NAVALHAS AO VENTO

 

SURDOS NAS EMPRESAS E 
NAS SURDOLIMPIADAS

Os surdos deveriam ter autonomia com a aprovação da Lei 10.436/2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como segunda língua oficial. De acordo com o documento toda escola deveria ser inclusiva e todos deveriam apropriar-se do idioma. Mas na prática é só uma utopia. De acordo com o IBGE, cerca de 10 milhões de pessoas são surdas, o equivalente a 5% da população brasileira.

É sabida a dificuldade que o surdo tem para incluir-se numa sociedade sonora onde o silêncio não tem espaço. Nas escolas fala-se em inclusão, mas a inclusão que temos está longe de ser a ideal. Todo órgão público tem que ter alguém capacitado em Libras para atender ao contribuinte surdo, bem como as empresas oferecerem cotas para pessoas com deficiência e isso inclui o surdo. Mas será que a empresa está apta a recebe-los? Será humano joga-los no meio de ouvintes despreparados?

Hoje ouvi a notícia da 24° Surdolimpiada que acontecerá de 1° a 15 de maio do corrente em Caxias do Sul e lembrei de um triste acontecimento. Quando terminei a pós-graduação em Libras ouvi um  responsável pela contratação de funcionários de uma grande empresa contar que foi “obrigado” a contratar um engenheiro surdo para cumprir cotas. Entre gargalhadas usava o termo pejorativo “mudinho” e contava que o colocou para picar papel em uma mesinha no canto da sala porque não sabia o que fazer com ele. Um engenheiro, formado, que sofreu com a dificuldade linguística óbvia, sendo humilhado, tratado como um incapaz porque seu superior hierárquico é um incompetente insensível.

O mundo é cíclico e nos mostra as realidades mais perversas. No meu trabalho conheci um rapaz surdo, cada vez que ele vinha ao meu setor ficávamos horas conversando. Eu gostava porque era a oportunidade de treinar o idioma e ele me ajudava a sanar as dúvidas. E um dia surgiu o assunto da falta de respeito para com o surdo. Com os olhos vermelhos, visivelmente contendo as lágrimas, ele contou da pior época da sua vida, quando foi humilhado por um chefe que ficava fazendo “micagens”, como se ele fosse um "macaco dentro de uma jaula". Na época, recém formado, quase desistiu da profissão pela falta de profissionalismo, educação e respeito de quem o contratou. E isso não foi desconhecimento, foi falta de caráter. Para ele é inadmissível um surdo com nível superior.

Hoje o rapaz já consegue falar sobre o assunto, mas ainda é visível a dor que ele sente.. Será tão difícil praticar a empatia? Qual a possibilidade de qualquer um de nós ter um filho, neto, afilhado, vizinho ou amigo surdo? Como reagiríamos se um ente querido fosse tratado como esse rapaz?

Enquanto existirem pessoas sem empatia não poderemos falar em inclusão. Enquanto as diferenças não forem respeitadas continuaremos vendo a dor do outro como piada e a Lei continua muito bonita...no papel.


Isab-El Cristina Soares

Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.


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6 Comentários

  1. Muito verdadeira sua reflexão! Precisamos repetir e repetir assim atingimos algumas consciência, ao menos.

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  2. Muito verdadeira sua reflexão! Precisamos repetir e repetir assim atingimos algumas consciência, ao menos.

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  3. Triste e verdadeiro, falam em cotas, mas não vejo ação! Iguais a este empregador existem muitos, alguns fazem diferença por pura ignorância ,e outros falta de conhecimento. O fato é que dia após dia não evoluímos nesse assunto,estamos parados,em um mundo deficiente repleto de pessoas especiais! Mais uma vez amiga pelo texto.

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    1. Obrigada, Didia. Deficientes são os q não aceitam os diferentes.

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