UM POUCO DE HISTÓRIA

 

Surfando na crise ou como lucrar na 

adversidade (dos outros)

Olá, antes de entrar no assunto da coluna de hoje quero, publicamente, agradecer a Mima pela arte feita ao revisitar o já conhecido esquema da teoria da evolução humana. Ficou muito legal!

Interessante, assim como na vida, numa coluna, mesmo que quinzenal, o inesperado acontece e nos derruba retirando-nos do planejado. Já estava com todo o texto bonitinho, pronto para entregar ao Jorginho e à Isab-El, que eu insisto em chamar de Cristina, quando o prefeito de Gravataí me deu de bandeja um novo assunto.

Ao prestigiar a inauguração da Rua Coberta, que alguns já estão chamando de Rua Privada, me deparei com uma frase dita pelo alcaide para justificar a privatização da praça, que até já tem um outro nome (Castro Alves já dizia que “a praça é do povo”, aqui em Gravataí não é bem assim): “se entregarem a administração do deserto do Saara ao poder público em um ano não haverá mais areia”. Assumidamente um político de direita, nosso prefeito já foi cabo eleitoral do “coiso”, é neoliberal, portanto, privatista e defensor do Estado mínimo. Alguém inteligente já escreveu que “o dia em que tudo for privatizado seremos privados de tudo”.

Esta lógica neoliberal de falar mal do Estado na minha opinião é tão profunda quanto um pires, na prática é de uma hipocrisia oceânica. No início do século XX, o Brasil vivia no período da República Liberal, onde a máxima era: privatizar os lucros e socializar as perdas. Na prática era o seguinte: quando os cafeicultores tinham lucro, o lucro ficava com eles, mas quando tinham prejuízo aí o governo comprava o café que sobrava utilizando o nosso dinheiro, é claro. Nas crises a burguesia busca dinheiro no poder público, mas, quando está tudo bem, fala mal quando tem que pagar os impostos. Alguém já disse que, no geral, os empresários brasileiros mamam nas tetas do governo. Ninguém aqui é contra mamar numa teta, mas a ingratidão hipócrita destes que desdenham a importância do Estado é revoltante. Hoje mesmo, quem comprou o aeroporto Salgado Filho pede auxílio ao governo federal e, ao mesmo tempo, faz o discurso de que “o trabalho  voluntário junto com o apoio dos empresários é que faz as coisas acontecerem neste país”. Cuidado, por trás deste falatório de que basta o trabalho voluntário e empresariado para o Brasil funcionar está o discurso do “não há necessidade de pagar impostos, afinal, por que manter o Estado?”. Nas mentes mais lucidas este argumento não faz sombra. Os recursos às escolas e hospitais públicos, os programas sociais do governo e a própria ajuda aos empresários em crise vem de onde? Dos “odiosos impostos”, é claro.

Na história do Brasil (desculpe, é mania de professor de História escrever sobre História) podemos encontrar um exemplo emblemático da atuação do Estado na industrialização do país: Se aproveitando da crise internacional, o governo Getúlio Vargas conseguiu a aprovação do empréstimo mais rápido da história do Senado estadunidense para construir uma siderúrgica no Brasil. Foi só acenar com a oferta da Alemanha Nazista para a construção da dita siderúrgica que os políticos estadunidenses se apresaram e correram na frente, garantindo assim o apoio do Brasil na Segunda Guerra Mundial, com a Base Aérea de Natal e os pracinhas lutando na Itália. O papel do Estado no episódio da criação da Siderúrgica Nacional de Volta Redonda foi crucial na industrialização do Brasil,porque os empresários não queriam investir na produção do aço nacional pois o lucro não é imediato, leva no mínimo dez anos para pagar os custos da construção de uma siderúrgica. (Veja bem, naquela época o Estado serviu, não é mesmo?)

A leviandade de defender o Estado Mínimo é colocar em risco a sobrevivência de tantos atingidos pelas recentes enchentes. Esta crise monumental coloca na pauta do dia um ensinamento empresarial que diz ser “a crise uma oportunidade de negócios” e é verdade. Corre a boca pequena pelas ruas de Porto Alegre que, nas áreas que foram alagadas, o valor dos imóveis será tão rebaixado que é uma ótima oportunidade para alguns grupos empresariais comprarem imóveis muito bem localizados, próximos ao centro e rodovias para erguerem seus empreendimentos, não sem antes haver uma boa investida de dinheiro público em programas contra enchentes, mas não para os pobres...

Neoliberalismo, Estado Mínimo e Privatização fazem parte deste triângulo nada amoroso, onde o enriquecimento de alguns ocorre graças a privatização dos serviços oferecidos à maioria da população. É um desserviço ao povo e uma política de lesa Pátria. No governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, nos anos 1980, foi vendida por um preço muito abaixo do valor de mercado a  Companhia Vale do Rio Doce, maior empresa mineradora do mundo. Vendem empresas públicas de água, energia, transporte sem dar explicações e, muito menos consultar seus legítimos proprietários: nós, o povo. Não elegemos mais governantes, elegemos vendedores do patrimônio público, o nosso patrimônio. Darcy Ribeiro, um dos maiores pensadores brasileiros, dizia sem medir as palavras: “a crise da educação pública é um projeto político”. Podemos estender esta frase à saúde pública sem medo de errar. Reduzir recursos públicos para educação e saúde é um convite para a privatização onde só terá o serviço quem pagar. Simples e triste assim...

Entregar praças e ginásio à iniciativa privada, patrimônio público feito com o nosso dinheiro, derrubando árvores (bom no inverno, mas quando chegar o verão muitos terão saudades das árvores), áreas públicas cedidas às escolas privadas, doações de dinheiro público à empresa de ônibus particular... Tudo isto faz parte do nosso provincial neoliberalismo, com a conivência da maioria da Câmara Municipal de Vereadores, numa aldeia onde o poder público é um serviçal dos interesses de empresários que aplaudem de pé o espetáculo das privatizações e da descaracterização da nossa cidade, que perde cada vez mais a sua identidade, tornando- se mais um imenso Mac Donald’s, como tantos outros já existentes mundo à fora.

Diante de tudo o que foi exposto acima concluo que o mundo não é dos vivos... é dos mais vivos.

Ps.: desculpe o amargor, prometo evitar ouvir futuros discursos do nosso prefeito privatizador.


NESTOR OURIQUE MEDEIROS

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
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