TECITURA


 HAMAMAT MONTIA


Africanidade – qualidade própria do que é africano; caráter específico da cultura ou da história da África; sentimento de amor ou de grande afeição pela África.

Conceito que tem sido bastante discutido, trata da valorização e amplitude das culturas africanas, reconhecendo, significando e ressignificando suas práticas culturais, baseando os debates em áreas como História, Antropologia, Comunicações, etc… fundamentados no conceito de etnia em contraposição ao de raça.

Sou um apaixonado pela África e pela sua história, arte milenar, culturas, povos; somos originários de lá, da África Subsaariana. Escrevi alguns artigos envolvendo e relacionando África, Africanidade e coisas da África - Africanidade 1, 2 e 3; Preconceito; Diferenças, etnia, raça; Ubuntu; Homo Sapiens - adoro a Antropologia, estudos históricos, ciência! Dissertar sobre temas que lhe dão prazer e escrever sobre eles tornam-se fáceis, maleáveis, agradáveis. Em busca de maiores conhecimentos envolvendo Africanidade, cursei cadeiras optativas na Faculdade sobre História e Cultura Africana. Estreitei relações com pessoas engajadas e ligadas aos movimentos Afro e, não negro que sou, fui muito bem aceito, aumentando meus conhecimentos e percepções. Racismo Estrutural, aprendi e internalizei a luta contra este mal social. Através do trabalho de uma amiga escritora, estou tendo a oportunidade de acompanhar um processo de revisionismo histórico acerca de fatos passados envolvendo “heróis” de uma cultura, revisionismo este que põe em discussão tais fatos heroicos, expondo o massacre de um grupo de notáveis guerreiros negros em prol de acordos políticos da época.

Fatos … ancestralidade! Talvez o sangue que corre em minhas veias esteja gritando, esteja falando mais alto. Minha família é um mosaico de etnias. Exceto uma prima de minha mãe que fez sua árvore genealógica para conseguir o passaporte comum europeu, pois temos origens em Portugal, de nossos ancestrais eu sei muito pouco. Ouvia de meus avós paternos que tínhamos ancestrais Franceses, Portugueses e nativos brasileiros (indígenas). Minha avó paterna orgulhava-se de ser neta de Bugres, termo que mais tarde descobri tratar-se de indígenas da Serra Gaúcha. Pela família de minha mãe, este mosaico expande. Tenho duas primas, filhas da mesma mãe, em que uma é de pele branca e cabelos castanho-claros (quase loira) e sua irmã é negra. Magnífico! E conheci a Vó Mana. Matriarca da família de minha mãe, teve 19 filhos. Quando criança, todo domingo passávamos na casa da Vó Mana. Família em peso reunida. A Vó Mana foi uma mulher que faleceu em idade avançada. Passou dos cem anos! Tinha muitas histórias! A que mais me encantava, era nascida no Congo, país Africano, e lá teve sua infância. Foi escrava, chegou ao Brasil nas épocas finais do período escravocrata, viveu um tempo como escrava. Liberta, trabalhou na fazenda de meu bisavô, que era filho dos donos, em Bagé. Apaixonaram-se, casaram e construíram esta família, os Ferreira! Volta e meia eu volto a estes pensamentos, imaginando se, quando viva, como seriam suas lembranças, os pensamentos da Vó. Como seria o Congo, como teria sido sua vida em tribo, como era a sua etnia. Talvez esta herança de sangue explique este meu despertar para estas tão belas culturas!

Dia desses, sem muito o que fazer, entediado, passei a navegar pelas redes sociais, pelos blogs e sites afins. E eis que uma postagem chamou minha atenção. Uma mulher, negra, magnífica! Quem seria esta pessoa … sem cair em clichês ou criar estereótipos sobre a beleza daquela mulher, mas um algo a mais nela me fascinou. Seu olhar, suas vestimentas, sua pele, seu sorriso, seu cabelo … muito do que li, pesquisei e escrevi sobre a cultura africana estava ali representada. A expressão corporal e a forma de vestir dizem muito; os cabelos dos africanos e africanas podem indicar posição social, etnias a que pertencem. As cores utilizadas em seus utensílios, roupas e tapeçaria influenciaram grandes artistas mundiais. Eu estava encantado com a beleza que aquela imagem representava (não era somente a modelo, mas tudo em seu entorno, a natureza do lugar, os vasos, suas roupas, a arquitetura das casas), e decidi pesquisar. A princípio, a postagem em questão remetia a um artigo de uma revista portuguesa. Que estranho, quero saber mais, quero conhecer mais. Pesquisei, e quase nada em nosso idioma (português) encontrei. Muitos artigos e reportagens em periódicos e revistas europeias (alemãs, francesas, portuguesas), norte-americanas, africanas e orientais (chinesas, japonesas). Que curioso! Como uma mulher tão conhecida nos principais centros do mundo passa despercebida por nós, brasileiros? Quase nada (não aprofundei mais as pesquisas) sobre ela publicado aqui no Brasil. Que mulher seria esta?


Hamamat Montia - falar sobre a beleza de Hamamat Montia seria uma redundância, pois ela é uma Rainha da Beleza mundial. Hoje com 34 anos, mãe de 3 filhos (duas meninas e um menino), Hamamat aos dezoito anos foi Miss Gana e Miss Universo África. Quem olha para a foto dessa modelo percebe que está olhando para uma das grandes modelos mundiais, daquelas ícones da beleza e do mundo da moda. Mas não foi somente isso que me atraiu. A história de Hamamat impressiona, fazendo dela um exemplo de superação, de recomeço, alguém que inspira!



Casada, vivendo uma vida confortável e luxuosa com seu marido e seus filhos na capital, viu sua vida sofrer um revés através de uma separação dolorosa. Seu marido decidiu deixar a família para unir-se a outra pessoa e formar nova família, ocasionando um evento traumático e dias difíceis. Refletindo sobre sua vida e encontrando forças nos filhos, Hamamat toma uma importante decisão: retornar às suas origens, ao apoio de sua família, e assim refazer sua vida apostando na melhor qualidade de vida para seus filhos, junto aos parentes, à natureza, aos ancestrais, à sua etnia! E assim retornou para Bolgatanga, na região do Alto Oriente de Gana.


Aqui faço uma pausa no texto sobre as origens e história de Hamamat para um fato, uma reflexão que acredito ser o cerne desta história de superação, de força. Um pensamento que trago a muito tempo e que pautam minhas escolhas. O embate filosófico e que creio que muitos de nós deveríamos ter: o peso do Ter x Ser. Percebam quão importante decisão foi tomada por esta mulher … uma forte, antes de mais nada! Um futuro impreciso, porém uma profissional reconhecida pelo mercado, contratos estabelecidos e uma vida confortável na capital decide deixar de lado esta zona de conforto para recomeçar ao lado de sua família, levando a todos para junto de suas origens, para viver uma vida simples, próximo a seus ancestrais, próximo da natureza. Que coragem!

Segundo palavras de Hammamat, “deixar a cidade para trás foi uma mudança necessária e quando cheguei em casa com toda a minha família sabia que aquele seria o começo de um futuro melhor”. Seus filhos estavam felizes por estarem cercados de amigos e família, a vida em contato com a natureza, cozinhando todos juntos, dormindo sob a luz do luar, recarregando os corpos com energia positiva. Um recomeço de vida com o retorno às suas raízes.


Hamamat possuía já diversos perfis e seguidores nas redes sociais. Como em qualquer lugar no mundo, as redes sociais trouxeram uma gama de possibilidades jamais imaginada, com o acesso a informações ao contato de um click, porém assim como exercem forte impacto positivo, também oferecem impacto negativo. E assim, compartilhando seu novo estilo de vida, conheceu o preconceito. Sofreu zombaria, opiniões negativas e todo tipo de julgamentos por suas escolhas, por deixar de lado uma vida glamorosa de cidade grande para viver e se dedicar a um estilo de vida simples, de trabalho, voltada à família e à natureza.

“Nunca fui afetada pelos comentários negativos que foram publicados sobre mim, ninguém sabia realmente as batalhas internas que eu estava passando. Meu único objetivo naquele momento era chegar à frente e poder dar aos meus filhos uma boa qualidade de vida.”
Hamamat Montia.

Cultivando os hábitos de sua família e sua tribo através de atividades antigas, aprendeu a trabalhar e fazer manteiga de Karité. Compartilhou diversos vídeos de sua família produzindo seu próprio produto e chamou a atenção de milhões de pessoas ao redor do mundo. E assim, através desta Cultura, Hamamat criou sua marca chamada “Hamamat African Beauty”. A outrora Rainha da Beleza tornara-se Rainha de um Império da Beleza, comercializando seus produtos no mundo inteiro: óleo de coco, manteiga de Karité dourada, manteiga de Karité safári, sabão africano, tango body scrub. Orgulha-se de suas origens, de sua ancestralidade. Leva consigo as marcas de sua tribo, enaltece a cultura do povo africano. Arquitetura, roupas, cores, tapeçaria, culinária, natureza, deixa evidente esta admiração em tudo o que faz, representando sua tribo e sua etnia em todas as suas fotos.

Ícone da beleza, Hamamat é inspiração para milhares de mulheres por seu exemplo de superação e força de vontade. Atrai milhões de seguidores em suas redes sociais. Empreendedora nata, expandiu seus negócios, gerando emprego e renda em sua região. Fundou um museu em que conta a história de seu povo e o trato com a natureza, as técnicas milenares para a confecção de seus produtos. Neste mesmo espaço, mantém um SPA disputado e visitado por turistas europeus, asiáticos e americanos. Mantém ações sociais, fundando ONGs e escolas.

“ Ao falar de Hamamat, três coisas vêm à mente: Africano, beleza, natureza”.
 - Entrevista dada a uma revista alemã por cidadãos africanos.

Creio que Hamamat personifica o conceito de Ubuntu - Eu sou porque nós somos - Sua ações inspiram e fazem seu povo crescer. Tenho certeza que muito ainda será dito sobre ela, uma daquelas pessoas que ficarão eternizadas na história mundial.


Hamamat Montia. Ubuntu!


Sandro Gomes

Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.


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2 Comentários

  1. Que texto incrível. Temos que romper com o racismo estrutural dentro de nós. Também tenho descendência de bugres, mas não da serra e sim de Gravatai.

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  2. O que mais me espantou é não ter achado quase nada dela publicado no Brasil. O artigo mais próximo que achei tinha o título "A Barbie Africana" ... Olha, nosso país tá complicado, viu?

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