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O Aumento

Nos chuveiros da fábrica, Tarciso e Genival se banhavam no final do expediente.

- E aí, Tarciso? Vamos tomar uma?
- Hoje não. Tenho um compromisso importante.
- Quando compromisso foi motivo para não beber?
- Mas hoje é sério.
- Motivo de doença?
- Não.
- Então é papo de mulher.
- Também não - sorriu Tarciso, enquanto se enxugava.
- Depois te conto. Agora não dá.

Tarciso se arrumou apressado e seguiu rumo às escadas. Ao subir os degraus, seus passos começaram a ficar lentos e vacilantes. A cabeça girava tentando formular frases e gestos. Passou a semana remoendo se deveria ou não tomar aquela atitude. Enfim decidiu. Daquele dia não passaria. Terceiro andar. Passou a mão pela testa suada. Lembrou que deveria ter pego o elevador. Já avistava a mesa da secretária, que, com ar entediado, falava ao telefone. Começou a fazer promessas a todos os santos e orixás que lhe vinham a cabeça. De pé, Tarciso aguardou por quinze minutos até ser percebido. Contrariada, a secretária disse que teria de desligar. Voltou-se para ele e perguntou se desejava alguma coisa.

- Por favor, gostaria de falar com o senhor Gervázio.
- Qual seu nome?
- Tarciso. Sou funcionário.
- Vou ver se ele pode atender - discou o ramal. Passado algum tempo, anunciou:
-Senhor Gervázio, tem um funcionário de nome Tarciso querendo falar com o senhor.
- E então? Posso entrar?
- Ele pediu que o senhor aguarde um pouquinho. Pode sentar. - Indicou, com a caneta, as cadeiras de espera.

Exatos cinquenta minutos passaram. Tarciso já achava melhor deixar aquilo tudo de lado. A úlcera começava a doer e a cabeça girava mais que pião. A secretária juntou alguns papéis que estavam sobre sua mesa. Bateu na porta da sala ao lado.

Senhor Gervásio, com a habilidade que só a prática dá, fechou a página erótica que minuciosamente analisava na tela do computador. Ela entrou. Lembrou do funcionário que aguardava do lado de fora.

- Que funcionário? Vem cá, dona Marisa. Senta aqui. - Mais quarenta minutos se passaram.

Tarciso já se levantava quando ela voltou.

- Pode entrar.

Agora não tinha mais jeito.

- Com licença.
- Pode entrar. Sente-se. Em que posso ajudá-lo?
- Meu nome é Tarciso e já trabalho quinze anos na sua fábrica. Nunca faltei um dia sequer. Mesmo quando doente. Nem atrasado cheguei.
- Hum...
- Se o senhor verificar minha ficha, poderá ver que não há nada que me desabone. Então gostaria de pedir...
- Hum...
- Gostaria de pedir um aumento.
- Aumento?
- Sim... Afinal, são quinze anos... A família cresceu... O senhor sabe como é...
- Claro. Entendo.
Tarciso quase saltou da cadeira.
- Entende mesmo? Então, quer dizer que...

Senhor Gervázio o olhou de forma penetrante. Parecia ler sua alma. Pegou o telefone e pediu que a secretária levasse a pasta com os documentos de Tarciso.

- O senhor deseja uma bebida?
- Não, obrigado.
- Cigarros?
- Parei de fumar.
- Sábia decisão, senhor Narciso. Folgo em saber que temos alguém com tanta perspicácia como o senhor trabalhando aqui.
- Tarciso.
- Tarciso, claro, Tarciso – estudou o rosto do funcionário por algum tempo.
– Sabe de uma coisa, senhor Narciso... Uma coisa que me incomoda é a visão errada que as pessoas têm de mim. Às vezes percebo que alguns funcionários me veem como uma pessoa fria e sem coração.
- Que absurdo.

A conversa continuou descontraída, circulando por assuntos leves, até dona Marisa cortar a sala com a esperada pasta na mão. O chefe agradeceu com cerimônia. Ela se retirou. Ele passou os olhos pelos documentos. Fechou a pasta e a jogou sobre a mesa.

- Realmente sua visita foi providencial.

Tarciso estava completamente aliviado. Deveria ter tomado a mais tempo aquela decisão.

- Eu realmente estava querendo falar-lhe – continuou o chefe, tomando nesse ponto um ar grave que deixou o funcionário confuso. – Nossa fábrica está passando por um momento difícil e estamos pensando em fazer alguns cortes.

- Cortes?
- Infelizmente. E teremos de começar por funcionários como o senhor, que estão muito além de nossas posses no momento.
- Mas... não pode ser...
- Lamentamos muito.
- Mas... se conversarmos com calma... podemos...
- Não nos sentiríamos à vontade pagando tão mal a alguém tão capacitado. Com certeza isso não será problema para alguém como o senhor. Qualquer empresa ficaria satisfeita em recebê-lo em seu quadro de funcionários.
- Não é tão fácil... Emprego está difícil... E...
- Não para o senhor. Tenho certeza.
- Por favor, senhor... Sejamos razoáveis... Esqueçamos essa história de aumento.
- Mas não é só o caso do aumento. Seu salário é inviável.
- Conversando... com certeza chegaremos a um acordo.
- A fábrica só pode pagar a metade que o senhor recebe.
- A metade?
- Sabia que o senhor não iria aprovar. Acho inclusive bem compreensivo. Não tomarei mais seu tempo.
- Tudo bem. Tudo bem. Eu aceito.
- Tem certeza?
- Claro.
- Então faça o favor de se retirar. Ainda tenho muito que fazer.
- Muito obrigado e desculpe o incômodo. O senhor é realmente um bom homem. Tem um ótimo coração.

Ao ver Tarciso fechar a porta, o garboso senhor Gervázio girou a cadeira, pondo-se de frente para o computador, onde iria voltar a analisar alguns corpos nus enquanto Tarciso descia as escadas orgulhoso. Queria chegar em casa e contar a mulher como heroicamente defendeu seu emprego.


Texto: Fabio da Silva Barbosa

   

Fabio da Silva Barbosa     Reginaldo Barbosa   

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