Relacionamentos desfocados
Os relacionamentos da atualidade estão cada vez mais pautados no sexo e no prazer imediato, que na conexão mental e emocional entre duas pessoas. Isso tem gerado inúmeros conflitos e términos traumáticos de relações, além de culpas alheias, carência e solidão. Um dos maiores causadores desse conflito é a objetificação dos corpos e falta de sensibilidade das pessoas ao se relacionarem umas com as outras, quando o tesão acaba, tudo acaba. Os parceiros não são mais pessoas, são objetos funcionais, os quais apresentam prazo de validade relativo.
Na primeira vez em que assisti um dorama chinês, estranhei a forma como os casais se relacionavam na trama. O primeiro beijo demorou para acontecer, e sempre só se realizou após cenas sucessivas de conversa, encontros e desencontros, muitas mãos que se cruzavam e uma sólida construção química entre os casais. A cena de sexo era uma vez lá que outra, sem dar grandes detalhes cinematográficos, deixando apenas a sugestão artística de que os personagens foram para a cama em dado momento. Para mim, brasileira e ocidental, foi muito estranho assistir, especialmente considerando que até as novelas de horário familiar do meu país apresentam mais detalhes que isso!
Muita gente pode achar que se trata de tabu, ou que eu possa estar bancando a puritana da estrela, porém não é de cenas explícitas de sexo que falo por aqui, estou falando da falta de conexão entre as pessoas e como está fácil transar hoje em dia, difícil mesmo é amar ou construir uma história real. Logo no primeiro dorama, me encantei pela trama que unia os casais, trazendo a delicadeza dos gestos e focando na profundidade dos sentimentos de cada figura fictícia. Atualmente, percebo que não faz a menor falta um beijo mega focado na tela ou dois corpos nus na câmera demonstrando que realmente as pessoas ficaram juntas, pois, apesar dos beijos em mandarim serem claramente artificiais, os atores me convencem, de inúmeras outras formas, que existe amor entre os heróis. Exatamente o oposto das novelas, séries e filmes ocidentais em geral.
Esse exemplo midiático é um dos pontos que me fazem avaliar onde está o nosso foco, quando nos relacionamos com alguém atualmente. A maioria esmagadora das músicas (ou “músicas”) consideradas um sucesso no nosso país e em outros da volta oceânica falam e apresentam clipes de sexo explícito, quase agressivo, para quem quiser ouvir. O problema não está em se falar na relação sexual, pois precisamos desmistificar e esclarecer muitas coisas (principalmente a importância da mulher também sentir prazer na cama). O infortúnio está na forma repetitiva, doentia e barata em que se apresenta a sexualidade, vendendo ideias plastificadas de como é um relacionamento, qual deve ser o foco dele e desvirtuando a realidade de que se relacionar com alguém está muito mais além da cama, do corpo modelo, de quem paga a conta no restaurante ou quem é o ativo e o passivo.
Outro programa que assisto para desligar a mente e por curiosidade também é “90 Dias para Casar” (norte-americano). A maioria dos casais da série não conseguem dialogar e passam mais tempo brigando que realmente se relacionando. E tudo começa com um “mach” no corpo do outro, muito sexo e muita carência também. Se já temos dificuldades de nos entendermos com pessoas que nasceram na nossa própria família, quem dirá outras que nasceram em países diferentes, com outras culturas e crenças religiosas? Sempre tem um lado extremamente carente, que fala sem parar, ao mesmo tempo que o outro - cego ou interesseiro - fala sem parar junto. Ninguém se escuta, todos brigam e se reconciliam na cama e na cerimônia de oficialização, para permanecer brigando nas diferenças óbvias até resultar na separação escandalosa que gera mais ibope.
Isso acontece no Brasil e entre pessoas da mesma cultura. Começamos pela percepção que crianças de cinco anos já rebolam todos os MCs, quando ainda nem aprenderam a controlar os esfíncteres de verdade. Cantam sobre a vagina e o pênis, rebolam, imitam os gestos e até presenciam os pais - porque muitos dormem no mesmo quarto - e, quando chegam na adolescência, se consideram aptas a se relacionar. Embarcam, assim, na incrível e longa jornada do relacionamento pautado no corpo, nas sensações no sexo e nos pontos sociais que ganham com o outro.
Enquanto eu assistia a série norte-americana na TV eu só pensava “meu Deus, é só um dos dois calar a boca e ouvir o que o outro está falando! Como eles não conseguem?” Porém, tanto na América do Norte, quanto na América do sul, nenhum dos lados cala a boca e escuta. Começamos analisando corpos, continuamos na cama e terminamos no tribunal, no IML ou nas redes sociais, passando vergonha com as indiretinhas básicas de “beijei o sapo e virou lagarto”, “mulher é tudo igual”, “pai é quem cria”, “sou muito mais feliz sem você”, etc.
Concordo com uma fala que ouvi certa vez: o equilíbrio do mundo está na união de culturas, pois o ocidente tem coisas que completam o oriente e vice versa. Depois que passei a assistir mais relacionamentos e menos corpos expandidos na tela, passei a entender que carência não se supre na cama, ou com novos vibradores, ou com um ser diferente a cada dia na balada, ou com o “boy” mais lindo que consegui. Estou aprendendo que relacionamentos acontecem com a união de duas pessoas, conscientes, dispostas a se conhecerem, abertas a ouvir, construindo momentos, até chegar na consequência da melhor transa possível. Porque quando a cama quebra, ainda existem muitos outros cômodos da casa para ser feliz com quem se diz “eu te amo”.
Miriam Coelho |
1 Comentários
Foi direto ao ponto, Miriam. Hoje tudo precisa acontecer na velocidade do toque digital. Se não for, não me toque.
ResponderExcluirG. G. Carsan