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Notívago

Desbravando a madrugada, seguia pela rua deserta. As mãos nos bolsos tentavam fugir do frio cortante. As pernas bêbadas me faziam rir. Passou um ônibus com uma galera zoando na janela. Acho que me chamaram de bolo de merda ou algo do gênero. Logo após, passou um triciclo majestoso. Seu ronco foi sumindo nas minhas costas até voltar a ficar sozinho na agradável companhia do mundo, do universo noturno. A chuva começou a cair fina. Olhei para o alto e avistei A Santa. Estava quase chegando. Ouvi um barulho de ônibus vindo atrás de mim. O barulho sumiu e o ônibus não passou. Não havia ruas para ele entrar. Seria um ônibus fantasma? Ouvi um barulho de moto vindo da mesma direção. Desta vez, era mesmo uma moto. Passou em disparada. Cruzei com um grupo no ponto de ônibus. Pelas caras desanimadas, já deviam estar ali por muito tempo e não acreditavam que o transporte viria antes do amanhecer. Consegui mais um bom pedaço sem avistar ninguém. Só aquele silêncio aconchegante, cortado pelo zumbido do vento. Agora, já vislumbrava as torres da igreja. Faltava menos ainda. Mas a caminhada estava gostosa. Não tinha pressa de chegar ao meu destino. Uma mulher surgiu correndo e quase me atropelou. Deve ter saído da esquina. Olhei para dentro da rua (de onde acreditava que ela tinha saído) e vi um casal ao longe. Olhei para trás. Ela ia a passos rápidos. Mais passos pela solidão noturna daquela madrugada fria. Conhecia muito bem aquele trajeto. Já o tinha percorrido diversas vezes. A chuva começou a apertar, o vento soprou mais forte, raios e trovões pelo céu e meus passos continuavam desapressados e bêbados. Um carro encostou-se ao meio fio bem na minha frente. Percebi que estava caminhando pela calçada. Não me lembrava de ter saído do meio da rua (meu local preferido  para essas caminhadas). Achei o carro sinistro. Percebi uma música muito animada emanando de seu interior. Não era nada de mais. Ninguém que estivesse planejando fazer maldade contra um notívago estaria ouvindo aquele tipo de música. Comecei a ter impressão que era um cara com uma mulher dentro do carro. Quando passei por ele, avistei apenas o motorista, que parecia me olhar fixamente. Ao terminar de passar, o carro acelerou ao máximo e foi na direção de onde eu vinha. Fiquei cismado por um tempo, mas decidi que não era importante. Não iria deixar que um carro sinistro com seu motorista problemático estragasse minha caminhada perfeita. Depois de mais alguns passos, avistei uma rapaziada coletando lixo e atravessei a rua em frente a igreja. Segui pela escura lateral. Quando avistei minha janela e reparei na luz acesa, pude constatar que ela ainda estava acordada. Que bom.


Texto: Fabio da Silva Barbosa

   

Fabio da Silva Barbosa     Reginaldo Barbosa   

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