CONTRAPONTO

 

 Religião e espiritualidade

Nasci numa família dita católica, que ia à missa quase todos os finais de semana, entrava na fila da hóstia e colecionava rosários. Minha avó materna, que me criou até meus 6 anos, no entanto, “atirava” para todos os lados. Conheci todos os tipos de templos através dela - de evangélicos a umbanda. Ela acordava cedo, nos arrumava e saía com alguma bíblia ou texto de baixo do braço e eu na outra mão. Lembro que mesmo comparecendo a espaços de fé diferentes e até antagônicos, ela agia como se fosse uma das fiéis mais firmes daquele momento, orando, cantando, conversando com os irmãos da congregação e pedindo a bênção dos responsáveis pela liturgia ou sermão. Já a mãe frequentava a igreja católica e os centros espíritas, nos levando a uma umbanda ou algo do gênero, quando julgava que a energia estava densa demais para se resolver de forma simples. Cresci nesses meios e assim, com o passar dos anos observando as atitudes e crenças das pessoas dentro dessas entidades de fé, me tornei rebelde sem religião ou fé em Deus.

Me incomodava com todas aquelas beatas de igreja fazendo fofoca durante e depois da missa, jogando o tempo e a saliva do padre no lixo. Estava ciente também que a igreja católica também tinha sido a maior caçadora e exterminadora de mulheres, na história mundial. Em todos os lugares, ditavam regras, mas lembravam do livre arbítrio; proferiram crenças populares e receitaram simpatias para melhorar a vida. Lembraram que Deus é um velho barbudo sentado no trono, sempre bravo, pronto para nos castigar assim que sairmos da linha. Para tudo existia uma receita mágica, um sacrifício de horas no rosário, um jejum na páscoa, tudo em nome de ser cristão.

Para mim, nada disso fazia sentido. Passei anos pensando que não acreditava em Deus ou que odiava ele, por ter me castigado com tantas situações ruins na vida, começando desde que nasci. Me indignei mais ainda quando interpretei no Evangelho espírita que nascemos sofrendo porque fizemos o mal em outras encarnações e precisamos pagar agora, quando esquecemos tudo que já fizemos. Não faz sentido.

Há poucos anos, me deparei com um livro espiritualista o qual o autor falava em Grande Espírito Criador, uma energia que nos conecta nesse mundo com todo o universo e nos alimenta, de acordo com o nosso auto controle mental. Para mim, me fez um sentido incrível, isso sim poderia ser Deus. Pois não faz sentido Deus se voltar apenas para alguns, aqueles que andam na linha das regras religiosas, mesmo dentro da lei maior do livre arbítrio.

Não estou dizendo que é certo sair por aí matando, dizendo tudo que vem na telha e interferindo na vida alheia apenas porque existe o livre arbítrio. Estou dizendo que muitas das regras religiosas não fazem mais sentido, considerando todo o esclarecimento que temos atualmente (como casar virgem, qual o sentido racional disso? Se não tiver certeza de que existe conexão com o parceiro ou parceira em todos os aspectos da vida, a união vai falhar).

Esse mesmo autor fala sobre os sofrimentos que existem no mundo e explica melhor a Lei do Merecimento. Muitas vezes, necessitamos nascer em determinadas condições e determinadas famílias para que possamos amadurecer. Sabe aquele ditado “mar calmo não faz bom navegador?”. Entender que as dificuldades da vida não são castigos enviados pelo barbudo gigante sentado nas nuvens faz um sentido muito mais profundo, que apenas me chicotear como pecadora, bla bla bla. A própria ciência da mente fala sobre superarmos as dificuldades da vida, assim como o budismo e outras religiões mais conectadas à natureza e ao transcendente.

Joseph Campbell vê a história de Buda, Jesus Cristo, Moisés e outras entidades religiosas como exemplo de maturação e superação universal. Ele faz uma análise dos momentos em que cada um enfrentou demônios e tempestades. Esses demônios e demais combates representam nosso sofrimento interno causado pela mente mal-criada. Se formos analisar a história de cada um desses personagens de forma psicológica, concordamos com a crença da religião Bahai de que todos esses grandes nomes religiosos são irmãos evoluídos, enviados por Deus para nos mostrarem o caminho da evolução. Concordo plenamente com isso.

Minha vida mudou e ampliou no momento em que entendi o que são religiões e o que é espiritualidade. A religião nos traz crenças e nos dita modos de agir. Se concordamos ou não com elas, vai de cada um - é pessoal. Se nos faz bem, por que não? Essas atitudes são formas de nos ligar ao principal: à espiritualidade. Espiritualidade é a conexão com a energia do Grande Espírito Criador - Deus. No momento em que sentimos uma onda de inspiração invadindo nossos corações, no momento em que nos emocionamos, choramos, falamos com o coração e nos sentimos parte de um todo e de algo muito maior, nesse momento, alcançamos Deus. O Grande Espírito Criador não pertence a títulos, nem necessita do concreto. O grande espírito criador se conecta conosco através dos nossos sentimentos, do nosso Eu verdadeiro, daquilo que é forte, abstrato e totalmente espontâneo, vindo da nossa alma.

Atualmente, não me revolto mais com religiões, pois as entendo e as respeito de forma mais madura. Pessoas são falhas, cheias de defeitos, eu tenho muitos defeitos e falhas que estão em julgamento o tempo todo por segundos e terceiros. Não somos nós quem fazemos Deus. O Grande Espírito Criador já existia muito antes de nós. Nossa conexão com essa energia criadora é que nos preenche de conhecimento e fé numa vida melhor, fé em nós mesmos e em como somos capazes de melhorar nossos defeitos. Quando nos melhoramos e vemos que somos capazes de crescer, nesse momento, aprendermos a acreditar na humanidade, pois percebemos que todos temos processos e que cada um responde a eles do seu jeito. Essa é a bela variedade da vida. O respeito e amor à vida é a Espiritualidade.


Miriam Coelho

Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!


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