capa de Ana Paula Otero |
III - CAVALGANDO COM TEX
UMA TARDE BONELLI
No próximo dia 30 de setembro o maior mito de quadrinhos de faroeste estará completando 75 anos de vida, e o ColetiveArts, pelo terceiro ano consecutivo, esta elaborando sua cavalgada de comemoração.
Este ano estamos marcando presença com matérias e entrevistas no blog, com mais uma exposição online inédita, a terceira dedicada ao caubói de camisa amarela e a seus pards, a III - Exposição virtual Cavalgando com Tex. Também estaremos publicando online o mais novo banner da exposição Dia Nacional do Tex, atualizando o mesmo, que tem a criação e curadoria do grande coletive GG Carsan. As exposições entrarão no ar no dia 30 de setembro.
O Coletive estará dando apoio e ajudando na realização daquele que promete ser o maior encontro Texiano já realizado no Brasil, a segunda edição de UMA TARDE BONELLI, que irá ocorrer no dia 30/09 e 01/10 em Porto Alegre/RS na Biblioteca Pública do Estado, na rua Riachuelo nº 1150, das 13h às 19h, um evento recheado de atrações para deixar todo o texiano e todo o fã de quadrinhos em êxtase.
No dia 30/09 e dia 01/10, lugar de texiano é em Porto Alegre!
Continuando a nossa cavalgada rumo ao tão esperado dia do aniversário de Tex, o Arte e Cultura foi conversar com o grande artista italiano Maurizio Dotti, uma pessoa fantástica, generosa e com opiniões fortes, como Tex Willer.
Dotti nasceu em Limbiate (Lombardia), Itália, em 10 de Outubro de 1958. Começou nos quadrinhos em 1976, colaborando no estúdio de Giancarlo Tenenti. Atuou com teatro de bonecos, como iIustrador, e é atualmente é um dos principais quadrinistas e capistas da Sergio Bonelli Editore.
MAURIZIO DOTTI
JORGINHO: Como Maurizio Dotti se define?
MAURIZIO DOTTI: Sou um artista de quadrinhos, eu sempre quis ser! Desde muito jovem eu já desenhava sem parar, por toda a superfície que eu encontrava. Eu sou um apaixonado pelo desenho, eu sempre fui, mesmo pelo desenho dos outros. Eu sou uma eterna criança, com o meu ponto de vista, com minha maneira de olhar. Acho que a parte lúdica do meu trabalho é ainda hoje o que mais me fascina e estimula. Eu agora me sinto como um demiurgo de antigamente, que pode criar novos mundos, que pode viver e fazer as pessoas viverem aventuras maravilhosas.
JORGINHO: Quando a arte entrou em sua vida, Maurizio?
MAURIZIO DOTTI: Eu não sei se posso encaixar aquilo que faço no conceito de arte como conhecemos, através dos movimentos da história da Arte. A meu ver, sempre me parece uma palavra muito grande se atribuída aos quadrinhos, é claro, muitos pensam assim. Acredito, no entanto, que essa atividade pode ser associada a um bom exercício de "artesania", com picos muitos altos em alguns casos, que chegam a verdadeira e própria Arte. Dito isso, a minha formação, no que diz respeito aos estudos, foi artística. Eu fui sempre estimulado e influenciado pela criatividade artística em suas mais variadas formas: artes visuais, música, teatro e literatura.
JORGINHO: O que você costumava ler quando era criança?
MAURIZIO DOTTI: Eu lia muitos quadrinhos que eu trocava periodicamente com meus amigos, estabelecendo um verdadeiro ritual, alguns amigos eram adultos que também eram apaixonado pelos quadrinhos. Lia muitos títulos: Tex Willer, Zagor, O grande Blek, Comandante Mark e a História do Oeste; também muitas publicações menores já há muito desaparecidas, das quais me lembro com nostalgia: Kinowa, Alan Mistero, Pecos Bill, mas que hoje estaria datadas por estarem caracterizadas por uma óbvia ingenuidade narrativa.
Eu gostava muito dos quadrinhos franceses, eles eram frequentemente traduzidos e publicados pelas editoras italianas: Tintim, Blueberry, Comanche, Asterix, etc, etc.
Eu também lia títulos consagrados e extraordinários, mas difíceis de encontrar no final dos anos 1960, começo dos anos 1970. Mesmo assim não faltaram: Tarzan, que eu amava enormemente; Príncipe Valente; Rip Kirby (Nick Holmes); Flash Gordon e muitos outros, tanto que ficaria muito longa a minha lista se eu os nomeasse aqui. Eu nunca gostei de super heróis! Eu também li muitos romances de aventuras, obviamente Zane Gray, Stevenson, Júlio Verne, Salgari, Edgar Rice Burroughs, Dumas, Scott, etc.
JORGINHO: Quais são as suas maiores influências no desenho?
MAURIZIO DOTTI: Se falarmos em influência real vou responder que é Jean Giraud com seu incomparável Blueberry e o grande Giovanni Ticci, com seu inovador Tex Willer, estes sempre foram meus pontos de referência inabaláveis. Naturalmente eu aprecio e respeito muitos outros autores, mas estes dois artistas (é preciso dizer), são e tem sido temas contínuos e repetidos dos meus estudos. Eu tenho sempre tentado teimosamente compreender os seus segredos, dominar as sua técnica expressiva. Os dois são muito diferentes entre si, mas são igualmente brilhantes e inovadores.
JORGINHO: Como começou a sua carreira nos quadrinhos?
MAURIZIO DOTTI: Foi no final dos anos 1970, havia muito trabalho para todos na publicação de quadrinhos, e quase todo mundo lia o gênero. Foram anos lindos, de muito entusiasmo e criatividade. Minha história não foi muito linear, publiquei meus primeiros trabalhos aos dezessete anos, enquanto ainda frequentava o Instituto de Artes. Parei de trabalhar como quadrinista aos vinte e três anos, para me dedicar ao teatro de bonecos até os trinta e cinco. Parece que meu destino basicamente sempre foi contar histórias. Entre 1992 e 2000 colaborei como ilustrador para as mais importantes agências de publicidade de Milão/ Itália.
Em 1995 finalmente voltei a trabalhar com quadrinhos, graças ao Allarico Gattia que foi um ótimo ilustrador e quadrinista italiano, cuja a amizade e orientação artística me valeram o início da colaboração com as edições Paoline no título de "Il Giornalino". O ano tão esperado e esplêndido que eu entrei na Sergio Bonelli foi o de 1996! Este em resumo é a história do início de minha carreira e se tudo isso que aconteceu pode vir a ser caracterizado como uma produção artística, não sou eu quem deve ou pode dizer.
JORGINHO: O que Tex significa para você?
MAURIZIO DOTTI: Profissionalmente foi um destino prestigiado e importante, um coroamento ideal para um desenhista que como eu ama quadrinhos e o gênero western. Ele é um personagem cuja a longevidade ainda permanece um mistério. Publicado ininterruptamente desde 1948, detém um recorde mundial que ninguém consegue alcançar. Ele é o herói que encarna o sentido de justiça, livre das regras da lei (a lei nem sempre é certa). Defensor dos fracos, vingador dos erros, desde o incio ao lado dos nativos norte americanos e de sua causa, não é pouca coisa se pensarmos na sensibilidade geral em relação às minorias étnicas em 1948. Tex é o inimigo do homem comum: ele faz o que sabemos ser a coisa certa a fazer, mas que não ousamos a fazer por medo das consequências.
JORGINHO: Quais os escritores que mais te marcaram em Tex?
MAURIZIO DOTTI: Eu desenho Tex desde 2011 e, de acordo com uma pesquisa do setor publicada recentemente, o autor mais prolífico da Sergio Bonelli foi o Mauro Boselli, que alcançou a considerável soma de mais de cinquenta mil páginas. E eu acabei sendo o desenhista mais prolifico que trabalhou com ele com três mil, cento e dezessete pranchas, trabalhando em Tex, Dampyr e Zagor. Tudo isso para dizer que tenho trabalhado desde 1996 até hoje quase que exclusivamente com o Mauro. O trabalho, é claro, sempre tem algumas reservas, acidentes e mal entendidos, mas estamos quase sempre na mesma sintonia. Tenho tido poucas oportunidades de trabalhar com outros escritores, não consigo dar uma opinião competente apoiado por uma experiência direta. Como leitor, posso dizer que tenho muitas histórias do Gian Luigi Bonelli que ficaram para sempre no meu coração, mas também ficaram algumas de Nizzi, de Guido Nolitta (Sergio Bonelli), e de Gianfranco Manfredi.
JORGINHO: Você tem ideia de quantas capas já desenhou? Quais as que mais te marcaram?
MAURIZIO DOTTI: Acho que até hoje eu criei entre 70 e 75 capas. É difícil de escolher algumas, mas não impossível. Uma delas, eu diria, é certamente a do especial número n° 03, dedicado ao encontro entre Tex e Zagor, mas acho que teremos a oportunidade de falarmos isso em detalhes daqui a pouco. Há algumas que eu prefiro por causa do ponto de vista técnico. Definitivamente estou me referindo as capas de n° 02 e n° 05, por meio dessas duas capas eu consegui, através de um concurso promovido pela editora, o título de desenhista de capas da série. Posso citar as capas dos números: 10, 24 e 51, vou parar por aqui.
JORGINHO: Como foi desenhar a capa do encontro de Tex com Zagor? O que você achou desse encontro?
MAURIZIO DOTTI: Eu não gosto dessas "alquimias narrativas", desses encontros impossíveis, chame do que quiser, é uma opinião completamente pessoal. Eu entendo que o fã fique regojizado com esse tipo de história, mas acho-as forçadas, uma luta para "suspender a descrença", por assim dizer. Eu sou apaixonado por aquele tipo de histórias que se inspiram em acontecimentos reais, ainda que ficcionais.
Se realmente você quer falar sobre a capa, vamos lá: acho que posso dizer que junto com algumas outras, não é bem sucedida, sob qualquer ponto de vista. Certamente a bem menos sucedida entre as mal sucedidas. As expectativas eram muito altas e minha ansiedade não era diferente. Houve algo que não funcionou: geralmente Boselli me dá sugestões, indicações gerais, nas quais eu baseio meus esboços iniciais para submeter a ele. Talvez nesse caso especifico eu não tenha conseguido entender a ideia básica, foi como se seguíssemos dois caminhos diferentes, sem nos entendermos. Depois de inúmeras correções, o resultado foi aquele que todos vocês puderam ver, infelizmente. Às vezes, as coisas são assim.
JORGINHO:Quais os seus próximos projetos?
MAURIZIO DOTTI: Estou começando uma história de Tex em que o antagonista ainda é Nick Castle, o loiro rápido com a arma, personagem presente em quase todas as histórias de Tex que eu desenhei. Eu acredito também que já está aparecendo no horizonte mais uma história de Dampyr.
JORGINHO: Quais os quadrinhos que você costuma acompanhar como leitor?
MAURIZIO DOTTI: Principalmente os que eu desenho. Sou apaixonado pelos quadrinhos de faroeste, que infelizmente são um gênero negligenciado, exceto em casos raros e louváveis. Não gosto de super heróis, como eu já disse, então concluo que eu acabo não lendo muito quadrinhos. O tempo que eu tenho disponível é muito pouco, por isso prefiro a leitura de livros.
JORGINHO: Como você vê o mercado de quadrinhos na Itália e no mundo? Quais criações te encantam?
MAURIZIO DOTTI: Acho que os quadrinhos encontraram um novo fôlego e gozam de boa saúde. De protagonista incontestado nas bancas fechadas pela pandemia, encontrou novo lugar nas livrarias em sua forma original, culta e intelectual (graphic novel), mesmo que graficamente nem sempre esteja à altura, no meu modo de ver. Os quadrinhos populares são cada vez menos procurados, e na maioria das vezes é por um núcleo duro de leitores de longa data. Além disso, há muito tempo os mangás colonizaram a Itália, que se deixou colonizar.
Nosso país teve e tem grandes autores, mas a natureza esnobe de seus intelectuais em relação ao que é popular, não permitiu, exceto nas duas últimas décadas, a merecida valorização dessa forma de arte. Tampouco a escola, que é uma guarnição de cultura e educação, nunca cuidou dos quadrinhos como sabiamente deveria. Por que você os manteria longe?
Do mercado de quadrinhos no mundo eu não tenho informações, mas sei que no Brasil são muito apreciados e lidos e nos Estados Unidos este também é o caso. Sem falar na França, um país com muitas qualidades e em que os quadrinhos sempre tem um valor enorme.
Sobre as novidades da indústria, 'foi ruim", não sou, como já havia dito, um leitor antenado e nem compulsivo por quadrinhos. Mas vou responder para evitar machucar a figura "dos que não sabem nada", eu posso dar alguns nomes: “Bouncer” di Boucq, “Les Tour de Bois-Maury” di Hermann, “Undertaker” e “Asgard” di Mayer.
JORGINHO: Nós brasileiros somos apaixonados por Tex e pelo seu trabalho com ele. Mas e você Maurizio, o que conhece de nosso país?