ARTE E CULTURA


Longa nacional 'Dog Never Raised: Cachorro Inédito' estreia no 50° Festival de Cinema de Gramado


Filme experimental sobre obsessão por cinema e DVDs passa dia 16 de agosto na mostra gaúcha

Terceiro longa-metragem do cineasta gaúcho Bruno de Oliveira, "Dog Never Raised: Cachorro Inédito" terá sua première no 50° Festival de Cinema de Gramado, que acontece de 12 a 20 de agosto de 2022. Em sua trama, um larápio de rua fica obcecado com a ideia de realizar um filme após invadir um apartamento cheio de DVDs. Bruno também assina a produção, roteiro e montagem. O filme será exibido na terça (16), às 14h, no Palácio dos Festivais (Av. Borges de Medeiros, 2.697), seguido de debate com os realizadores ao final da sessão.

Com sequências em preto e branco e coloridas, Bruno de Oliveira acompanha as andanças e obsessões de seu protagonista sem nome e sem rosto. Uma narração em inglês o acompanha. "É um filme bem diferente dos outros, principalmente dos longas"observa o diretor de "Os Pássaros de Massachusetts" (2019) e "Ten-Love" (2020). "'Dog Never Raised' é um filme muito experimental que tem uma proposta mais próxima do terror/suspense e outros gêneros", define. Ele cita como principais influências os trabalhos de David Cronenberg ("Crash") e Robert Eggers ("O Farol"). A trilha sonora é assinada porGustavo Peixoto (do projeto musical ALE) com colaboração do diretor.

"Dog Never Raised" foi rodado em 2020, no auge da pandemia, com uma equipe mínima por questões de segurança. A edição levou cerca de um ano e meio para ser concluída. É através do cinema que o ladrão encontra um novo sentido na vida, o que acaba por afetar a própria linguagem cinematográfica. "Esta relação com o cinema que nos meus filmes anteriores era um pouco mais saudável ou otimista, em 'Cachorro Inédito' é mais sombria, - ela toca a obsessão, a doença", avalia. “É um filme muito influenciado pela minha relação com DVDs, com o cinema mesmo, com o fazer do cinema. Considero meu filme mais maduro até então", conclui.



Sobre Bruno de Oliveira


Bruno de Oliveira estudou Cinema e Audiovisual na UFPEL e atualmente cursa Teatro na UFRGS.O trabalho do diretor busca sempre ser reinventado através da relação com a linguagem, gênero e escopo de produção que inclui um pensamento político-estético radical e experimental. Dirigiu vários curtas, entre eles "A Antologia de Antonio" (exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes em 2017) e "Maçãs em Fogo" (exibido no Festival de Gramado em 2018). Seus créditos incluem os longas-metragens "Os Pássaros de Massachusetts" (disponível no streaming Amazon Prime) e "Ten-Love" (Sulflix), lançados no Festival de Gramado em 2019 e 2020, respectivamente. Agora lança "Dog Never Raised: Cachorro Inédito" no 50° Festival de Cinema de Gramado.


Cachorro Inédito

Dog Never Raised
2021
Bruno de Oliveira
71 min


Mais uma vez muito tempo sem postar. Montando uma nova carreira. Enfim, zerando tudo novamente. Mais uma vez convidado pelo ColetiveArts para exaltar uma obra recém feita, mal saída do forno, inédito até 2022. Dessa vez, faremos a análise em primeira mão do perturbador Cachorro Inédito. Terceira peça do diretor Bruno de Oliveira.

Adianto: um filme único na sua essência e pesado no seu propósito.

Eu poderia fazer essa análise de uma forma bem engessada: narrativa, estética e substrato. Literalmente um bloco de texto para cada um dos aspectos. Nada fora de uma crítica padrão a não ser pela dureza da forma escrita. Mas não o farei. Não combina com o filme. Cachorro Inédito é daqueles filmes que te convida para uma viagem. No caso, uma viagem pela mente do diretor e roteirista. Beirando o experimentalismo. Usando dele. Mas com ideias bem sólidas o que me tira dessa linha de raciocínio e me leva a reflexões pessoais. Talvez por ter as mesmas referências que o autor faz questão de colocar em tela.

No primeiro bloco (vou chamar os atos de blocos pois para mim faz mais sentido) temos uma proporção de tela 4:3 e a opção de usar o famigerado preto e branco. Todos os planos são um quase plano detalhe, sempre em plongée. Daí a estranheza. Daí pensamos ser um filme experimental. Dentre várias outras escolhas estéticas não ortodoxas. No caso, é uma escolha junto à narrativa. O que nos leva para uma construção mais sólida do que o puro prazer de experimentar. Acompanhamos um ladrão. Andando na rua, pulando muros, entrando na casa de alguém. Um ladrão poético, com falas semi poéticas, reflexivas. Lá pelas tantas ele rouba um filme. Isso é importante. Devo citar que esse filme é O Quinto Elemento (Luc Besson, 1997). Devo dizer também que não é importante para a história qual filme, e sim, que é um filme. Uma cópia em DVD. Isso sim é importante.


O ponto de virada fica em uma cena de sonho após um dia difícil vendendo as tralhas roubadas para poder comer(isso é depois, mas ok, poderia ser agora). No melhor estilo Gollum dentro de suas cavernas, charadas, comendo peixe cru, o nosso protagonista sem nome e nem rosto, fica obcecado pelo objeto circular e brilhante: ele me chama, o brilho me chama, eu preciso fazer o brilho girar. É o que a personagem nos fala em um bom inglês cheio de sotaque gaúcho. O filme é todo falado na língua bretã.

A sequência segue em algumas montagens ao som de uma batida de tecno industrial inglês noventista. Talvez nem seja esse o estilo, não manjo muito de eletrônico. Mas é algo como as batidas do Prodigy ou Chemical Brothers. Enfim, referências da falecida MTV nos anos 90. Talvez o house que o Yuzo Koshiro roubou para fazer uma das melhores trilhas sonoras da história. Talvez. De todo modo essa sequência acaba com a aquisição de um tocador de DVD e uma TV de tubo. Poderia discorrer sobre os modelos de cada um mas vamos adiante que é tarde e vem chuva.

Então nosso amigo ladrão está munido de equipamentos para dar liberdade a sua obsessão. Lembram que ele tinha roubado o filme do Bruce Willis, certo? Então, não interessa. O primeiro play dele é em Videodrome, do David Cronenberg, de 1983. Agora sim pode se agarrar nessa referência. Aqui o filme ganha sentido e o coração desse velho fã (que vos fala) de quase tudo que saiu entre 75 e 95. Mas! Nunca tinha visto Videodrome. Inclusive essa análise está saindo alguns dias atrasada pois tive que ver essa peça que estava na minha lista há pelo menos 20 anos, algo assim. Logo eu, um fã incondicional de A Mosca, de 1986, do Cronis também. É, normalmente demoro um pouco para ver e ler algumas coisas.

Voltando ao Videodrome. Pelo que já sabia do filme, ao passar por essa cena em Cachorro Inédito, onde vemos uma sequência quase completa na TV do nosso ladrão preferido, percebi o rumo que estávamos tomando. Até por isso, tive que ver o Drome antes de escrever. Trata-se de uma crítica pesada quanto a relação político/social que as pessoas tinham com a televisão no início da década de 80. A tela hipnotizante. Alienante. A primeira tela que todo mundo criticava mas que todos tínhamos em casa. “Desliga esse vídeo game, guri! Vai estragar a televisão!”, diziam nossos pais. Porém nos davam videogames e assistiam muito mais que nós. A sequência era: telejornal, novela e futebol. 4 horas contadas no horário nobre. Enquanto poderíamos jogar somente 1 hora por dia.


Voltando: é aquela velha questão: vale tudo pela fama e dinheiro? O quanto de moralidade e ética devemos deixar para trás? Tanto para produzir, consumir ou reproduzir violência estética. O quanto desta violência vai transbordar e vir para a realidade? E toda essa violência atrelada a pornografia? Vale conteúdo pirata nessa desgraça toda? Basicamente, a discussão que temos sobre as nossas telas de hoje com mídias sociais e exposição extrema. Está tudo muito bem adiantado em Videodrome. O que entendi daqui para frente em Cachorro Inédito foi justamente o substrato gerado em um fã desse tipo de conteúdo durante anos. E que resolveu virar um cineasta.

Não que tenha consumido violência e pornografia o suficiente para virar um maníaco. A questão é: ter consumido esse cinema mais livre destas décadas passadas onde ainda existia espaço para reflexões políticas mais assertivas enquanto divertiam a grande massa. Não que hoje não exista, porém, creio que hoje em dia tudo é muito mais medido e filtrado. Não do ponto de visto de discurso, digo do ponto de vista estético e criativo do autor. Lembrando também: estou falando de Hollywood. Claro que o nosso diretor, o Bruno, colocou referências muito mais profundas em Cachorro Inédito. Só estou exacerbando o que está jogado na tela e o que conversa com as cenas que vemos. Inclusive, creio que dessa mescla de ideias, lembranças e sentimentos, nasceu Cachorro Inédito. Pois por mais que nos voltemos ao cinema de gênero independente, sempre lembraremos da nossa infância e adolescência no meio dos anos 90. Onde o acesso a conteúdos construtivos era muito complicado. E quando nos deparamos com esse tipo de conteúdo, a nossa vida mudou. Digo isso pois também tentei ser um cineasta. Fui até onde consegui. Entendo o ponto completamente e gosto muito.

Para não dizer que isso tudo foi loucura da minha cabeça, o que se segue no filme é justamente isso. Vemos a mente de um cineasta tentando pensar em seu próximo projeto. Tem que ser sobre solidão? Tem que ser sobre violência? Na tela, cenas de Evangelion, anime episódico de 1995. Me desculpem o spoiler, mas essa eu tinha que citar. Ainda tem cenas de O Massacre da Serra Elétrica, de Tobe Hopper, 1974 (meu slasher preferido de todo o sempre) e Scanners, do Cronis também, de 1981. Ou seja, não tem mais o que falar. Vejam esse filme no cinema. Provavelmente o filme brasileiro que mais me tocou em muito tempo. Tanto por usar das mesmas referências que eu tenho quanto pela belíssima
execução.

Me desculpem por não focar em uma analise/crítica mais linear. O filme é esse. O filme é assim. Desconstruído para construir uma narrativa sobre a mente do cineasta perturbado pela sua iniciação cinematográfica e pelo peso do exercício criativo do presente. Tanto na concepção quanto na execução. E isso é lindo demais. Pelo menos para mim que já partilhei do sentimento.

Verei novamente no cinema.

…e tem uma referência a Hotline Miami alí? Ou seria a Oldboy? Um filme de referências bem utilizadas, diria eu. Novamente, lindo.

Nota: Que se foda nota. Só veja. A arte pela arte por vezes compensa. E muito.


"Dog Never Raised: Cachorro Inédito" de Bruno de Oliveira

Drama | 71 min. | Brasil
Quando: 16 de agosto, às 14h | debate com os realizadores ao final da sessão
Onde: Palácio dos Festivais (Av. Borges de Medeiros, 2.697 - Centro, Gramado - RS)
Entrada franca
Sinopse:
Um larápio de rua fica obcecado com a ideia de realizar um filme após invadir um apartamento cheio de DVDs.

Elenco: Bernardo Bordini, Marcos Brique, Flávio Isaac, Helga Barcellos e Georgia Barcellos
Direção, Roteiro e Produção: Bruno de Oliveira
Montagem: Bruno de Oliveira
Direção de Fotografia: Bruno de Oliveira
Som: Bruno de Oliveira
Trilha Sonora Original: Gustavo Peixoto e Bruno de Oliveira
Desenho de Som: Bruno de Oliveira

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TRAILER:


André  Moraes André  Moraes é Cineasta, Escritor e criador do Wasd Space. Também escreve a coluna O Simióide todas as segunda aqui no Coletive em Movimento. 

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