NAVALHAS AO VENTO

 

ADEUS COPAS DO MUNDO

Sou uma mulher atípica, não gosto de novela e sempre gostei de futebol, qualquer campeonato, aliás, até partida de várzea tem minha atenção. Quando criança eu deixava de brincar de bonecas com as meninas (coisa que eu era quase obrigada por ser uma garota) para jogar futebol, era minha grande paixão e trouxe essa paixão até hoje. Mas meu grande amor era a Copa do Mundo, era mágico ver meu país entre os melhores do mundo. Esse amor durou até a copa de 2018 quando a França foi campeã e a Croácia foi a vice.

A copa do mundo me leva de volta a minha infância. Meu avô, o Gama, carinhosamente
chamado de Tio Gordinho pelos sobrinhos, nos deixou em 1969. Lembro que nos jogos que antecedem a copa ele estava em cadeira de rodas devido ao câncer na coluna e cada vez que a bola rolava ou que ele ouvia o hino, suas lágrimas rolavam num choro dolorido de quem sabia que não acompanharia os jogos até a final.

Lá fora sofríamos com a ditadura, muitos estavam sendo torturados nos porões do DOPS, inclusive alguns primos e tio e a Copa do Mundo de 1970 veio para amainar a dor de uma nação mantida sob os coturnos dos militares. E a copa veio colorida, no Brasil a primeira transmissão de TV em cores aconteceu em 1970, da Copa do Mundo de Futebol no México. No dia 21 de junho de 1970, no Estádio Azteca, cidade do México, o Brasil faz 4x1 sobre a Itália e conquistava o tri, Pelé ergue a estátua Jules Remet ao lado do Gal. Emíio Garrastazu Médici, presidente do Brasil.

O colorido mágico da telinha enchia a sala da casa da tia Hélia onde nos reunimos para torcer pelo nosso país, enrolados em bandeiras, sorrindo, vibrando por nós e pelo meu avô que não pode estar conosco. A recordação que tenho de copa do mundo é a de família unida, hoje não mais nos reunimos, mas o carinho pelos meus primos, pelos meus padrinhos, Dodô e Tânia, minhas tias avós e minha bisavó, Dona Olímpia por muitos anos foram minha base emocional para reviver a copa de 70 em cada copa que eu assistia.

Em 30 de junho de 2002 eu assistia a final da Copa disputada na Coréia do Sul quando o Brasil venceu a Alemanha por 2x0 conquistando o pentacampeonato. Eu estava sozinha em casa, vestida de verde e amarelo, bandeira enrolada no corpo, com a imagem do Coração de Jesus da minha avó, dona Conceição, no colo. eu ria e chorava orgulhosa por vestir a camiseta canarinha. No final da partida fui com meus filhos para o Sítio de lazer City Park em Cachoeirinha para comemorar com outros brasileiros felizes. A bandeira hasteada na entrada, botei a mão no peito para honrá-la em silêncio ao passar pelo portão. Eu tinha orgulho, amor e respeito pelos símbolos nacionais.

Tudo isso foi destruído. Hoje já não tenho mais o amor que tinha pelos nossos símbolos, aliás peguei ranço e nojo desde que acéfalos se apropriaram das nossas cores e as usam como bandeira de um partido e de um presidente corrupto e mau. Nossos símbolos usados como manto de machistas, hipócritas, misóginos, racistas que cantam o hino para pneus e bloqueiam estradas impedindo o trânsito até de ambulâncias fizeram com que o amor que eu tinha pela copa e pela bandeira se transformassem em nojo e tristeza.

Essa gente terminou com meu passado de assistir copas do mundo honrando nossas cores. Por mim a disputa pode terminar no primeiro jogo, as cores verde e amarelo já não me representam porque tenho medo de ser confundida com um bolsominion acéfalo. Nossa maior vitória já aconteceu: foi a vitória da democracia no dia 30 de outubro.

Um dia, quem sabe, quando os bolsominions tiverem voltado para o esgoto, de onde nunca deveriam ter saído, possamos voltar a usar nossas cores e amar nossa bandeira. Continuo brasileira, amo meu país, não bato continência para símbolos de outros países e não entro naquela loja que homenageia a Casa Branca. E para aqueles que adoram "vomitar" que sua bandeira jamais será vermelha, lembro que a atual bandeira do Brasil é a mesma do Brasil Império e que o nome do país vem da árvore pau-brasil, abundante nas nossas terras e que significa "vermelho como brasa".

Isab-El Cristina Soares

Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.


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