ARTE E CULTURA

Júpiter Marte Saturno, novo livro

 de contos de Irka Barrios


Quando eu era pequeno não existia internet, a rádio era muito presente ainda no dia a dia e a nossa televisão era em preto e branco, já existiam aparelhos televisores coloridos, mas não tínhamos condições de adquirir um. No outono e no inverno o frio era muito forte e era comum ao final da tarde ficarmos pertos do fogão à lenha, nos aquecendo e escutando os mais velhos contando  histórias  e "causos". Os causos e histórias giravam em torno de algumas crônicas que relatavam os acontecimentos do  dia a dia, algumas lembranças dos contadores e muitas narrativas que traziam elementos de realidade fantástica e terror/horror, e essas sempre foram minhas favoritas. 

Ler o livro Júpiter Marte Saturno de Irka Barrios me trouxe o mesmo clima gostoso daqueles tempos. Irka é uma grande contadora de histórias, e isso ninguém pode negar. Seus contos trazem os elementos de realidade fantástica e terror/horror que muito me encantam, e, ao ler seu livro, eu tinha a impressão que estávamos todos em volta de um fogão à lenha naqueles fins de tarde, com um frio além da conta, comendo pinhão, tomando um café preto e, de repente, a Irka pegava a palavra e começava: "Já falei para vocês sobre uma história que minha avó contava, que aconteceu durante a Copa de 1974, quando um homem chegou todo retalhado em um hospital?", ou: "sabe, uma vez, o filho de um vizinho teve um cachorro que faleceu e...", ou então: "dizem que lá fora, no interior, tem uma fazenda em que existem peixes carnívoros". Ao terminar de contar suas histórias, sempre alguém da roda olhava para Irka com os olhos arregalados e, para completar o clima, dizia mostrando o braço: "olha, com essa até me arrepiei !!".

O livro reúne contos realmente muito bem escritos e que nos levam facilmente a pedir mais obras da autora. Irka escreve com grande desenvoltura, o que nos faz torcer para que alguns de seus contos sejam algum dia adaptados para o audiovisual, dariam ótimos curta metragens! O leitor não se cansa nunca e fica refletindo sobre eles durante bastante tempo, seja por causa das situações enfrentadas, seja pelo absurdo, ou ainda por identificação, já que a autora trabalha muito bem seus personagens. 

Preciso dizer, por fim, que Júpiter Marte Saturno cumpre fantasticamente bem sua proposta e que por diversas vezes pensei em dizer mentalmente para Irka: "Olha meu braço, estou todo arrepiado". 

(PS: Irka Barrios, você sabia que em 1992 eu fiz um velório do meu cachorro que se chamava Falcão? Você é vidente, Irka?)


Júpiter Marte Saturno

Autora: Irka Barrios

Editora: Uboro Lopes


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CONVERSA COM A AUTORA IRKA BARRIOS

No começo do ano conversamos com  a escritora Amanda Leonardi para gravarmos um episódio do podcast Coletive Som, dedicado às mulheres que gostam do gênero terror e pedi indicação de uma autora para fazer parte do programa junto com ela. Então, Amanda me indicou a Irka Barrios, e foi assim que conheci o trabalho desta escritora. O Arte e Cultura, além da resenha, foi conversar rapidamente com Irka, confiram!

IRKA BARRIOS 


JORGINHO: Como foi para você produzir o ótimo livro “Júpiter Marte Saturno”?

IRKA BARRIOS: Olá! Muito obrigada, é sempre uma alegria e (por que não dizer?) uma surpresa quando recebo retornos animados sobre meus livros. “Júpiter”, em especial, acho espinhoso, afrontoso, um cowboy atirando. Por isso é bom ouvir que as pessoas se conectam com os temas que me inspiraram. A reunião dos contos que compuseram a coletânea foi um processo de dois anos. Selecionei textos do passado e outros recentes, que surgiram durante o período da pandemia. Num determinado momento encontrei uma conversa ali. O livro tem uma espinha dorsal bem nítida, que tem a ver com o universo das mulheres, nossas lutas ganhas e também as que seguem em batalha. Mas tem outros eixos de interesse. É um livro de interpretação aberta, foi pensado dessa forma.


JORGINHO: Teus contos estão fantásticos, meus parabéns, muitos dariam ótimos curtas ou longa metragens, você já pensou em algo assim, em uma adaptação?

IRKA BARRIOS: Seria maravilhoso, e eu apoiaria, de verdade. Nunca tive a oportunidade de ver um texto meu adaptado para o audiovisual, embora exista uma possibilidade para “Lauren”. Sei que é um exercício de desapego. Não sou roteirista e teria que deixar o texto livre para a adaptação. Mesmo assim, tenho certeza de que seria interessante.



JORGINHO: Hoje, quais são as suas maiores influências artísticas?

IRKA BARRIOS: Citar Samantha Schweblin, Mariana Enriquez e Silvina O campo é lugar comum, né? Mas é isso, eu leio muita autora latino-americana. Maria Fernanda Ampuero, Alejandra Costamagna, Maria Jose Ferrada, e tantas outras. Também leio autores e autoras brasileiras da atualidade. Recebo (ou troco) muitos livros, e os leio. Estamos vivendo um boom da literatura brasileira, o que é bem promissor. As últimas mulheres brasileiras que li são Cris Vázquez (minha parceira de Ventanas), Júlia Dantas, Andréa Berriell e Dia Nobre. No horror, li Verena Cavalcante, Larissa Prado e todos os autores do Clube de Leitura Escuro Medo que acabaram de lançar a coletânea Amores Macabros, na Amazon. Na poesia, li Juliana Blasina e Sara Albuquerque. Ah, estou de leitora beta da ótima Clara Corleone.



JORGINHO: Como você está enxergando esse momento pós pandemia, esse momento de confusão política e social pelo qual passamos e se isso poderá impactar em novos escritos ou a realidade por si só já é assustadora demais?

IRKA BARRIOS: A minha escrita está definitivamente impregnada de tudo o que enfrentamos. E penso que muitos autores a autoras sentem o momento da mesma forma. A procura por livros, filmes e séries de horror é uma prova disso. A procura por oficinas de escrita de horror também. Muita gente que abordava outros temas, hoje quer trazer seus demônios para fora. Não acho ruim, são atitudes condizentes com os nossos tempos. A arte vem no pelotão de frente, apontando tendências. Não é de hoje, sempre foi assim.


JORGINHO: Quais os seus próximos planos para este ano?

IRKA BARRIOS: Estou a mil com o projeto “Escrita em corpo”, é meu projeto do coração. Somos eu e mais seis autoras explorando a criação literária e o corpo da mulher. Além disso, estou escrevendo dois romances, sigo publicando pela Revista Ventanas e pelo Escuro Medo. Acabamos de presenciar uma movimentação incrível de mulheres brasileiras que escrevem (o movimento para a foto histórica). Eu participei, ajudei a organizar a de Porto Alegre. Não consigo não participar, não me envolver. Criar conversas, conexões, isso é muito meu, e vem forte. Mesmo que eu não queira, quando vejo estou lá, no meio do furacão. Tenho o maior orgulho de dizer que estou no coletivo Mulherio das Letras RS desde o início. Aprendi a aprendo muito com as mulheres que se unem com o propósito de espalhar literatura.


JORGINHO: O que a Irka anda lendo, escutando ou assistindo?

IRKA BARRIOS: Além dos citados acima, quero citar o autor Roberto Denser que vai lançar “Colapso” esse ano e a autora Andréa Berriell, que vem com “Roxo”. São dois amigos incríveis que a literatura me apresentou. Li os livros enquanto estavam no kindle e adorei. Não estão mais lá, agora temos que esperar as editoras sortudas que os contrataram. Também li “Mil Placebos”, o livro de estreia de Matheus Borges (excelente) e sempre indico “A Floresta”, de Daniel Gruber. Assisti a série “O exorcista” e gostei muito. Também gostei do filme “X”, tanto que escrevi resenha no site Escuro Medo. Essa abordagem do horror, que explora o corpo envelhecido como algo monstruoso, me interessa muito. Estou ouvindo um grupo que acabei de descobrir: Jovem Dionísio (sim, ouço todos os dias).


JORGINHO: Deixe uma mensagem para o Arte e Cultura

IRKA BARRIOS: Muito obrigada pelo excelente trabalho de vocês. Precisamos de iniciativas que contemplem a arte e a cultura, especialmente num momento em que sofremos tantos ataques. No dia-a-dia corrido, a gente não percebe o quanto a arte nos faz falta. Até o dia em que nos deparamos com os efeitos que ela nos causa. Depois de dois anos, eu assisti a uma exposição no Cais do Porto. Foi intenso. Chorei de emoção. Não queria mais deixar a sala. Claro, nem todos são tocados da mesma forma, mas precisamos de experiências que nos retirem da dureza da realidade e nos levem a um lugar bom.


CONTATOS:

Irka Barrios


"Criar conversas, conexões, isso é muito meu, e vem forte. Mesmo que
eu não queira, quando vejo estou lá, no meio do furacão."
- Irka Barrios


AMANHÃ TEM PODCAST COLETIVE SOM COM IRKA BARRIOS E AMANDA LEONARDI, NÃO PERCAM! 


    Para escutar, pode ser aqui no site, ou no seu agregador favorito.


Jorginho

Jorginho é Pedagogo, Filósofo, ilustrador com trabalhos publicados no Brasil e exterior, é agitador cultural, um dos membros fundadores do ColetiveArts, editor do site Coletive em Movimento, produtor do podcast Coletive Som - A voz da arte, já foi curador de exposições físicas e virtuais, organizou eventos geeks/nerds, é apaixonado por quadrinhos, literatura, rock n' rol e cinema. É ativista pela Doação de Órgãos e luta contra a Alienação Parental.


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