CONTRAPONTO



 Hierarquia

Hoje vou falar novamente de um dos meus aprendizados e reflexões dentro das vivências em grupo com Constelação Familiar. Nesse final de semana, tivemos um encontro  para falar sobre as Leis do Amor, segundo Bert Hellinger, e uma delas, a qual coloquei foco nas minhas divagações foi a lei da hierarquia.


Antes que os rebeldes de plantão enlouqueçam aqui (e eu fui um deles, na primeira vez em que ouvi essa palavra mega difícil de engolir, “hierarquia”...) a estrutura hierárquica da qual se fala que devemos respeitar é a seguinte: os que vieram antes são nossos antepassados e não devemos nos responsabilizar por seus sofrimentos, nem querer tomá-los para nós, tentando modificar o que já foi vivido; nossos antepassados dão conta de suas vidas por serem os “maiores” ou mais antigos e nós devemos respeitá-los  sem julgamentos e sem forçar mudanças.


Conversando em grupo e fazendo essas constelações há algum tempo, percebo que sempre repetimos (inconscientemente) a vida dos nossos antepassados, para nos sentirmos  pertencentes ao grupo - inclusive muitos teóricos e psicólogos falam dessa atitude mega comum entre as pessoas. Há muitos homens reverberando o sobrepeso que seus avós e bisavós viveram sustentando uma família e muitas mulheres repetindo as relações amorosas conturbadas de sempre. 


Também sempre caímos na cilada de achar que sabemos mais que nossos antecessores, arrogantemente ditando e julgando o que eles deveriam ter feito ou deixado de fazer. Nessa última atitude, cheguei a conclusão de que é um dos maiores problemas da nossa sociedade. Um dos fatores que mais nos adoece, primeiro por que não existe mais esse entendimento profundo de hierarquia. O mais novo sempre acredita de que sabe mais e os pais e avós atuais não se posicionam de forma correta também diante desses novos. Temos muitos adultos sendo mandados e desmandados por seus filhos e netos como se essa “amizade” com os pequenos construísse um vínculo saudável. Muitos não se colocam na posição de adultos, responsáveis por esses jovens, e se permitem - além de ser comandados - deixar que eles façam e deixem de fazer o que suas poucas experiências acham certo.


Na minha escola, por exemplo, tenho crianças que se decidem que não querem usar sapatos, seus pais as trazem sem sapatos. Nunca me esqueço de um menino muito difícil o qual tivemos há alguns anos, ele foi capaz de destruir uma sala inteira com apenas 3 anos. Certo dia, na saída, a mãe dele chegou para buscá-lo. Ele, com seus 3 anos de idade, chegou dizendo “eu não vou caminhar! Eu quero ir para casa de carro”, a mãe dele, exausta informou que não tinha mais dinheiro para uber e teriam de ir à pé. Na mesma hora ele se jogou no chão e disse que não iria embora então. Ela, exausta do trabalho e sempre obediente ao seu filho, pegou ele no colo e subiu a lomba com ele gritando e chutando ela, enquanto ela pedia desculpas. 


Não devemos julgar essa mãe, porque não sabemos o que faltou para ela, porém devemos olhar esse exemplo de fora e perceber que gritantemente nossos pequenos estão comandando seus pais e isso pode ser nocivo a longo prazo, tanto para eles, quanto para a sociedade inteira. É uma fábrica de arrogância e profundidade rasa! Se nossa sociedade está crescendo sem o conhecimento de como ela foi construída, todo o trabalho que nossos antepassados tiveram e todo o seu percurso até aqui, como seus cidadãos irão dar valor ao planeta e a própria vida?


Veja bem que não falo que os mais velhos sempre terão razão. É claro que as novas gerações sempre podem trazer aprimoramento e novidades, isso é essencial para a nossa evolução. Mas essas novidades podem vir marcadas de respeito pelo que já foi feito. Não nos cabe rasgar os diplomas dos antecessores e só validar as novas gerações. O que vale é construir novas possibilidades através do que já existe e inserir com respeito e ética sempre.


Segundo ponto, os mais novos nunca levam em consideração que seus pais, avós e bisavós agiram dentro de uma sociedade diferente, com valores mais antigos, com menos  informações disponíveis e muito menos possibilidades que temos atualmente. Na minha infância, eu ainda pesquisava em  bibliotecas, copiava a mão e fazia capas de trabalho com aquela régua de letras. Meus pais certamente datilografavam e meus bisavós sabe-se lá como realizavam as pesquisas que hoje em dia são feitas pelo celular, ou tablet, em poucos segundos.


A hierarquia, portanto, não é bater continência para um imbecil que colocaram de qualquer jeito como nosso superior e somos obrigados a engolir goela a baixo - isso tem outro nome! Hierarquia é entender que nossa vida vem de uma linha imensa e profunda de muitas pessoas, com muitas histórias diferentes e que somos uma pequena semente diante de toda a profundidade da nossa história. Respeitar a hierarquia é saudar a nossa história com respeito, sem julgamentos ou prepotência e tomar a nossa vida para nós mesmos, vivendo o nosso presente e construindo outra linda história para que possamos dar mais possibilidades aos que vierem depois e assim sucessivamente. Quando entendemos que somos uma pequena ponta de raízes profundas e antigas, nos tornamos parte real do planeta, parte da construção de um mundo melhor e não mais uma praga destruindo tudo que já foi feito com muito esforço e sacrifício. Quando percebemos que somos peça de toda essa construção que já vem acontecendo, tomamos força e impulso para a vida de forma saudável e linda!


Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.

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