ARTE E CULTURA

 

 Inês Ramos, uma história de 

paixão pelos fanzines


palavra fanzine vem da contração da expressão em inglês fanatic magazine, que significa em português "revista de fã". Isso significa que os fanzines são publicações feitas por  pessoas que gostam de um determinado tema. No ColetiveArts contamos com muitos fanzineiros, entre eles Denilson Reis, Fabio da Silva Barbosa, Anderson ANDF, Paulo Kobielski e Fabiomesmo. Pesquisando sobre fanzines, me deparei com um trabalho maravilhoso que é realizado pela designer gráfica portuguesa Inês Ramos.

Inês é uma daquelas artistas iluminadas, que por onde passa vai plantando sementes culturais, não só as planta como as cultiva e fica feliz quando começa a ver a colheita dessas lindas ações. Atuou durante anos em Cabo Verde (na África), organizando todos os sábados uma feira do livro no Centro Cultural do Palácio Ildo Lobo, na cidade de Praia, na capital cabo-verdiana, em que levava para jovens e adultos o prazer do contato com a poesia e com a banda desenhada (quadrinhos). Percebendo a quantidade de jovens talentos, começou a organizar a produção de fanzines, lançando assim o primeiro fanzine de Cabo Verde, o Banda Poética.


Mas Inês é energia pura, ela não para nunca. Sempre criando e se propondo a trazer novas possibilidades artísticas e atividades culturais, preenche o mundo com arte e com novos artistas. Nós do Arte e Cultura fomos conversar com ela, saber um pouco mais de sua trajetória.

INÊS RAMOS


JORGINHO: Quem é a Inês Ramos?

INÊS RAMOS: Portuguesa, 56 anos, designer gráfica (de profissão). Autora do blogue “Porosidade Etérea” onde, durante mais de uma década, divulgou os poetas e seus livros. Sou também diseur (semeadora) de poesia. Responsável pela reunião, seleção de poesias e organização da antologia de poesia “Os Dias do Amor” com poemas de 365 autores, para a editora Ministério dos Livros, em 2009.

Realizei uma Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada, todos os sábados, durante 11 anos (em Portugal e em Cabo Verde). Realizei também várias oficinas de poesia visual e livros de cordel com crianças em Cabo Verde. Participei em vários festivais de poesia e/ou de edições independentes em Portugal, Espanha e Cabo verde.

E, como não podia faltar, sou fan-editora (editora de fanzines).


JORGINHO:  Como a Banda Desenhada e os fanzines entraram em sua vida?

INÊS RAMOS: Ao frequentar durante vários anos a Tertúlia de Banda Desenhada de Lisboa, que se realiza todos os meses, desde 1985, organizada por Geraldes Lino (grande entusiasta e divulgador da banda desenhada e dos fanzines).


JORGINHO: Como você foi parar em Cabo Verde?

INÊS RAMOS: Fui à trabalho, previsto para 6 meses. Acabei por ficar, primeiro 2 anos e depois voltei e fiquei por mais 6 anos.


JORGINHO:  Como surgiu o seu trabalho com fanzines e Banda Desenhada em Cabo Verde?

INÊS RAMOS: Em Cabo Verde, ao constatar o número escasso de livrarias e por sugestão de amigos, resolvi fazer uma pequena feira do livro com livros de poesia e banda desenhada. Sobretudo a banda desenhada era quase inexistente nas livrarias em Cabo Verde. Por isso, começaram a aparecer jovens nessa feira do livro (que foi crescendo com livros que eu ia trazendo de Portugal, ou que pedia para me enviassem pelo correio). Esses jovens interessados em banda desenhada começaram a trazer-me os seus próprios desenhos. Foi a essa altura que decidi fazer com eles um fanzine de poesia e banda desenhada. Participaram 6 jovens (5 rapazes e uma rapariga) com desenhos, poemas e uma banda desenhada. O fanzine chamou-se “Banda Poética” e foi editado em julho de 2012.

Inês Ramos e os jovens autores do Banda Poética


JORGINHO: Como foi a troca de experiências com os alunos e com os professores locais? Conte para o leitor como foi essa jornada fantástica.

INÊS RAMOS: O "ir" às escolas aconteceu um pouco, porque me fui apercebendo que as crianças, no geral, não tinham muito acesso aos livros. Os autores de livros infantis não vão às escolas.

Ao mostrar essa disponibilidade, de ir às escolas, fazer livros de cordel, de poesia visual com os meninos, comecei a receber alguns convites. Essa experiência foi muito importante para mim, poder estar com crianças, testar com elas a imaginação e a liberdade de expressão, e, sobretudo, produzir trabalhos fantásticos com crianças interessadas e ávidas por atenção. Estive em escolas onde não havia água, nem eletricidade, em escolas que nem eram escolas, como num antigo matadouro usado para as crianças terem aulas.

Esta experiência com estas crianças que nunca tinham pegado num pincel para pintar com aquarela, por exemplo, dá-nos uma outra perspectiva do que é realmente importante. Ajuda-nos a relativizar tudo e a perceber que há coisas tão simples de fazer...

Despois, também comecei a ser convidada para ir a escolas secundárias falar sobre poesia visual a jovens adolescentes e até organizar concursos de poesia visual.




JORGINHO: Para você, o que significou esse trabalho com os fanzines ali produzidos?

INÊS RAMOS: Foi muito importante esse trabalho com os meninos. Uma vez, na cidade de Mindelo, numa dessas oficinas houve um menino que não foi embora no final. Ficou ali comigo até de noite a fazer desenhos no seu livro de cordel. Percebi mais tarde que era um menino de rua. Desenhava muito bem (teias de aranha e morcegos, sobretudo). Fiquei muito impressionada pelo bem que sabia desenhar, mas sobretudo pela temática, tão negra...


JORGINHO: Você ainda tem contato com seus ex-alunos de Cabo Verde? Sabe se alguns continuaram a produzir suas artes e textos?

INÊS RAMOS: Não eram meus alunos. Eu apenas ia às escolas fazer livros de cordel com eles. Mas sim, sei que alguns continuaram a fazer fanzines ou edições artesanais. Por exemplo, na ilha do Fogo, a professora, inspirada nas minhas atividades, fez fanzines com os seus alunos na sala de aula e depois publicaram fotos desses fanzines no Facebook. Fiquei muito feliz por lá ter deixado essa “sementinha”...


JORGINHO: Como foi seu trabalho à frente da micro Editora AfroFanzine?

INÊS RAMOS: A Afrofanzine é uma micro-editora de fanzines de autores africanos, criada por mim e pela minha amiga Raja Litwinoff. Editamos fanzines de autores de Cabo Verde, Angola, Gana, São Tomé e Príncipe... Autores de poesia e de banda desenhada. Os nossos fanzines são artesanais e destinam-se a divulgar autores africanos pouco conhecidos ou esquecidos. Entretanto, a Raja criou a sua própria editora, a Falas Afrikanas, também de divulgação de autores africanos.


JORGINHO: Como foi o projeto PONTE, com Thina Curtis e Luís Meireles?

INÊS RAMOS: A ideia do fanzine PONTE surgiu numa conversa no messenger do Facebook, entre 3 fan-editores (eu, o Luís Meireles e a Thina Curtis). Eu estava em Cabo Verde, o Luís em Portugal e a Thina no Brasil. Decidimos fazer um fanzine que fosse uma ponte entre os autores destes 3 continentes, e assim aconteceu. Participaram autores de Cabo Verde, Angola, Portugal e Brasil com fotografia, poesia visual, poesia, ilustração... Ficou pronto no início da pandemia.


JORGINHO: E sobre seu novo projeto de editora, poderia falar sobre ele?

INÊS RAMOS: Sobre o meu novo projeto ainda não posso falar muito. Apenas que será uma cartonera e o 1º livro será de poesia para crianças. Será com poemas de um autor cabo-verdiano e com ilustrações de um jovem artista também caboverdiano.





JORGINHO: Como estão os cenários da Banda Desenhada e do fanzine em Portugal nesse período pós pandemia?

INÊS RAMOS: Estão bem. Durante a pandemia os autores não pararam. Continua-se a fazer fanzines, a divulgar os fanzines, a passar esse gosto aos jovens, porque “quem faz um fanzine, fá-lo por gosto”.


JORGINHO: Deixe uma mensagem para o leitor do Arte e Cultura

INÊS RAMOS: Arte e Cultura são tão importantes como o pão para a boca. Temos fome, não só de pão, mas de saber, de conhecer, de criar. Por isso todos os intervenientes da Arte e da Cultura são importantes para a Humanidade.

Porque os artistas nos dão humanidade.

Mas arte também serve para destruir barreiras, para abrir canais de comunicação, para construirmos a Paz, para destruir preconceitos. Partilhemos o que de melhor temos e somos.


CONTATOS:


"Estive em escolas onde não havia água, nem eletricidade, em escolas que nem eram escolas, como num antigo matadouro usado para as crianças terem aulas. Esta experiência com estas crianças que nunca tinham pegado num pincel para pintar com aquarela, por exemplo, dá-nos uma outra perspectiva do que é realmente importante."
- Inês Ramos


Jorginho

Jorginho é Pedagogo, Filósofo, ilustrador com trabalhos publicados no Brasil e exterior, é agitador cultural, um dos membros fundadores do ColetiveArts, editor do site Coletive em Movimento, produtor do podcast Coletive Som - A voz da arte, já foi curador de exposições físicas e virtuais, organizou eventos geeks/nerds, é apaixonado por quadrinhos, literatura, rock n' rol e cinema. É ativista pela Doação de Órgãos e luta contra a Alienação Parental.


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4 Comentários

  1. Fantástico! Que beleza de trabalho.
    E toda Inês é fantástica. Inês de Castro, Inês Ramos, Dona Inês... sou fã côncavo e convexo das Inês.

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  2. Obrigada! E ainda há a Inês Pereira ("Farsa de Inês Pereira" do Gil Vicente), que dizia "mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube". :-)

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Que lindo esse trabalho Inês, é tão importante levar a poesia e a poesia visual a outros lugares, principalmente na educação de crianças e adolescentes, as escolas deveriam ensinar a criatividade e os fanzines, inspirar as próprias criações dos alunos, infelizmente sabemos que não é sempre assim.

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