Parte 4
As últimas horas do dia finalmente chegavam. A garota viu o sol se pôr do seu quarto, escondida da família, para que pudesse ter paz, pois enquanto estava no campo de visão de sua mãe, ela a criticava por suas roupas, por seu cabelo, postura, o que pudesse. Era cansativo. Da sua escrivaninha, os pensamentos de Manuela alternavam entre o medo de lhe chamarem para algum convívio familiar, o sonho estranho que tivera e o homem na árvore, que estivera em suas lembranças o dia inteiro, mesmo quando não estava pensando diretamente nele.
A garota jantou no quarto, como de costume, e permaneceu lá mesmo, rabiscando em folhas de papel enquanto esperava todos dormirem. Já era quase meia noite quando foi ao corredor e escutou os sons de roncos vindos dos quartos. A hora certa chegara. Colocou seus sapatos, pegou a lamparina, pulou a janela e seguiu pela trilha que embrenhava floresta a dentro.
Seu coração disparava pela ação furtiva. Nunca tivera tal coragem, fugir assim, no meio da noite, para encontrar algo ou alguém. Mas talvez estivesse acostumada com grandes emoções, pensava ela, enquanto caminhava. A vida inteira tinha de sobreviver à família que não se encaixava, ou aos colegas metidos a comediantes, que tinham algo interessante para dizer sobre ela. A sensação de não pertencimento de Manuela estava viva a todo instante e o esforço de sobrevivência também era constante.
Naquela noite, estava demorando mais do que o normal para chegar no local. Tentava lembrar-se de alguma planta específica, pedra ou árvore, porém não encontrou. Passou a perguntar se realmente conseguiria rever o homem na árvore. Depois de algum tempo andando, sentou no chão. Estava louca? Tudo que aconteceu na noite passada poderia ter sido um devaneio! Seus olhos encheram-se de lágrimas. Estava quase desistindo, porém, ao invés de levantar e ir embora, permaneceu sentada, olhando o céu entre as árvores. Sua mente estava vazia. Nada mais tinha peso. Só observava. De repente, escutou um som de violino. A esperança voltou!
Ergueu-se do chão e voltou a caminhar. Lembrou-se que esqueceu da lamparina onde estivera sentada - deu de ombros e continuou seu caminho. A música estava cada passo mais alta. Atravessou o córrego de água e finalmente chegou onde suas lembranças estiveram o dia inteiro!
- Pensei por alguns instantes que você tinha sido apenas imaginação da minha cabeça! - exclamou ela, com alegria, aproximando-se de Art. Os olhos dela brilhavam e estava eufórica.
- Não sou sua imaginação e estarei sempre aqui. - ele disse, com seu olhar profundo. Também parecia satisfeito em revê-la.
- Tentei lembrar do caminho que percorri, porém só o encontrei quando ouvi sua música.
- O caminho até mim é difícil. Do contrário, tantos já teriam me encontrado. Meu conselho é que siga sua intuição.
- Minha intuição? Mas por que ela me traria até você?
- Se você me encontrou, é porque deveria ter me encontrado. Sua intuição vai te guiar sempre para cá. Sua razão jamais a traria. Ou você acha racional entrar em uma floresta, à noite e seguir um som diferente que vem de um desconhecido?
- Verdade… - respondeu ela, depois de corar pensando na própria atitude.
- Gosto que venha me visitar. - ele disse, sorrindo pela primeira vez. Ela sentiu um calor no peito ao ver seu breve sorriso. Art retomou o violino e começou a tocar uma música mais suave e menos triste. Manuela sentou-se na sua pedra de outrora e, escutando a música até que adormeceu. Teve outro sonho.
Continua no próximo sábado ...
Miriam Coelho |
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