ESSE ESTRANHO NOVO MUNDO

 


A Ameaça da Bíblia na Mão nesse 
Estranho Novo Mundo

A palavra bíblia deriva do idioma grego e originalmente designava qualquer livro. Só bem mais adiante na história, passou a se referir apenas à livros sagrados.

A Bíblia não se restringe a um único livro, mas a um conjunto de livros considerados pela comunidade religiosa como sendo a mensagem de Deus para os seus povos. Mas é importante salientar que essa compreensão se deu em um desenvolvimento confuso e em meio à muitas disputas religiosas acaloradas.

Um dos personagens mais relevantes dos Antigos Testamentos bíblicos é  Abraão, cuja história é considerada a fonte das três grandes religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e a religião islâmica. Todas as três apresentam grandes convergências e tantas coincidências, que podem ser entendidas como versões que surgiram em distintos contextos históricos e por isso são conhecidas como “religiões abrâmicas”.

A definição de Bíblia é a de um conjunto de livros adotados como “canônicos” (como fonte de fé e doutrina) pelo Cristianismo. Mas como há uma divergência entre a noção de “cânon” pelas várias vertentes do Cristianismo, quando se fala aqui no Brasil em “Bíblia Sagrada” deve-se perguntar se é a versão católica ou a versão protestante. Em relação ao Judaísmo, há uma convergência de aceitação apenas dos livros do chamado Antigo Testamento.

Segundo o teólogo Frei Carlos Mesters, um renomado estudioso do tema: “não foi uma única pessoa que escreveu a Bíblia. Muita gente deu a sua contribuição, homens e mulheres, jovens e velhos, pais e mães de família, agricultores e operários de várias profissões, gente instruída que sabia ler e escrever e gente simples que só sabia contar histórias...”

É um pensamento corrente e aceito entre os estudiosos de literatura, que todos os livros são passíveis de interpretações, mesmo aqueles considerados sagrados.

Então como não fazer múltiplas interpretações de textos escritos há mais de dois séculos, com o uso recorrente de simbolismos, metáforas, hipérboles, parábolas e outros tantos recursos linguísticos? Como não levar em conta o entendimento do mundo, a compreensão da natureza e da vida de pessoas que viveram há mais de dois mil anos?

Há muito estudos bíblicos porque certamente há muitos ensinamentos a serem retirados de tantos escritos. Mas sempre é importante usar o filtro da sensatez e nunca pensar que tudo deve ser entendido ao “pé da letra”, sem levar em conta o contexto histórico e as inúmeras versões que foram feitas para atenderem os interesses de quem detinha o poder religioso e político.

Na história da humanidade todas as vezes em que textos “sagrados” foram interpretados para favorecerem os donos do poder, causaram desavenças, execuções e guerras a tal ponto em que se pode afirmar sem erros, que nenhuma outra causa resultou em tantas mortes na história da humanidade, como “em nome de Deus”.

Pois no atual momento histórico em plena vigência do vigésimo segundo ano do século XXI temos uma sociedade brasileira cuja a imensa maioria dos seus cidadãos segue alguma religião, o que está garantido em nossa Constituição e que ainda garante que o Estado é laico. O que não é constitucional é usar conceitos religiosos como pautas políticas e ideológicas.

No primeiro turno das eleições houve muitos relatos de eleitores que se dirigiram à suas sessões eleitorais portando bíblias em suas mãos. Em muitas comunidades nas periferias das grandes cidades em que há um conjunto de precariedades de escolas e postos de saúde, não faltam construções servindo de templos religiosos. Agora no segundo turno, há relatos de pastores pedindo que seus fiéis jejuem até o dia 30, para que Deus proteja a nação?! Talvez porque seja mais fácil pedir jejum aos que já passam fome cronicamente.


Um professor de História que conheço, me relatou que foi procurado por um ex-aluno que precisava conhecer algum livro do Michel Foucault. Perguntado o porquê, explicou que estava sendo patrocinado pela Igreja Universal do Reino de Deus e assim como ele, vários outros jovens estavam sendo financiados para concursos de Delegados e na Justiça Federal.

Não é difícil presenciar na mídia depoimentos de pessoas que citam o nome de Deus e proferem trechos de versículos, mas estão preenchidos por medo e ódio aos diferentes. E o pior de tudo, não se dão conta que pensam e agem como se fossem autênticos anticristãos! Conheço pessoas que se declaram ateus e que seguem mais os princípios cristãos que esses.

O fato é que junto ao conservadorismo, que sempre esteve presente em uma parcela expressiva da sociedade brasileira, houve a emergência de um “nacionalismo cristão”. E para não achar que esse fenômeno se restringe às igrejas evangélicas neopentecostais, não podemos esquecer que na Igreja Católica existem setores muito conservadores, que se opõe ao braço social da instituição religiosa.

A ameaça se consolida diante do conflito de um estado laico com uma sociedade de bíblia na mão.

Em um governo que triplicou e facilitou o acesso da população às armas de fogo, a junção desse quadro com um nacionalismo cristão fundamentalista me causa temores. Com armas e bíblias nas mãos de cidadãos, me pergunto, que tipo de sociedade estamos gerando nesse estranho novo mundo?





João Luís Martínez 

João Luís Martínez é ator, escritor, diretor, dramaturgo e roteirista atuando nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web) há mais de trinta anos. Desde 2011 faz parte do corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo, uma instituição prestigiosa na cultura porto-alegrense, onde ministra cursos e oficinas de roteiro. Há três anos ministra as suas oficinas de modo on-line, contribuindo para a formação de novos roteiristas para o mercado.


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