TRANSVIADA, o olhar que desafia

 O último grito

Queria eu não precisar falar , nem saber sobre esse assunto. Queria poder dizer que a acolhida venceu o julgo e a indiferença, que as dores foram sanadas e os traumas se não curados, mas ao menos acomodados onde já não causasse tanto estrago.

De uns anos pra cá,  tenho acompanhado um crescimento assustador nos casos de suicídio ou tentativa dele. Quando um novo caso acontece, é comum, quase que instantâneo o surgimento de indagações, de buscas por respostas.

Para alguns, a depressão era evidente. Em outros casos, ninguém nunca percebeu.

A quietude era cansaço ,a irritabilidade que não ia embora era stress; as ausências  em eventos de família eram comuns, mas ele sempre foi reservado. Surge a falta interesse  em atividades antes prazerosas, a cama, parece ser a única a lhe entender, sair dela, só se por obrigação. 

Tem uma frase de Freud que acho que é auto explicativa e se aplica bem aqui: TODO EXCESSO ESCONDE UMA FALTA

Ah, mas nem toda pessoa com depressão tem tendência suicida!

Realmente. 

Depressão é um desequilíbrio mental, uma doença, e pra mim, uma das mais complexas. Descobri essa doença aos 12 anos de idade, e costumo dizer que TENHO depressão, ela apenas está sob controle.

E como qualquer doença, ela trás alguns sintomas que diferenciam de paciente para paciente. Eu, talvez pelo elo que tenho com minha mãe  e meus filhos, sempre que cheguei ao ápice do desespero, senti um medo horrível de morrer, de deixa -los desamparados, de pensar em me encontrarem morta. Que marcas isso deixaria?

Mas e aí, quem não tem esse elo?

Quantos são os que enfrentam a doença sozinhos, que ouvem o quanto deveria se sentir abençoado pela vidinha que tem, que ao abrirem a boca e tentar desabafar, são interrompidos e tem sua dor diminuída e comparada aos outros?

Às vezes, a queixa nem é o motivo real, por vezes, nem a gente mesmo consegue compreender o porque de nos sentirmos assim. É um vazio, um sentimento de impotência, um desalento, bate aquela solidão.

A vida cor de rosa que tu enxergas, muitas vezes é cinza pra mim. Mas é preciso que se entenda, que o que se vê, é apenas a superfície. 

Somos como o oceano, a gente percebe a maré, observamos as ondas, mas apenas mergulhando profundamente, para podermos desvendar suas belezas e mistérios. 

Carregamos marcas, que muitas vezes ficam no inconsciente, traumas vividos que nos fazem acreditar que não somos capazes, que somos insuficientes, que jamais seremos amados.

Abusos sexuais, violência doméstica, abandono parental, bullying, são exemplos de vivências que deixam feridas, que são capazes de nos fazer sangrar a vida inteira, mesmo achando que já foi superado.

Entende a complexidade disso?

Agora imagine, te ponha no lugar dessa criatura. Sinta tuas forças indo embora, estás desfalecendo e ao teu redor amigos, parentes, colegas de trabalho assistem tudo enquanto julgam tua falta de "ânimo", mandando que cubra teu sangramento e siga em frente. 

Até onde tu achas que conseguiria caminhar?

Onde achas que seria teu último grito de socorro?

Será que alguém finalmente ouviria?

Como te sentiria?

Consegue imaginar o tamanho da dor?

Não vou abordar sobre políticas públicas, que essas todos sabemos que são falhas, mas e nós? Qual nosso papel nessa história toda?

Será que a gente realmente não pode fazer nada?

Acredito que cada um de nós pode muito! Sei que todos têm problemas, cada um de nós vive a sua luta, mas saber ouvir, respeitar e não criar comparativos, já ajuda muito.

Vivemos em comunidade e a ilusão de que cada um vive sua vida e isso não influencia em nada a nossa vida, é ilusão. Quando alguém desiste da vida, mostra a outros que se sentem igual que talvez, essa seja a única solução.

E será que nessa individualidade que vivemos, o "outro" não está dentro de nossos lares? Será que não é um filho, uma mãe, um pai nosso?

Até quando vamos esperar que se sinta a dor no próprio peito, pra entender e acolher a dor do outro?

Não adianta que se cobre políticas públicas, quando nós mesmos não estamos abertos a acolher e ajudar.


D'Anjo

D'Anjo é gaúcha, educadora, controversa e gosta de brincar entre rabiscos e palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
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