TECITURA

 

AFRICANIDADE

“- Sou biólogo e viajo muito pela savana do meu país. Nessas regiões encontro gente
que não sabe ler livros, mas que sabe ler o seu mundo. Nesse universo de outros saberes, sou eu o analfabeto.”

 - Mia Couto


Herança Cultural

Apresentando enorme variedade de formas culturais e costumes, a África é um mosaico de criações, crenças, hábitos distintos. Esta pluralidade de culturas e saberes engrandeceu a herança cultural brasileira, através da vinda dos africanos para o nosso país. Palavras e expressões incorporadas à linguagem, técnicas de produção de objetos, como modelar e cozer o barro para confeccionar recipientes, padrões estéticos presentes nas formas, decorações e no colorido, na culinária, nas lutas, na religião, na música e na dança, tornando-se parte do modo de ser e do conjunto cultural do brasileiro contemporâneo.

O Corpo

O mais sagrado e completo instrumento de comunicação nas culturas africanas e afro-brasileiras, o corpo assume papel de destaque; a linguagem corporal apresenta tamanha importância e compreensão, fazendo com que as roupas sirvam para convergir, fazendo parte desta linguagem, sem privar ou inibir os movimentos corporais, mantendo uma relação muito íntima com o sagrado.

“O negro não se veste, simplesmente: ele se produz”. Por trás de cada gesto há um ritual que o mantém ligado à ancestralidade e à integração com o meio. Nesta percepção, o corpo e tudo o que se pode fazer com ele ou por meio dele, une-se a uma multiplicidade de ambientes.

Movimentos Corporais

Desenvolvida a princípio para ser uma defesa, a capoeira era praticada pelos negros cativos. Obrigados e esconder seu propósito inicial, estes movimentos foram adaptados às cantorias africanas, ficando mais parecidos com uma dança, permitindo que os negros treinassem sem levantar suspeitas dos capatazes.

O samba brasileiro deve boa parte de seus movimentos corporais ao semba angolano, lembrando também o batuque, gênero musical desenvolvido em Cabo Verde desde os séculos coloniais. Devemos à África a nossa “ginga”, palavra aliás derivada da língua quimbundo, e que nomeava uma importante rainha que governou Angola no início do século XVII, Nzinga Mbandi, ou simplesmente Rainha Jinga. A “ginga” adquiriu muitos outros significados, hoje atribuídos principalmente aos brasileiros.

Beleza Negra

A África sempre esteve ligada ao culto da beleza, não só ao corpo, mas também em suas diversas formas de arte; na cultura africana, a concepção do Belo está ligada ao bem e ao verdadeiro. Especial atenção é dado ao cabelo. Nas culturas de matriz africana, em especial de origem Banto, em conjunto com o rosto, os cabelos definiam a pessoa e o grupo a que pertenciam, um complexo sistema de linguagem que pode indicar posição social, identidade étnica, origem, religião, idade; através dos cabelos é possível resgatar memórias ancestrais. Transcedendo a busca do belo, assumir o gosto e o respeito pelas diversas formas da estética negra sinaliza um pertencimento e um orgulho dessa herança.

Sincretismo

Os cativos africanos que desembarcaram no Brasil são de origens diferentes; exemplificando, temos a Bahia que recebeu determinados grupos enquanto Rio de  Janeiro e Pernambuco receberam outros, de origens e culturas diferentes, engrandecendo a herança cultural do país. Suas crenças vão muito além do culto dos orixás e vodus, típicos dos povos do Golfo da Guiné.

No Brasil, as religiões de matrizes africanas foram além da fé, transformando-se em importante fator na luta contra a escravidão, criando sincretismos entre os deuses dos cativos e os santos católicos, formando uma unidade. Fruto deste sincretismo, o Candomblé, a Umbanda e o Batuque.

Na África contemporânea, existe a forte presença do cristianismo, do islamismo e do judaísmo, convivendo com as religiões tradicionais.


Criação Artística Africana

Dois grandes nomes da arte moderna, Pablo Picasso e Henri Matisse, dialogam com a arte africana tradicional em seus trabalhos. Picasso afirmava que o “vírus” da arte africana o contagiara; o uso de tons terrosos ou cores vivas, o traço geométrico e os espaços delimitados por linhas pretas são elementos comuns em ambos os trabalhos.

A escultura de Matisse é influenciada pela estatutária africana e máscaras ritualísticas, utilizando essencialmente cores fortes e puras como formas de expressar e representar o mundo.

Utilizando elementos da natureza, retratando um complexo universo, as Artes da África são mais que visuais, são experiências. Esculturas de marfim, máscaras entalhadas em madeira e ornamentos em ouro e bronze, esculpiam, pintavam temas mitológicos, animais da floresta, cenas da tradição e personagens do cotidiano. Exemplo disso são as famosas máscaras, protagonistas neste cenário. A crença de que possuíam determinadas virtudes mágicas fez delas foco de pesquisas. Nestas culturas, as máscaras assumiam um disfarce místico com o qual poderiam absorver a energia vital dos espíritos. Era possível também identificar membros de certas sociedades secretas, como os ferreiros do antigo Mali, os “Komo”, fazendo da Arte Africana plural e multidimensional, verdadeiras experiências físicas e espirituais.

Neste rico e variado campo da criação artística africana, observa-se pelo menos duas formas aos quais ela se manifesta. Uma, conhecida como arte tradicional, representa a soma de elementos simbólicos e míticos, com finalidade religiosa ou prática, com elevados senso estético, apresentando motivos variados; tratam do cotidiano, das crenças e de cenas de guerra e caça. A segunda, a arte contemporânea, é desenvolvida por artistas nascidos no continente mas que atuam fora dele, principalmente na Europa e na América do Norte, em um contexto globalizado de trocas culturais.

Existem registros da arte pré-histórica africana datadas de aproximadamente seis mil anos, nas rochas e cavernas do deserto do Saara, retratando cenas de caça e pesca, animais, habitações, distrações e a ilustração de crenças religiosas, fazendo destes alguns dos maiores e mais belos museus pré-históricos do mundo.

Além destes, os egípcios vêm desde o III milênio a.C., produzindo uma arte monumental para o enaltecimento dos faraós e para a glória de seus deuses. Na África ocidental, a cultura Nok, da Nigéria, foi responsável por esculturas antigas, confeccionando a representação de corpos de humanos feitos em terracota, dotados de grande realismo e feitos aproximadamente em 500 d.C. No decorrer dos séculos XV a XVII, na antiga cidade de Benin, foram desenvolvidas obras que expressam bem o grau de desenvolvimento das antigas civilizações africanas. Esculturas em madeira e marfim, retratos em alto-relevo feitos em bronze ou latão, retratando a corte dos poderosos governantes, os obás.





Africanidade – qualidade própria do que é africano; caráter específico da cultura ou da história da África; sentimento de amor ou de grande afeição pela África.

Conceito que tem sido bastante discutido, trata da valorização e amplitude das culturas africanas, reconhecendo, significando e ressignificando suas práticas culturais, baseando os debates em áreas como História, Antropologia, Comunicações, etc., fundamentados no conceito de etnia em contraposição ao de raça.



Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.







03 ANOS DE COLETIVEARTS
 NÃO ESPALHE FAKE NEWS, ESPALHE CULTURA!

SIGA-NOS EM NOSSAS REDES SOCIAIS:


Sempre algo interessante
para contar!

Postar um comentário

2 Comentários

  1. Belo texto, Sandro!
    Precisamos valorizar a cultura nacional, que tem muito mais de Africanidade do que, normalmente, é ensinado.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado, Barbara! Está foi a terceira parte sobre Africanidade, desenvolvi três textos sobre o tema. Tiveram boa aceitação, é pertinente e deve ser mais explorado em sala de aula, a meu ver. Nossa cultura e nossa língua tem muita influência Africana!

    ResponderExcluir