ALERTA DE GATILHO!
A obra a seguir contém violência sexual, tortura, descrição gore, citação de drogas e álcool. Siga por sua conta e risco. Caso seja sensível, não continue.
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Capítulo 3 - Quem é Patrícia?
“Uma breve Narrativa sobre Patrícia, uma menina adorável que é o retrato de tantas outras meninas e mulheres transexuais, que são protagonistas da barbárie em nossa distopia. Que fique claro a posição e importância de Patrícia em nossa obra. Que nenhuma outra Patrícia seja tirada de nós. Vou te amar pela eternidade, mesmo não podendo entrar no reino dos céus para estar ao seu lado.”
Patrick Gonçalves Arruda, esse foi o nome dado ao bebê que nasceu de uma jovem desamparada. Como muitas outras crianças desafortunadas, vítimas de abusos, sem reconhecimento parental ou um simples acaso. Um fruto predestinado à miséria e desgraças como qualquer outro indivíduo herdeiro das mazelas da sociedade. A infância difícil não impediu o sorriso gentil e doce no rosto da nossa pequena Patrícia, os problemas enfrentados pelas crianças que vivem à mercê da maldade dos adultos. Apesar de ter sido entregue ao orfanato e ter sido criada pelas madres e irmãs do orfanato, Patrícia não escapou dos olhos pecaminosos dos homens de Deus.
A descoberta de sua real identidade veio tão fluida e sutil como o correr de uma nascente, certo dia se olhando no espelho velho do banheiro do orfanato. Ali percebeu que tal face e vestes não lhe cabiam, por estar crescendo e por ser uma menina - Por que não posso usar os vestidos de babado branco da primeira comunhão? Porque não posso deixar meu cabelo crescer, pintar minhas unhas, calçar as sapatilhas carmim. Se me fazem como uma mulher nas noites de quinta, porque não posso ser uma, aliás, por que preciso fingir que não sou?
Patrícia nunca duvidou de quem era. O mundo contra sua identidade era uma batalha que muitas davam como perdida, mas para ela… Ah, para Patrícia era apenas um jogo de xadrez do qual ela dominava muito bem. Seu primeiro amor não foi um clichê não correspondido, mas um amor EROS bem determinado. A menina se declarou primeiro enquanto ajudava nos afazeres do orfanato quando ambos tinham quase dezesseis anos. Naquela época, Patrícia deixava seu cabelo grande contra a vontade das irmãs. Seus cachos foram o real chamariz da atenção da menina franzina de olhos pretos como ébano - Gosto de você Patrick! - As palavras adentraram os tímpanos de Patrícia causando um alívio e uma sensação de felicidade que nunca encontrara antes. A partir desse momento os jovens perdidos no mundo se encontraram nos corações um do outro. A moça dos olhos de ébano estava decidida a ajudar Patrícia a se livrar dos abusos que sofria, corajosa e determinada ela chamou atenção do abusador para si, em meio ao medo ela estava muito feliz por saber que estava protegendo quem amava.
Ela sabia da verdadeira identidade de Patrick, sabia que seu amor era uma mulher extremamente forte - Mas, podemos nos amar assim? Afinal, somos mulheres - Essa questão perpetuou em sua cabeça durante as dores, agressões e violações. A menina dos olhos de ébano se preocupava unicamente com Patrícia. Agora as duas tinham exatos 18 anos, enfim. Uma vida sem regalia começou quando saíram do orfanato, ambas preocupadas uma com a outra, mas a preocupação dava lugar para o carinho mútuo. Era facilmente substituído pelas carícias, palavras doces, risadas e o companheirismo. Os dias não eram fáceis, mas elas conseguiam levar um dia de cada vez. Patrícia contente disse para sua amada que havia pego um serviço noturno como serviços gerais de um hospital e que as coisas agora iriam melhorar, mas não era bem uma verdade. Sem encontrar um lugar que aceitasse uma transexual sem nome, ela foi obrigada a se prostituir. Alguns programas durante a semana rendiam um bom dinheiro. Aos 20, elas seriam mães - O dia mais feliz da minha vida! - disseram uma para a outra.
Patrícia se dedicava a cada programa para cuidar de seu amor e sua família, algo que nunca tivera antes. Mas os fundamentalistas começaram a realizar ataques coordenados. Grupos de cinco ou mais homens atacavam as pessoas nas ruas, fosse famílias homoafetivas, fossem casais, amigos, prostitutas no ponto de serviço… qualquer um. Estava ficando perigoso continuar nas ruas, por isso Patrícia decidiu encerrar os trabalhos e ir para casa. Duas conduções ela chegou no Catete e entrou no cortiço onde morava. O som dos sapatos no assoalho de madeira antigo alertava sobre sua chegada, mas dessa vez o som não pode ser escutado pela moça dos olhos de ébano.
Ao se deparar com a porta do apartamento aberta, Patrícia se desesperou, pois sua amada esposa estava naquele pequeno lugar junto de seu bebê. Como flashes de um pesadelo ela recorda do corpo seminu jogado na cozinha, muito sangue e nenhuma resposta. Sem entender o que estava acontecendo ela chorou. Dois homens surgiram e acertaram Patrícia na cabeça enquanto riam como porcos - Suas aberrações! - Gritou um deles. Patrícia protegia o corpo sem vida da menina. - Já que faltava um macho em casa, fizemos o favor de mostrar um pau de verdade pra puta prenha - Essas palavras despertaram a raiva incontrolável de Patrícia que tentou lutar com todas as suas forças, mas não foi o suficiente.
Enquanto os homens desferiram golpes em seu corpo, Patrícia permanecia olhando fixamente para a face sem vida da menina com olhos de ébano. Ela chorava e se recordava de cada momento ao lado daquela menina. Desde o primeiro olhar, primeiro sorriso, primeiro beijo, primeira briga, primeiro segredo, primeiro ano juntas onde Patrícia disse com todas as palavras e convicções que era uma mulher feliz ao lado de sua amada. Cada lembrança passou por sua cabeça a envolvendo numa nostalgia melancólica, foi como se nada de ruim tivesse acontecido em todos aqueles anos de orfanato, todos os males se dissiparam quando a menina se declarou, quando segurou suas mãos e lhe jurou amor. Amor esse que ela manteve firme a cada dia que passaram juntas independente das dificuldades, por um momento Patrícia pediu perdão por ter mentido sobre o serviço no Hospital.
E então ela acordou em uma ambulância aos prantos. O único vizinho do andar de cima reparou na porta aberta, ao entrar se deparou com os corpos das meninas jogados no chão do pequeno apartamento e chamou a polícia. Um socorrista fazia os procedimentos de urgência enquanto ela gritava desorientada e unicamente preocupada com sua amada.
- Ela está morta? Cadê ela. Onde tá a minha esposa…. Ela tá grávida!
- Lamento informá-lo, mas ela não resistiu aos ferimentos. Como o
senhor se chama?
- Patrick…. Gonçalves Arruda. Onde ela está?
- Senhor, preciso que fique calmo e me diga o nome da sua esposa.
- Patrícia… Ela se chama Patrícia.
Os dias que se seguiram foram os piores, elas só tinham uma a outra neste mundo. Entregue a dor, ela não conseguiu continuar no apartamento onde estava, cada segundo naquele lugar a fazia lembrar dos olhos negros e sem vida de sua amada. Era torturante continuar a respirar o ar daquele lugar. Os responsáveis pelo ataque nunca foram encontrados. Entregue as drogas e noitadas perdidas ela tentava aliviar a dor com a embriaguez. Não tinha mais nada a não ser o nome que resolveu levar para si aquilo que mais amava. Depois de tantas dores ela nasceu. Patrícia, era a única coisa que restou do seu amor. Quando seus clientes a chamavam pelo nome era automaticamente levada aos tempos de alegria, com ajuda de algumas doses de heroína. Totalmente inebriada com as drogas, cada sussurro a faz assemelhar com a voz da menina que por muitos anos foi seu único alento e porto seguro. Os últimos anos passaram como segundos e Patrícia agora estava ansiando pela morte, deixando claro que qualquer coisa seria melhor do que continuar sozinha e carregando o peso da morte de sua amada em suas costas. Ela se culpava a todo momento.
Andando pelas ruas do centro ela escuta os xingamentos de um fundamentalista escroto de longe.
Quanto é programa bichinha? - Gritou o homem enquanto a seguia.
Você não pode pagar meu amor! E mesmo que pudesse, teu pau não vale a pena.
Ofendido com tal crítica o desgraçado caminhou mais rápido, decidido a ensinar uma lição para Patrícia. Ele arremessou um paralelepípedo solto que acertou as costas de Patrícia a fazendo cair. Nesse momento o homem desferiu chutes na garota que não resistia - Então você é durona? - Vociferou enquanto se dedicava a chutar as costelas de Patrícia que permanecia imóvel, esperando pela morte tão merecida. Que ela mesma julgava ser merecida. Todos os momentos felizes de sua vida voltaram a passar como um filme, o filme mais bonito que já poderia ter visto, mesmo que para si mesma a própria existência fosse feia. Ela via de longe sua amada chegando para levá-la ao paraíso, mesmo que fosse o inferno. Qualquer lugar seria um paraíso desde que estivesse com aquela que amava. A figura em sua direção não se parecia em nada com a fisionomia que já conhecia. - deve ser outro escroto para me matar - Pensou por um momento, mas a figura ergueu sua bota e ao invés de acerta-lhe, mirou exatamente no agressor. Depois disso tudo foi rápido demais para que pudesse acompanhar, a última coisa da qual se lembra era dos braços fortes lhe apertando e uma suave voz sussurrando em seus ouvidos _ Shuuu… Tudo bem, você não corre perigo. Fique em silêncio ou vão nos achar - e então Patrícia acordou num ímpeto despertar. Não foi um sonho, nada depois daquilo foi um sonho e agora estava ao lado de Uriel em direção a tal fazenda que serviria de lar pelos próximos dias.
Thamires Marciano, conhecida como Zaki. 26 anos de idade, amante de livros e quadrinhos, formada em Jornalismo, Bissexual, contra qualquer tipo de covardia contra as minorias. Acredita fielmente na leitura como meio de ensino e de clareza social.
Thamires Marciano |
03 ANOS DE COLETIVEARTS
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