ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO

 

PERSONAGENS PARA ESSE 
ESTRANHO NOVO MUNDO

No idioma português a palavra Personagem deriva do Francês PERSONNAGE e significa “um indivíduo de destaque numa história ou peça”. Indo mais fundo na etimologia chegamos ao Latim PERSONA, que por sua vez deriva do Ethrusco PHERSU, significando “máscara teatral”, chegando enfim à raiz Grega com PROSÓPON de “máscara, face”.

Então um bom personagem deve se parecer muito com uma pessoa, mas não é uma pessoa. Parafraseando o mestre do suspense Alfred Hitchcock, um personagem deve ter uma vida tal qual a de uma pessoa, mas sem as partes chatas (a frase do diretor britânico é: “os filmes são como a vida, sem as partes chatas”.)

Todos os escritores de ficção, seja com a linguagem literária ou a dramática, sabem o quão fundamental é saber criar e desenvolver bons personagens. São eles que estabelecem o elo de comunicação cognitiva e emocional com os leitores/espectadores e dão credibilidade à história narrada.

Todo o leitor e espectador sabe reconhecer um bom personagem. Uma experiência de alguns anos de leitura de obras literárias ficcionais, vendo filmes e séries é suficiente para fornecer critérios, mesmo que inconscientes, para essa apreciação.

Mas a verdade é que todos amamos bons personagens, mesmo aqueles que se transportados para a vida real, jamais seriam do nosso círculo de relacionamentos.

Por exemplo, na dramaturgia de séries, há poucos personagens melhores do que o Walter White de “Breaking Bad”, que em sua transição para Heisenberg conduz os nossos sentimentos da piedade à repulsa. E aqui chamo a atenção para uma das regras de ouro na criação de um bom personagem. Ele precisa se transformar ao longo da narrativa. O personagem do início precisa ser diferente daquele que encerra a história, mesmo que sejam mudanças sutis.

Os personagens da literatura tem a grande oportunidade de nos fazer entender as suas dimensões mais íntimas, as suas psiquês e para isso a linguagem literária tem os seus recursos. Por exemplo, o “fluxo de consciência” existe somente na criação literária.

Na dramaturgia teatral os personagens precisam afirmar as suas identidades pelos recursos das falas e diálogos (embora haja exceções à regra), pois as unidades de tempo e espaço são delimitadas pelas dimensões da encenação/palco.

Já na escrita dramática para as telas, que chamamos de roteiro, é mais importante o que os personagens fazem, do que o que falam, pois a palavra dramática deriva de drama, que por sua vez vem do Grego “dram”, que significa AÇÃO. Assim o grande desafio dos roteiristas é criar personagens complexos, ambíguos e interessantes mostrando o que eles fazem e não apenas contando. Como dizem os norte-americanos, “show, don’t tell”.

Até em cinebiografias de pessoas reais, é preciso que os personagens sejam adaptados para algumas regras e técnicas da dramaturgia.

Por fim, mesmo em narrativas que se utilizam da Fantasia como gênero, os personagens precisam ser verossímeis, ainda que voem ou leiam pensamentos.

Frank Daniels que foi diretor artístico do Sundance Festival e do American Film Institute certa vez disse: “escrever roteiros é contar histórias interessantes sobre gente interessante de uma forma interessante. O único problema é saber tornar as histórias e as pessoas interessantes”. Todos que escrevem ficções sabem, esse é um problema que só se resolve com disciplina, persistência e uma prática em observar as pessoas ao redor. Elas são as matrizes para bons personagens.



João Luís Martínez 

João Luís Martínez é ator, escritor, diretor, dramaturgo e roteirista atuando nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web) há mais de trinta anos. Desde 2011 faz parte do corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo, uma instituição prestigiosa na cultura porto-alegrense, onde ministra cursos e oficinas de roteiro. Há três anos ministra as suas oficinas de modo on-line, contribuindo para a formação de novos roteiristas para o mercado.


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