TECITURA

 

Diários da Cultura 2022 - Clube Literário de Gravataí


Mudanças, mudanças … estamos em constante processo de mutação, de evolução talvez. Este início de ano foi desgastante, desafiador de diversas maneiras. O ano será! Afinal, estamos saindo de uma pandemia, um evento global que afetou o mundo de diversas maneiras, principalmente em relação às restrições impostas pelos protocolos sanitários. Trabalho em um setor que necessita primordialmente de público, que é a Cultura, e neste contexto, quem é da cultura teve que se reinventar, procurar formas de amplificar seu alcance, atingir a seus públicos, e neste ínterim as tecnologias existentes foram essenciais. Ações realizadas seriam impensáveis a vinte anos passados. As plataformas de redes sociais e compartilhamento de vídeos mostraram toda a sua força!

Ontem participei de um evento na Câmara de Vereadores de Gravataí. Retornando para casa, uma noite chuvosa, aquela garoa fina que molha sorrateiramente, parei na rua para fazer um lanche e fiquei dentro do carro. Por alguns minutos me perdi em pensamentos, rememorando os últimos dias, olhando o movimento das ruas, o trânsito, a água batendo no para-brisas; dias intensos, muito trabalho. Porém, satisfações também! A Cultura retornou, intensa, pujante, sanguínea e presencial, em dois eventos: sexta-feira, 11 de março e sábado, dia 12, o Clube Literário de Gravataí participou de eventos com toda a força e qualidade de seus membros!

O primeiro Sarau do Clube Literário aconteceu na sexta-feira, na sede da ASSUSCAPS, em Gravataí. Um evento marcante! Isab-El Cristina e Diovana Rodrigues foram um show à parte. Diovana, ótima declamadora, com suas poesias marcantes formando uma dobradinha incrível com Isab-El. Estilos por vezes parecidos, a escrita dessas poetisas marcam e remetem a profundas reflexões com temas sociais, que tocam fundo. Femismo x feminismo, violência doméstica e sexual, a mulher em diversos contextos … essas poetisas sabem incitar a reflexão! Círio de Melo, que declamação! Teatral, levanta a plateia e traz emoção através de sua representação artística. Izabel Moreira, a grande poetisa, o romantismo na literatura Gravataiense, remetendo aos melhores clássicos da literatura. Fosse contemporânea de Machado de Assis e dos grandes românticos, estaria em casa! Uma escrita primorosa, a visão feminina do espectro romântico. Ângela Xavier, técnica, concisa, precisa. Será que algum dia irá escrever de forma mais coloquial?



Escreve muito bem, prima pela técnica apurada e pelos textos bem escritos, não é à toa que está desbravando novos horizontes. Rosani Freitas e Borges Neto, belíssimos! Eu declamei o poema Que país é este, de Affonso Romano de Sant’Anna e um poema próprio, Todas as Formas de Amor. Waldemar Max e Jeane Bordignon apresentaram seu premiado trabalho Contatos Imediatos. Mais que um encontro literário, para mim foi um encontro com amigos e amigas. Pessoas talentosas que tem muito a oferecer … e estavam com “sangue nos olhos”, ávidos pelo público, tão acostumados a falar para as pessoas.

No dia seguinte, sábado, 12 de março, Parcão de Gravataí e o Clube Literário foi "convocado" para representar a cultura no evento promovido pelo gabinete da Primeira Dama, Marlene Zaffalon. Que evento! Antecedido pelo Departamento de Esportes e aulão de ginástica promovido pelas professoras de educação física da SMCEL, um público considerável dos Núcleos Esportivos estiveram presentes.

Suceder um evento destes foi bem interessante, e novamente o Clube mostrou sua qualidade, mas desta vez somente com as mulheres. Ângela Xavier, Dandara Cruz Ennes, Sandra Simões, Rosani Freitas, Izabel Moreira e Isab-El Cristina foram muito bem! Ganharam o público … Sandra trouxe um repertório de textos de Bruna Lombardi, Dandara recitou Rupi Kaur, Izabel Moreira emprestou muita qualidade com seus versos que tocam ao coração, levando o romantismo ao público presente, Ângela Xavier foi a cerimonialista. Um adendo: Isab-El Cristina estava inspiradíssima, declamou lindamente, um deleite aos que estavam presentes ao final do evento. Foi lindo!



E assim foi meu final de semana, e com um sorriso no rosto iniciei mais uma segunda-feira, outra semana puxada, porém com alegria no coração, pois presenciei estes lindos poetas, escritores, declamadores extraordinários fazerem da escrita, sua forma de arte. Fecho aqui com alguns textos declamados nestes encontros.




Para o dia internacional da mulher

Ei moço, senta aqui
Vamos conversar um pouco, quem sabe nos entender e até sorrir!
Moço, não tenho medo de ti!
Então também não tenha de mim!
Não sou tua rival
Tão pouco submissa
Sou tua igual!
Não me leve a mal
Sou feminina, mesmo que me chame de feminista!
Espero que tu não seja machista.
E entenda, posso tudo
que eu quiser!
Nasci Mulher! E já sofri muito!
Porém é passado
Não admito dor em meu futuro
Foi difícil, foi duro!
Tantas irmãs perdi
Para ter esse presente!

Sabe moço , às vezes ouço:
Isso é coisa de mulher!
Essa frase é muito dita
com desprezo!
Mas sabe o que penso ?
É coisa de mulher
Parir, sentir a pior dor do mundo
Sorrir e chorar ao mesmo tempo
Querer viver, mas morrer pelo ser que deu a luz!
É coisa de mulher, ser mãe e pai!
Sair pra trabalhar, e ainda limpar a casa.
É ser dona de casa, fazer tudo no lar e não ser reconhecida!
É coisa de mulher, sofrer calada, chorar maquiada
É coisa de mulher não perder a esperança.
É coisa de mulher lutar, cair e levantar!
É moço, tu questiona esse dia oito
Por quê ter um dia da mulher?
E te digo, não deveria ser um, mas todos!
É moço, conselhos não se dão
Mas se não for em vão
Te peço, se for difícil pra ti
Não precisa me entender
Só quero respeito!
E ame a mulher que te pariu!
Ame a mulher que te ama
Ame a filha mulher que uma mulher te deu!
Quanto a mim, moço, sou apenas uma voz interna
Cansada de machismo, egoísmo e de todo esse blablabla!
Sou tua mulher interior,
Pedindo por favor
Acabe com isso!!




Que País é Este? 

1

Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,
outra um regimento.

Uma coisa é um país,
outra o confinamento.

Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno "Avante"
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um "berço esplêndido" para um "futuro radioso"
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.

Uma coisa é um país,
outra um fingimento.

Uma coisa é um país,
outra um monumento.

Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.

(...)

2

Há 500 anos caçamos índios e operários,
há 500 anos queimamos árvores e hereges,
há 500 anos estupramos livros e mulheres,
há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é que é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.

Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.

Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,

sonhamos a paz da Suécia
com suíças militares,

vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,

senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata

num carnaval de mulatas.

(...)

Publicado no livro Que país é este? e outros poemas (1980).
SANT'ANNA, Affonso Romano de. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 1980.

Todas as formas de amor

Amar
Verbo transitivo direto
O que é amar?
Amar é incondicional
é companheirismo, reciprocidade, respeito
é a junção de várias formas
e várias transformações ao longo do tempo
vale o amor entre irmãos
entre amigos
o amor pelas coisas e seres da natureza
amor pela vida
amor decorrente das paixões
estas, inúmeras ao longo da nossa existência
que se completam na formação de nossas identidades
amor próprio é essencial
para que possamos amar verdadeiramente algo ou alguém
são tantas formas de amor
impossível viver sem amar
sem experimentar
sem arriscar
sem cair e se levantar
quem se abstém deste sentimento

por arrogância ou medo
passa simplesmente pela vida
somente passa
pois sem essas ricas experiências dos amores
a passagem por esta vida
é um algo sem significado
um livro cujo história é vazia
sem drama, romance, suspense
um manual apenas
Ame! Viva intensamente!
Faça valer a pena
Pois a jornada é curta
e logo ali acaba.

Sandro Gomes


Sandro Gomes

Sandro Ferreira GomesProfessor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento. 

Confiram podcast gravado com Sandro Gomes clicando Aqui

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espalhe cultura!


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3 Comentários

  1. Grata pelo reconhecimento e visibilidade!
    O Clube Literário de Gravataí agradece o carinho!

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  2. Grata pelo reconhecimento e visibilidade!
    O Clube Literário de Gravataí agradece o carinho!

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