A Mulher Rei
Viola Davis. Excelente atriz! Sua trajetória na indústria cinematográfica fala por si. A Amanda Waller do universo DC, protagonista do ótimo A voz suprema do Blues e tantos outros títulos expressivos, Viola Davis é um nome imponente, uma atriz que traz peso e credibilidade às suas atuações. Muitos adjetivos podem ser dirigidos a Viola Davis, opiniões diversas sobre seu trabalho e atuações; a forma como eu a vejo é esta, uma atriz imponente, segura, difícil vê-la atuando em produções “caça-níqueis”, ruins, de qualidade duvidosa, como ocorre volta e meia com atores e atrizes aos quais eu considero muito bons, como Nicolas Cage. Pois assisti a uma entrevista de Viola Davis à televisão brasileira, em que era divulgado seu último trabalho, trazendo-a ao Brasil para este fim, visto que historicamente há uma importância grande da história narrada no filme em questão com a cultura brasileira de uma forma geral. O filme: A Mulher Rei.
Vamos falar do filme A Mulher Rei. Em que pese, um blockbuster hollywoodiano, com todo o peso de uma super produção cinematográfica. Pensado para ser um épico histórico ao estilo 300, que contava a história dos bravos Espartanos frente a uma armada persa muito superior, A Mulher Rei traz ao público a incrível história das temíveis guerreiras Agojie, a guarda real do Rei Guezô, do Reinado de Daomé, na África Ocidental. Com uma visão do filme sob este prisma, de estar à frente de uma produção cultural com o caráter de divertimento e entretenimento, o filme cumpre bem o seu papel. Personagens romanceados, onde Viola Davis entrega uma atuação maravilhosa, como é sua característica, porém com uma imposição física impressionante para uma atriz de 57 anos! Muito bem acompanhada em tela, onde Lashana Lynch, a Maria Rambeau do MCU traz para nós uma interpretação também potente, vivendo a poderosa guerreira Izogie; Thuso Mbedu divide o protagonismo exercido pela General Nanisca, vivida por Viola Davis, e dá vida à personagem Nawi, ao passo que John Boyega interpreta o Rei Guezô, de Daomé. Sem entrar em spoilers, as coreografias de ação do filme são muito boas, mostrando a ferocidade e perícia destas destemidas guerreiras. Lembram as Dora Milaje do Universo Marvel. Um minuto! Não só lembram, estas personagens fictícias da cultura pop são baseadas nas verdadeiras guerreiras que existiram, as Agojie. As semelhanças não são coincidências, a criação das Dora Milaje foi fruto de pesquisas sobre estas guerreiras. Este filme diz muito a nós, os brasileiros, pois a origem de muitos dos negros cativos que vieram para nosso país através da Diáspora Africana são desta região. Assistindo ao filme, você se identifica com muitos hábitos, costumes, sincretismo religioso, palavras, enfim. Milhões de brasileiros têm seus ancestrais nascidos lá. Faltou aos produtores do filme introduzirem brasileiros, pois (aqui vai uma pequena crítica), na versão legendada, com áudio original em inglês, o Rei Guezô, interpretado por John Boyega (um elogio ao ator) fala um português muito melhor do que os dois personagens que se diz serem brasileiros! kkkkkk.
Enfim, duas horas e mais um pouco de um filme que cumpre com seu papel de divertir. Eu, que gosto muito de filmes de ação, achei muito interessante, fugindo da saturação que há atualmente devido à enxurrada de filmes de super heróis. Gosto dos épicos históricos! E este lembra um pouco os filmes orientais, pois conta também com tomadas longas, ótima fotografia, que dimensiona a exuberância e belezas da África, um continente ancestral, dono de culturas riquíssimas e antigas, fauna e flora fascinantes e povos variados. Sob esta perspectiva, o filme me agradou!
Terminado o filme, dei aquele tempo para “degustar” a experiência, vivenciar as memórias e imagens, as grandes cenas de ação. Após, algumas coisas me incomodaram. Estudei um pouco da Cultura Africana, tive a oportunidade de escrever alguns artigos sobre Africanidade, personagens históricos e afins, e neste contexto, eu já havia pesquisado sobre o país Behning, antigo Reinado de Daomé, sobre o Rei Guezô, sobre o tráfico de escravos e temas relacionados. E … as informações não batem! kkkkk … simples. Imagino ter sido primordialmente uma licença poética a forma como o filme foi concebido, ao trazer essas temíveis guerreiras como grandes heroínas e o Rei Guezô como protagonista para o fim do tráfico de escravos. Mas a história não pode ser reescrita. Sem aprofundar demais no assunto, o Reinado de Daomé lucrou muito com o tráfico de escravos, pois eram eles que invadiam e sequestravam pessoas dos territórios vizinhos, vendendo os cativos para o mercado de escravos, e não os “inimigos” que apresentaram no filme, fazendo uma inversão histórica para passar a imagem de bom moço ao Rei Guezô. Mas isso é assunto para aprofundar em estudos históricos, o que eu acho fascinante! É uma produção norte-americana que fala muito a nós, brasileiros! Instiga a curiosidade e, apesar de algumas “derrapadas” na história (faltou um historiador brasileiro ou africano para orientar os roteiristas), a pesquisa de forma geral é muito boa, com a representação de culturas ricas em conteúdo. Os cabelos das africanas indicam suas etnias … os aspectos étnicos são muito bem trabalhados neste filme. A riqueza de detalhes, as vestimentas, o treinamento, e a representação de uma sociedade progressista até para os padrões de hoje, igualitárias, onde as mulheres ascenderam a altos postos, como generais, conselheiras de alto posto, mulheres rei, quebrava os padrões da época.
Rei Guezô. Sobre este personagem, valem estudos aprofundados. Ele não era o primeiro da linha sucessória; o primogênito era o Príncipe Adandozan, ambos filhos do Rei Agonglo. Perto de sua morte, o Rei Agonglo, que cultuava os oráculos da Fá, e temia pelo caráter impiedoso do Príncipe Adandozan, foi orientado pelo oráculo que o sucessor do reino deveria ser o jovem Príncipe Guezô, que tinha uma melhor personalidade para tratar com o povo e com a diplomacia. E assim foi feito! Proclamado herdeiro do trono, o Príncipe Guêzo esteve em exílio até que atingisse idade para assumir o trono, estando neste período, após a morte de seu pai, como Rei Regente, o Príncipe Adandozan. Na Agontimé era uma das esposas do Rei Agonglo, mãe de Guezô e era a Mulher Rei, governava ao lado do Rei; uma das tentativas de ficar com o trono realizada pelo Príncipe Adandozan foi a de sequestrar a Rainha de Daomé, a Mulher Rei, Na Agontimé, vendendo-a como escrava, dando a ordem para seus algozes para que nunca revelasse o paradeiro da rainha, para qual local nas Américas ela havia sido enviada. O Príncipe Guezô, saído de seu exílio, entrou em guerra, com a ajuda das guerreiras Agojie, e destronou o Príncipe regente Adandozan, tornando-se o Rei Guezô, de Daomé. A história conta que Guezô passou o resto de sua vida procurando por sua mãe, a Rainha de Damé, sem sucesso, jamais voltou a vê-la.
NÃ AGONTIMÉ
Nã Agontimé. Rainha de Daomé. Mãe do Rei Guezo, de Daomé. Mulher Rei. Destronada e sequestrada pelo Príncipe Adandozan, foi vendida como escrava e rebatizada com o nome de Maria Jesuína, ao chegar ao seu destino, em São Luís do Maranhão, Brasil. Nã Agontimé adorava Zoamandônu, um vodum poderoso. Fundou a Casa das Minas e introduziu o culto dos voduns do Daomé no Brasil. A Casa das Minas é um templo onde todos os seus espaços são sagrados. O espaço arquitetônico é dividido em conformidade com divisões entre voduns: cada parte da casa é destinada a famílias específicas das entidades africanas cultuadas. Foi no Maranhão que Agotimé, trazida para o Brasil como escrava, voltou a ser Rainha. Quanta riqueza permeia a história deste amado país chamado Brasil. Nossa herança cultural tem muito da cultura africana, e personagens ricos que deveriam ser estudados em sala de aula. Fazendo algumas leituras, assistindo a alguns vídeos relacionados, quantas referências este filme A Mulher Rei trouxe. Tem muito a ver com nosso país. Cultura Jeje, Candomblé, Vodum, Orixás, a Rainha de Daomé que acabou no nosso país como uma escrava, e aqui voltou a ser uma Rainha, fundadora de uma cultura religiosa hoje bicentenária e em plena atividade. Escrevi certa vez que nosso país tem uma dívida histórica com o afrodescendente, devido ao crime que foi a escravidão e tráfico de pessoas, sequestradas de seus lares, suas origens. Aqui vou além: diversos países carregam esta dívida, por fomentar por séculos este tipo de atividade. Não foram os Europeus que inventaram esta forma de cativeiro, de comércio, mas compactuaram, fazendo deste meio um movimento econômico importante, não se importando com as vidas que estavam sendo tratadas, diversas etnias sendo subjugadas de forma criminosa.
Ah, o filme. O filme foi bom, um épico interessante, que traz muito de uma cultura antiga, apresenta uma sociedade progressista para a época, como eu disse anteriormente. Cenas de ação de tirar o fôlego. Mas era o Reino de Daomé que sequestrava, mantinha cativos e vendia pessoas de outras etnias que não as suas como escravos. Isso não foi tratado com mais profundidade no filme. Para mim, valeu pela diversão e por despertar essa vontade de pesquisar, conhecer um pouco mais de nossas origens históricas. E por conhecer Nã Agontimé, a Rainha de Daomé, a verdadeira Mulher Rei, que muito contribuiu para a herança cultural em nosso país, tornando-se uma Rainha aqui também.
referências:
TRAILER DE A MULHER REI:
Sandro Gomes |
Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.
Confiram podcast gravado com Sandro Gomes clicando Aqui
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2 Comentários
Eis mais um clássico assinado pelo super Sandro Ferreira.
ResponderExcluirParabéns pelo texto, Sandro. Minha curiosidade foi instigada, quero assistir o filme.
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