ESSE ESTRANHO MUNDO NOVO
DAS REDES DE ÓDIO SOCIAIS
Se eu fosse um daqueles roteiristas que se apegam a primeira ideia para fazer um filme de terror, eu teria escrito um roteiro chamado “O Algoritmo do Mal”, em que influenciadores de uma rede social são induzidos a gerarem apenas mensagens de ódio e causarem depressões e mortes em usuários.
Pensando bem, essa ideia se parece muito com a realidade.
Então vamos para o início de tudo.
Na definição da Matemática um algoritmo é uma sequência finita de regras ou operações, que aplicada a um número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas.
Já na informática um algoritmo é um conjunto de regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas. Também são a base para a programação de computadores.
Vendo por essa perspectiva, a ideia do filme de terror é estapafúrdia pois como um conjunto de regras, seja de operações ou de procedimentos lógicos, pode conter um senso moral? Mas será que essa metáfora seria tão descabida nesse universo das redes sociais de hoje em dia? Afinal, sabemos que no mundo das Big Techs, as corporações que comandam o mundo virtual, as regras são diversas e próprias.
Um grande executivo de uma Big Tech, quando perguntado sobre práticas abusivas e anticompetitivas da empresa, respondeu: “O nosso negócio é dar lucro, para todo o resto temos advogados”.
O filósofo francês Pierre Lévy, radicado no Canadá se manifestou sobre isso: “Nossa lealdade aos senhores dos dados e suas mídias sociais vem do poder dos seus centros de computação, eficiência de software e simplicidade de suas interfaces. Também encontra a sua fonte em nosso vício em uma arquitetura sociotécnica tóxica, que usa a estimulação dopaminérgica e os recursos narcísicos viciantes da comunicação digital cada vez mais dados. Sabemos o quanto, desse ponto de vista, a saúde mental das populações adolescentes está em risco”.
Os algoritmos não produzem por si só uma bolha e nos trancam lá dentro. Mas eles nos enredam e oferecem conteúdos similares e assim vamos entrando na bolha “do mais do mesmo”. As Big Techs criaram algoritmos para gerarem “bolhas de pensamento único”, que dividiram as sociedades num conflito intenso de “certezas” de cada parte.
E se estivermos movidos, seja por interesses ou por frustrações, por uma raiva contra mundo e expressarmos ódio, podemos ser bem sucedidos financeiramente. Isso por um simples motivo, essas redes sociais se beneficiam do engajamento que amplia o número de usuários e nada traz mais engajamento do que expressar raiva e ódio em vários níveis de ofensividade.
Esses hate speechs estão espalhados pelo mundo desde a ampliação das redes sociais. Por definição esses discursos dizem respeito a manifestações de valores discriminatórios, que ferem a igualdade ou incitam a
discriminação e atos de violência.
De acordo com os dados pesquisados (DataReportal, 2022) no Brasil há cerca de 171.5 milhões usuários de redes sociais e desse total cerca de 75% dos usuários já presenciaram algum tipo de ataque/ameaça dentro das redes sociais, com ênfase em algum tipo de discriminação. Esses dados comprovam o quanto os discursos de ódio são um tema atual, bem como um fenômeno recorrente e preocupante, pois afeta de modo direto e indireto milhões de pessoas que frequentam os diferentes espaços virtuais. Na maioria desses casos os comentários ofensivos dizem respeito ao preconceito racial, intolerâncias religiosa, política e homofobia.
Mas será que as pessoas praticam discursos de ódio por conta de questões internas (formação familiar, distúrbios psicológicos, etc.) e quando o fazem têm consciência disso? E quando o fazem conscientemente acham que estão abrigadas pelo direito à livre expressão?
Sabemos que nos EUA, onde um sistema federativo existe de fato, há uma interpretação própria que garante a livre expressão acima de tudo.
Aqui em nosso país, a Constituição destaca que toda e qualquer forma de manifestação é livre. O direito de expressão está garantido no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Mas ele não garante uma expressão sem limites. De imediato há outro direito constitucional que impõe um limite, o princípio de Dignidade Humana e por isso os ataques de ódio de cunho racista, homofóbico e intolerante se enquadram como crimes.
Isso tudo se torna ainda mais complexo, pelo embate dos interesses das Big Techs diante da tentativa dos poderes constituídos brasileiros de imporem um regramento a essa livre expressão sem responsabilizações no
mundo virtual.
Entramos em uma nova era da humanidade em que o advento das Inteligências Artificiais Senscientes, acrescem mais um elemento poderoso nesse quadro e o eleva a um novo patamar. As IASs conseguem identificar padrões comportamentais, de consumo, religiosos ou ideológicos, para concluir o que cada pessoas quer, como pensa, seus valores e seus medos.
Todos esses elementos ganham relevância no contexto das eleições municipais que se aproximam e nas futuras eleições proporcionais. Haverá conflitos políticos e ideológicos insuflados por narrativas que em sua maioria irão se afastar da realidade, por conta dos discursos de ódio e das fake news. Precisaremos de muita atenção e de um monitoramento constante.
Não tenho a pretensão de aprofundar essas questões tão complexas, mas me concedo o direito de sonhar com um caminho evolutivo, enquanto tentamos sobreviver fora da “bolha” e batalhar por regramentos mais rígidos, que senão extinguirão a existência de hate speechs, ao menos possam dar um mínimo de proteção às vítimas, enquanto mantemos a esperança de que num futuro imprevisível a evolução moral da humanidade
elimine esse problema.
Encerrando, me permito parafrasear e homenagear os Titãs, uma das grandes bandas do rock nacional que completa nesse ano 42 anos de existência e seu clássico “Televisão”. Assim agora poderíamos cantar: “O smartphone me deixou burro, muito burro demais, agora todas coisas que eu penso me parecem iguais. É que o smartphone me deixou burro, muito burro demais e agora eu vivo dentro dessa jaula junto dos animais”.
João Luís Martinez |
João Luís Martínez é ator, dramaturgo, escritor e roteirista. Cursou a Faculdade de Jornalismo da UFRGS. Atua há 40 anos nas áreas do Teatro e do Audiovisual (cinema, TV e web). Como roteirista já escreveu roteiros de curtas, longas, minisséries e séries, ficcionais e documentais para Produtoras do RS e de SP. Integrou durante dez anos o corpo docente do Studio Clio – Instituto de Artes e Humanismo onde foi responsável pelos cursos de roteiro. É amante da literatura, dos quadrinhos, da música e de todas as formas de expressão artística.
"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes
1 Comentários
O maravilhoso assustador mundo novo e seu já conhecido objeto de desejo: o lucro acima de tudo. E haja saúde mental.
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