CONTRAPONTO

 


Super herói

Essa semana me surgiu uma reflexão que me pareceu interessante, em meio a tantas outras divagações que tenho ao longo dos dias: o super heroísmo. Assumir muitas responsabilidades e se destacar como o melhor em tudo dá a impressão, mesmo que inconsciente, de nos validar diante da sociedade. Porém, quem faz isso, não percebe o sobrepeso que adquire e como será difícil se desvencilhar do excesso depois. Quando eu tinha uns 23 anos (há dez anos atrás) e entrei no meu atual trabalho, me sentia desconsiderada por ser a mais nova. Todos me julgavam antes mesmo de me ouvir e isso passou  a me incomodar tanto que comecei a "dar conta" de mais coisas dentro da minha função, ignorando até minha própria saúde em prol de provar que eu era capaz. Em um dos contextos, passei a competir com a única colega que fazia as pinturas de rosto nas crianças da escola durante as festas. Certo dia, essa colega percebeu que eu era a mais rápida, minha fila de espera era a maior e os meus desenhos eram mais requisitados. O que ela fez? Deu de ombros e se retirou de onde ela não era mais necessária. Assim, realizei meu grande sonho de pintar mais de 200 crianças numa tarde só, sem tempo para comer, ir ao banheiro, olhar para cima ou dizer "putz"! Lição aprendida!

Atualmente reparo em muitas pessoas com essa mesma atitude diante da vida. Tenho colegas de trabalho que querem sempre  ser as que dão a melhor opinião, conhecem melhor as crianças e as únicas que dominam os alunos mais difíceis. Ah, se dá uma louca na mantenedora e elas ficam responsáveis por tudo que dizem assumir! Uma amiga de outra área me relatava situações semelhantes acontecendo no seu ambiente, o que fortaleceu minhas reflexões atuais.

A minha maior dúvida é de onde vem essa necessidade de validação? Acredito que nossas relações e dificuldades atuais são sintomas de feridas que precisamos ver e sarar. Poderíamos dizer que são causas particulares, todavia os sintomas são quase gerais, o que pode significar que a causa está inclusa no sistema. Me questiono se nossa construção primária não estaria equivocada, pois se voltarmos nosso olhar para a infância e adolescência, sempre enfrentamos provas e notas que nos qualificavam na escola, nossas famílias nos compararam em algum momento e sempre existe os mais populares dentro de grupos relacionais em contraponto com os mais diferentes. Os jogos desportivos são outros espaços, que se tornam campos de batalha, especialmente o futebol aqui no Brasil, onde os jogadores passam a ser heróis ou vilões, dependendo do seu desempenho. A competição nessas atividades é tão acentuada, que os torcedores dos times adversários se tornam arqui-inimigo dignos de lutas corpo a corpo.

Até os que perdem a vida lutando por uma causa, se transformam em heróis, pois se esforçaram até a última fadiga, em prol de um ideal. Mas qual a recompensa diante de todos esses esforços os quais nós submetemos sem pensar muito?

Acredito, atualmente, depois de observar meus próprios erros, que não temos de dar conta de tudo e, muito menos, continuar esperando validações alheias para nos sentirmos parte de algo. Já somos parte desse mundo apenas por estarmos vivos. Não pertencer a uma manada ou ser reconhecido por ela traz uma imensa vantagem: a liberdade. Não vamos decepcionar ninguém, se não somos colocados na responsabilidade de cumprir condutas ou carregar mundos nas costas. Confio na eterna auto responsabilidade, que não sobrecarrega, mas liberta e completa.


Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.


04 ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, CRIANDO MUNDOS
Não espalhe fake news,
espalhe cultura!

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2 Comentários

  1. Pois é, Miriam, ainda bem q acordaste a tempo. Eu só percebi depois de estar totalmente afundada em compromissos, sem tempo p nada. Isso mesmo, garota, a vida é curta, não há tempo a perder querendo competir em tudo. Bju

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  2. Adoro tuas reflexões, essa mania de sermos super heróis acaba apenas nos adoecendo, que bom que acordou a tempo. A arte está linda.

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