Qual o tempo certo para cada coisa?
Em agosto de 2002, nasceu minha primogênita, uma bonequinha com pouco mais de 2.500 kg. No momento do nascimento, entre o cansaço e a euforia, a gente nem percebe, deixa passar fatos que podem decidir todo o curso de uma vida.
A volta pra casa foi tranquila, apesar do refluxo as noites eram de sossego.
O tempo foi passando, a tranquilidade perdurava, até o ponto de deixar de ser normal. Afinal, que criança que não acorda e nem chora?
O primeiro ano foi devagar, não engatinhava e até mesmo sentar era um desafio. Com um ano e quatro meses, decidiu se soltar e de presente de natal, começou a caminhar.
A fala demorada, a falta de equilíbrio, e dificuldade em executar pequenas tarefas, nos fez correr entre neurologistas, terapeutas e pediatras.
Mesmo a gente procurando, somente aos 9 anos conseguimos um diagnóstico, atraso cognitivo por hipóxia. Ou seja, a falta de oxigenação no cérebro durante o parto, gerou uma lesão cerebral, onde a aprendizagem fica comprometida. Além disso, de brinde veio o déficit de atenção, crises convulsivas durante o sono e ansiedade.
Lembro de sair do consultório, com os laudos em mãos e um sentimento de alívio no peito.
Não, a culpa não era minha. Não faltou estímulo e eu não estava louca.
Daqui pra frente, eu já sabia o que fazer, as falas seriam diferentes e as atitudes com certeza mudariam.
A fala bonitinha de que “toda criança tem seu tempo”, fez com que ela fosse negligenciada por anos em seus atendimentos.
Não faltou procura por ajuda, mas faltou um Olhar profissional.
Os primeiros anos escolares foram uma verdadeira tortura. Muito choro, cobranças, falta de tato e uma criança que, em função disso, desenvolveu Mutismo Seletivo.
O tempo foi passando, as coisas se agravando e aos 15 anos, brigávamos por suas avaliações serem por desenhos e não escritas. A escola, não a reconhecia como alfabetizada,em casa compreendia tudo, na terapia escrevia histórias, criava figurino e apresentava as peças.
Lembro de ter tanto medo da mudança de escola, afinal aquela era “inclusiva”, pequena e eu jurava ser mais fácil dela lidar.
E aí que tá o problema…
medo é matinho que a gente tem de tirar todo dia, antes que sufoque todas as flores do canteiro.
Aos 17 anos, depois de muita conversa com a terapeuta - dela e minha - decidimos trocar de escola. A escola é imensa, com o triplo de estudante por turno e pra minha surpresa, ela amou!
Sair da escola antiga, foi como encerrar um ciclo, enterrar rótulos e mostrar a todos que ela tinha muito o que mostrar.
Ali ela fez amigos, superou limites, pela primeira vez vi felicidade ao encontrar professores.
Aos 21 anos ela termina o ensino médio, e todo dia conversa sobre suas opções de faculdade e pretensões pro futuro, e eu? Bem, eu me encho de orgulho!
Lembro de uma vez uma amiga me perguntar:
Tu já pensou que ela pode nunca se alfabetizar?
E apesar de nunca ter pensado em prazos, jamais aceitei essa ideia. Afinal, não é para mim, é para e por ela.
Dezembro de 2023, dessa vez, a ansiedade é outra. Chegou a hora de encerrar mais um ciclo, despedir - se de um lugar, que passou ser lar e de pessoas das quais nos acolheram e mostraram que a inclusão, funciona sim! E de pensar nisso, dá um nó na garganta e aquele aperto no peito , mas um imenso sentimento de GRATIDÃO.
Essa é a nossa história, que poderia compor uma trilogia de tanta coisa que passamos.
Hoje divido com vocês, com a mensagem de que, cada criança tem seu tempo sim, mas esse tempo tem de ser de investigação, estímulo, atenção profissional adequada.Não se pode apressar o tempo de cada um, mas também não se pode desistir ou se conformar jamais.
Não foi fácil, aliás não será fácil, mas esperamos que venham os novos desafios, novas histórias e ainda mais superações.
D'Anjo |
D'Anjo é gaúcha, educadora, controversa e gosta de brincar entre rabiscos e palavras.
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