CONTRAPONTO

 

Pagar a conta ou não?

Recentemente surgiu uma polêmica na mídia devido a uma fala do ator Caio Castro relativo a pagar a conta do jantar nos encontros. Para quem quiser conferir o vídeo na íntegra, está no canal do Youtube da Renata Diniz, Sua Brother, com o título: Homem bonito não precisa xavecar? Feat Caio Castro. Quando a Renata perguntou “Você é romântico?” O Caio fica inicialmente reticente, pensando o que seria ser romântico e ainda pede para ela definir. A entrevistadora diz que ser romântico poderia ser aquele que toma atitudes à moda antiga, tipo “gentleman”. Então o rapaz dá a resposta que gerou inúmeras interpretações, polêmicas e memes:

“Tem uma diferença de você pagar a conta e ter que pagar a conta. Me incomoda muito, muito, muito, que é o que eu não quero, essa sensação de ter que sustentar, ter que pagar, eu ter que isso, eu que tenho… Eu não tenho que p*rra nenhuma, pra começar. Tá? Assim, faço questão de te chamar para jantar… pô… vou no banheiro e já pago a conta. Chegou a conta? Não chegou nem a conta, já tá tudo certo. Ser sensível nessas coisas também.” (trecho transcrito do vídeo original)."

Muitas pessoas focaram no trecho “essa sensação de ter que sustentar, ter que pagar, eu ter que isso, eu que tenho… Eu não tenho que p*rra nenhuma, pra começar” e se manifestaram contra ou a favor da fala do ator. Alguns influenciadores importantes também opinaram sobre isso, como a Luiza Vono, influenciadora feminina de relacionamentos, que se manifestou contra a ideia de obrigatoriedade do homem em pagar a conta, levando em consideração que tal ato não valida o caráter ou as qualidades deste homem. Outra youtuber feminina (não vou lembrar o nome agora) lembrou de muitos casos de homens que arcam com os custos de jantares, presentes e contas, mas agridem, coagem e ameaçam as mulheres, mantendo-as cativas pela dependência financeira. Já o Felipe Neto, outro criador de conteúdo digital, se manifestou a favor do homem cobrir os gastos do encontro, levando em consideração que a vida de mulher já é mais cara que a dos homens, então o certo é pagar a conta.

Dessa situação toda, surgem algumas perguntas importantes: O homem deve ou não deve pagar a conta do primeiro encontro? Não pagar a conta é sinal de mau caratismo? Levando em consideração que as roupas, acessórios e cuidados femininos são mais caros que os masculinos, faz sentido os homens terem de pagar a conta nos encontros? Para as mulheres se defenderem de possíveis agressores, é melhor elas terem domínio total dos próprios custos e não aceitar jantes pagos? Eu sou mulher, solteira, tenho 33 anos, tive muitas experiências em relacionamentos e encontros e irei falar a minha opinião.

Como mulher, afirmo que sem sombra de dúvidas o custo de vida é mais caro que o de um homem. Até no dia em que fui comprar brindes para a festa junina da escola, constatei que ser do sexo feminino demanda mais dinheiro - enquanto um carrinho custava R$ 2,00, uma boneca pequena, feia, parecendo a Barbie-Anabelle, custava R$ 10,00. Ainda recebemos menos que um homem pela mesma profissão e as empresas têm dificuldades de contratar mulheres por receio que estas engravidem, além de outros preconceitos. Porém - para mim - não faz sentido jogar essa conta no colo de um “crush”.

Querer que o homem pague obrigatoriamente o jantar, porque o custo de vida da mulher é mais caro - no meu ver - seria o mesmo que eu chegar no restaurante e me cobrarem um valor maior pela comida porque os últimos clientes a sair não pagaram toda a conta. Invés de ir na raiz do problema, está sendo cobrada a reposição por parte de quem não tem culpa (salvo os casos em que o “peguete” em questão seja o dono da Mary Kay ou da Kouvin Klein!). A forma como ainda está organizada a nossa sociedade é o problema! Nossas ancestrais femininas lutaram por liberdade e direitos mas a luta ainda não acabou. Existe apenas a sensação de que estamos seguras, porém se nos descuidarmos, podemos voltar a ser propriedades invés de pessoas.

A prova disso está na forma como a mídia retrata a mulher brasileira. Alguém conhece algum programa televisivo em que homens dançam seminus, sorrindo e sensualizando? (Inclusive o corretor do word queria trocar essa palavra para “seminuas”) Mas temos inúmeros programas em que mulheres com bunda acentuada, peitos fartos e barriguinha fina aparecem dançando e sorrindo o episódio inteiro - é quase um mostruário de filé no açougue. Se parar para pensar, deve doer a cara e as pernas dessas mulheres, de tanto que sorriem sem motivo e das horas que passam em pé, o programa pode durar 1 hora na TV, mas as gravações levam muito mais tempo. Com essa objetificação da figura feminina, fica mais difícil ainda a nossa luta por respeito e o “peguete” do encontro não vai amenizar a vida, tão pouco facilitar a luta que ainda temos pela frente para desmistificação de muitas ideias equivocadas, pagando os gastos do encontro.

Quando me programo para sair, é porque tenho dinheiro para pagar o que vou consumir em determinado lugar. Portanto, não faz a menor diferença se o “boy magia” vai fazer a gentileza de pagar para demonstrar algo ou não. Falando de demonstrar, pagar ou não pagar a conta como gesto de carinho não significa nada se não estiver atrelado com tudo que aconteceu antes e durante o jantar. Cabe a nós, mulheres, donas de imensa intuição, sermos sinceras conosco e ver qual o caráter e as intenções do nosso acompanhante. Nesse ponto, concordo plenamente com a fala da Luiza Vono. Se ele é educado na forma como se expressa, quais os assuntos que ele gosta de conversar, como ele relata os seus comportamentos nas histórias que conta espontaneamente são pistas de quem o nosso acompanhante é. Todo esse conjunto deve ser visto não porque temos de avaliar as pessoas, mas porque temos o dever de nos proteger e nos privar de determinados indivíduos que não condizem com o que queremos.

Se o “crush” tem boas intenções, o encontro é leve, é gostoso e ele quer demonstrar seu afeto pagando a conta, não existe mal nenhum! Isso virá naturalmente. Porém é fato que nós, mulheres, devemos ter cuidado redobrado com homens machistas, agressivos ou irritadiços, que veem o ato de pagar a conta como se adonar da companheira, poder abusar e usar como puder ou ser melhor que ela, porque tem mais vantagens sociais.

Uma vez sai com um rapaz que conheci no tinder. Ele parecia legal pelas mensagens, era final de semana e eu ia viajar no dia seguinte. Topei! Durante o jantar, fui captando determinadas atitudes, pequenas histórias espontâneas que ele contava e como tinha uma certa agressividade camuflada. Nos dias seguintes, ele continuou conversando sobre coisas desagradáveis comigo e, depois de tentar cortar esses assuntos numa boa e sem sucesso, bloqueei o rapaz. Não precisei esperar 1 hora! Logo recebi mensagens de outro número me insultando, era ele furioso! “É assim que tu faz? Por que tu me bloqueou? Tu bloqueia teu namorado? Tu bloqueia teus amigos? Tu bloqueia tua família?” e seguiu insistindo na história de forma agressiva. Mas tinha sido um “gentleman” no primeiro encontro pagando a conta espontaneamente.

Concluindo minha reflexão, pagar ou não pagar uma conta não significa nada. Inclusive não deveria ter sido o foco da pergunta “você é romântico?”. Acredito que pagar a conta de um jantar ou dividir essa mesma conta deve ser feito com leveza. Obrigação, realmente, ninguém deve ter. O homem não tem a obrigação de pagar tudo, assim como a mulher não tem a obrigação de beijar ou transar. Dinheiro não define e nunca definiu caráter. São nos pequenos gestos e nas palavras espontâneas que percebemos quem é a pessoa com quem estamos nos envolvendo e se condiz com o que queremos ou não queremos para nós mesmos. O Caio Castro não falou nada de punível, ele apenas foi sincero em cima de um assunto tabu. Um amigo meu do Coletive, me disse que sempre pagou as contas dos encontros. Se não me engano, ele tem acima de 45 anos e até pouco tempo o homem ainda era visto como o provedor maior da família (em alguns lugares, mesmo em 2022, ainda é assim). Já o ator da polêmica tem 33 anos. A partir dos anos 90, nasceram muitas pessoas que questionam crendices com mais frequência (essa característica dá outro texto). Assuntos que sempre foram tidos como verdades inquestionáveis passaram a ser questionadas (sou um desses indivíduos polêmicos!) A vida é evolução. Temos que discutir, desmistificar, reavaliar e testar novas possibilidades.


Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.


04 ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, CRIANDO MUNDOS
Não espalhe fake news,
espalhe cultura!


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4 Comentários

  1. Miriam, mais um texto irretocável! Brilhante reflexão, é de se pensar muito, por hábitos, por costumes, até pela criação que cada um de nós tem ...

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  2. Já paguei a conta, já dividi conta e já pagaram para mim. E daí? Em nenhuma das três situações eu me senti mais ou menos mulher. Em todo o relacionamento, até numa amizade, tem q ter parceria. Se o cara quer pagar, beleza. Se quer dividir, beleza. Se tá apertado, sem dinheiro, beleza.
    Tem muita feminista que só quer direito e nenhum dever.

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    1. Exato, Isab! O feminismo nunca surgiu para que nos colocássemos acima de ninguém, mas para nos defender da injustiça e nos igualar em direitos! Temos que cuidar para não sermos injustas como o machismo foi conosco há anos.

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  3. Texto mais que necessário, Mi. A forma como tu retrata assuntos polêmicos aproxima e faz a problemática ser simples, acessível e convida a refletir com exemplos usuais..isso ajuda muito, torna teu texto para além da crítica... muito bom!!!!

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