapeamento do racismo religioso no Brasil.”

Mas não falo apenas da Umbanda e Quimbanda. Em Gravataí um cidadão quis implantar uma estátua dedicada a Lúcifer no SEU terreno , na SUA casa e foi impedido pela justiça de Gravataí a pedido do prefeito. Desde quando o prefeito tem o direito de mandar dentro da propriedade de quem quer que seja? Então não sou mais responsável pela minha própria casa? Não foi usada verba pública, não está nem em via pública. Aliás, se é para comparar, a famosa “Rua Coberta”, que na verdade é um mall, esta sim está sobre terreno público, ou melhor, via pública, no meio da rua impedindo o trânsito de veículos e pedestres e ninguém diz nada contra. O prefeito de Gravataí vende ou cede, não sei, espaço público para locação de comércio e está tudo bem, mas um cidadão colocar uma estátua em sua própria casa é assunto de toda a população.

Não sou luciferiana, como disse acima, sou umbandista e mesmo que esta gente tosca confunda, não temos nada a ver com Lúcifer. Aliás isso é um assunto que muito me irrita, a confusão que esta gente idiota faz. Sinto-me a vontade em chamar de idiota, porque se desconhece, pelo menos deveriam pesquisar antes de sair falando o que mão sabem. Em Gravataí temos a Praça da Bíblia, temos a santa dentro de um aquário de costas para o rio na Praça em frente ao museu entre outros monumentos e imagens dedicados a santos e divindades de outras religiões, mas quando o povo de terreiro colocou a estátua de Exú Bará da Rua no Distrito Industrial de Gravataí teve gente que comparou Exú ao demônio e agora estão “linkando” a estátua de Exú a estátua de Lúcifer. Exú e Pombogira nada tem a ver com diabo ou com qualquer outra denominação.

Por favor, parem de passar vergonha no crédito e no débito e abram o Google. Antes dizíamos que faltava informação e era por isso que as pessoas falavam sem saber. E agora? A informação está na palma da mão das pessoas, todos temos acesso à internet em qualquer hora, em qualquer lugar, basta querer.

Mas a população adepta ao “Deus Pátria Família, a mesma que usa a bandeira de Israel dizendo que os apoia porque também são cristãos, esquecendo ou desconhecendo que o povo judeu não acredita em Cristo, apoiada pela interdição à estátua de Lúcifer, sai quebrando tudo e ontem, dia 13, um ser sem luz ou, melhor dizendo, uma mulher sem noção, quebra duas estátuas, uma de Zé Pilintra e outra do Arcanjo Miguel, que estavam na frente de uma flora na cidade de Gravataí. Alegou estar sob efeito de calmantes e disse que quando passou pela loja Jesus disse para que ela quebrasse o patrimônio de um cidadão que estava trabalhando e ela o fez. Juro, se eu estivesse por perto Jesus me diria para quebrar a cara dela. Essa viciada em remédios quebrou e foi embora sem punição. Pelo menos sem punição dos homens.

Já está na hora da Lei ser cumprida. Aliás, já passou da hora. Cada um tem sua crença. Mesmo que o nosso prefeito tenha dito em Live nas redes sociais que é cristão e que não concorda com a estátua de Lúcifer, que se pudesse, impediria. E impediu. Ele não tem o direito de concordar ou não. Cada um tem sua crença e a legislação preserva a privacidade e a religiosidade de cada um. Eu não gosto que batam à minha porta no domingo de manhã para tentar me enfiar a bíblia goela abaixo, mas não posso dizer que não concordo com esta prática. Eles estão no seu direito mesmo perturbando o meu direito ao descanso. Eu não gosto de ouvir louvor dentro de ônibus, mas se eu puxar um ponto de umbanda e começar a cantar, serei apedrejada ou jogada para fora do coletivo. Acho engraçado quando vejo alguém usando a bíblia como desodorante, mas corro o risco de apanhar se eu usar o meu fio de contas à mostra. Vejo grupos na rua cantando louvores, usando caixa de som, mas se eu pegar um atabaque, pandeiro, bongô, afoxé ou outro instrumento e puxar pontos, posso ser presa por perturbar a ordem.

Dois pesos e duas medidas. O país laico onde as religiões de matriz africana são criminalizadas. A semente do fascismo continua travestida de religião. E diziam que o Lula é que fecharia igrejas...


Isab-El Cristina Soares


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

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14 Comentários

  1. Ótimo texto. A intolerância é a ditadura da alma.

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    1. Obrigada pelo comentário. Concordo contigo, é uma ditadura da alma. Abraço. Isab-El

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  2. Fora todos estes seres desinformados e mal acompanhados por um deu$ r4cixt4 e tendencioso.
    Waldemar Max

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    1. Eu não acredito que estas pessoas tenham realmente encontrado Deus ou Jesus. Não acredito que Deus ou Jesus sejam elitistas. Obrigada pelo comentário, Max. Bju no teu coração.

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  3. Não ia escrever tão bonito e educadamente como você fez, por isso, e pelo fato de ter que ouvir ofensas de seres que se dizem: Deus, pátria, familia, e por ser um cara que, infelizmente ia retribuir com ofensas, é que deixei de faze lo. Mas ainda bem que temos gente corajosa como você pra responder com sabedoria e educação! Suas palavras são minhas também. Somos um país livre e cada um escolhe a religião ou quem quer seguir!

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    1. Oi, fico muito feliz com teu comentário. Na verdade não fui tão educada kkk. Tive que medir palavras, mas deixei o recado. E que bom que tem pessoas que se sentem contempladas com meus textos. É para vocês que eu erscrevo. Obrigada. Abraço. Isab-El

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  4. Maravilhosa a tua coluna e achei o tema muito pertinente! Parabéns, Isab. Aqui no Brasil, um extremismo religioso associado à política de direita surgiu oprimindo de forma mais aberta as religiões! É desolador! Fora do país, a história é outra. Mas fora do país temos ditaduras socialistas que também oprimem. O que me faz pensar que a origem disso tudo é mais antiga ainda e inicia muito antes na história do mundo. Li em uma das minhas pesquisas em livros que a criação da imagem do diabo nasceu com a opressão católica em cima das tribos e povos pagãs. Se tu pegar a imagem do demônio e do Fauno, são a mesma. Um pesquisador fala muito sobre isso, não lembro agora o nome. Mas qualquer ser que tenha chifres atualmente remete a algo demoníaco para os ignorantes. E nosso país é o antro de ignorância. Lamentável. Amei teu texto! Beijãoooo

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    1. Oi, Miriam, aqui é a Isab-El. Sim, o diabo foi criado como forma de opressão e para justificar atitudes que as pessoas não querem assumir. É comum ouvirmos que o fulano de tal é um homem honrado, mas o diabo o tentou e ele traiu a esposa. Diabo nada, foi ele mesmo. Mas não pode assumir. kkk. Obrigada pelo teu comentário, garota. Fico muito feliz quando transmito a mensagem. Bju no teu coração.

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  5. Achei perfeita tua colocação. Faço suas as minhas palavras. Intolerância religiosa sim. Querem calar o povo. Querem colocar regras dentro das nossas casas das nossas cabeças

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    1. Oi, Stella. Sou a Isab-El. Obrigada pelo teu comentário. Fico feliz quando sou as palavras de alguém. Não nos calarão. Bju no teu coração.

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  6. Esclarecedor e importante tais informações. Parabéns!

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    1. Oi, Marta. Obrigada pelo teu comentário. Precisamos esclarecer as dúvidas e não podemos nos calar. Bju no teu coração.

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  7. O texto de Isab-El Cristina Soares denuncia, com veemência e indignação, a intolerância religiosa, em especial contra religiões de matriz africana no Brasil. A autora traça paralelos entre a violência religiosa e o discurso político, criticando a hipocrisia e a seletividade das punições, exemplificando casos reais de discriminação e vandalismo. Embora seu tom seja pessoal e forte, o argumento é fundamentado e reflete a urgência de proteger o direito à liberdade religiosa, conforme garantido pela Constituição. O uso de linguagem direta e de analogias explícitas reforça a intensidade de sua crítica social.

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    1. Olá, Andréia, sou a Isab. Fiquei muito feliz com teu comentário. Como falaste muito bem, minha forma de expressão é num tom direto e forte exatamente para chocar, para incomodar, pois acredito ser a única forma de, em muitos casos, me fazer entender. Tanto que o nome da coluna é Navalhas ao Vento, pois o intuito é chegar "navalhando" o que já foi tantas vezes dito de forma educada por outras pessoas.
      Agradeço ao teu comentário, pois são os comentários que nos ajudam a melhorar cada vez mais. Abraço.

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