TRANSVIADA, o olhar que desafia

Precisamos falar sobre relações abusivas.

Na semana que passou, pertinho de casa e conhecidos por muitos, um casal noticiou os jornais dos arredores.

Dessa vez, a vítima não teve chance de defesa, não tem chance de relatar sobre a violência sofrida. 

A poucas quadras de casa, um “homem” - pra mim, um monstro - matou e concretou a mulher dentro da geladeira da residência.

O que mais me choca, o que mais me entristece nessa notícia, são os julgamentos, as distorções e a falta de empatia inclusive do público feminino.

Não, a culpa não foi dela por se envolver com um homem mais jovem. Nem é sobre  a vaidade de querer “ se achar mais nova”.

Já falei sobre , e defendo que Amor, não se escolhe, não se seleciona, ele simplesmente acontece. 

Mas o fato desse amor acontecer, não  serve de desculpa, para que a gente se permita emburrecer. Não justifica que se negligencie a própria segurança ou daqueles que convivem com a gente.

Não convivi com esse casal, não conhecia sua realidade, mas conheci muitos, incluindo na  família, onde a realidade era mascarada assim que os holofotes eram ligados. 

Na rua, ele era educado, gente fina, amigo de todos, às vezes parecia ciumento.

Dentro de casa, possessivo, explosivo e muito violento.

As primeiras vezes sempre é equívoco, foi um surto nervoso pelo ciúme, excesso de preocupação. A culpa, sempre é da ingratidão da mulher, não percebe o quão amada é, “faz pra provocar”.

O coitado, vítima das circunstâncias, quando percebeu o erro comprou flores, pediu desculpa, fez juras de amor.  

Existe quem caia na conversa, quem realmente comece se ver como vilã incapaz de compreender o bendito, e tem aquelas que quando acordam, não enxergam saída. 

Conheço famílias, que precisaram de anos de terapia, pra curar as feridas e sequelas de uma relação abusiva. São Mulheres das quais jamais confiaram em um novo relacionamento, outras que foram marcadas pela violência sofrida pela mãe, e cresceram acreditando que aquilo era o “normal”. E nesses casos , acredite, é preciso ser muito, mas muito teimosa ou resiliente pra fazer a sua realidade diferente.

Esse ciclo de violência, de machismo, é passado de geração em geração, fazendo de filhos vítimas de abusos, novos abusadores, normalizando a ideia de que a mulher tem de ser submissa, e tudo que saia do roteiro, merece punição.

Lembro de um casal ao qual era íntima, e depois de muitos anos de casados e de conseguir sair dessa relação, ela me contar que a simples mudança de rua, rumo a casa da mãe, bastou pra que ela grávida de 4 meses, levasse uma surra de Tchacos ( arma de lutas marciais).

Não consigo descrever a revolta e a dor que senti, ao mesmo tempo a impotência, e o “dedinho na moleira” que me fez ver que, somos forte porcaria nenhuma!

Somos resilientes, aprendemos curar nossas feridas e seguir.Muito disso, devemos ao instinto materno, que nos lembra todo dia, que aquele serzinho na nossa frente, depende da gente e não tem culpa das escolhas que fizemos. Mas força.. quá, quá, quá… não existe quando se trata da violência de um escroto armado, seja com uma arma de fogo ou um cabo de vassoura.

Ah… mas hoje em dia tem várias aulas de defesa pessoal! Tu viu a mulher que desarmou o assaltante?

Sim! Vi, alecrim… mas vem cá, todo mundo tem acesso?  Achas mesmo que todas nós temos as mesmas oportunidades?

Defender o direito e a integridade da mulher, requer que se olhe pra todas, independente de situação financeira.

A lei Maria da Penha, veio pra auxiliar essas mulheres. Ela garante ( ou deveria garantir) o afastamento do agressor de casa, a proteção das vítimas, muitas vezes a transferência da vítima e seus dependentes a um abrigo. 

De qualquer forma, ela existe, e deve ser cobrada pela vítima, por familiares, amigos e qualquer um que possa servir como rede de apoio à vítima.

A única coisa que não pode acontecer, é a isenção de responsabilidade. 

Aquela balela que nós contaram a vida toda de que em briga de marido e mulher, não se mete a colher, não nos cabe  mais. Se mete a colher, a polícia, as leis. E se nada funcionar, a gente mete a pá, na cara do infeliz!

A única coisa que não se pode deixar acontecer, é  que seja normalizado a violência contra a mulher, o feminicídio.

Conhece alguém que sofre violência doméstica, converse, ouça, não julgue… mas estenda tua mão, esteja amparando e guie essa família até a ajuda que necessitam. Nessas horas, o mais difícil é se fazer confiar.

É vítima de violência doméstica? 

Não te envergonhe, peça ajuda, faça valer a lei Maria da Penha e saiba que não está sozinha. 

Podemos até ser o sexo frágil, talvez a gente não dê conta da força física de um homem, mas temos o poder da resiliência, aprendemos como ninguém a reescrever nossa história, fazer a diferença na vida de quem amamos.

A menina de 17 que apanhava de Tchacos, buscou forças na maternidade, se separou, criou o filho, trabalhou e hoje assiste o abusador em declínio, enquanto ela, se tornou a verdadeira “ Dona da porra toda”.

Sorte? Pode ser… mas eu acredito que foi trabalho árduo, e a busca pelo melhor para o filho. 

Nada na vida vem de graça, nada vem fácil, mas uma coisa que aprendi, é que todos temos o poder de reescrever nossa história. Com vírgulas, pontos e erros , mas sempre buscando um final diferente daquele que nos foi imposto.


LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006

Ligue 180


D'Anjo

D'Anjo é gaúcha, educadora, controversa e gosta de brincar entre rabiscos e palavras.

CINCO ANOS DE COLETIVEARTS,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!
Chegou dezembro!


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