NAVALHAS AO VENTO

 

É FESTA: DE 1962, AGORA COM 62

Sempre disse que não gosto de comemorar meu aniversário e só este ano é que me caiu a ficha.

Tenho família, amigos e amigas e por isso nunca me senti só, nunca senti a solidão de um aniversário não comemorado. Mas isso só começou quando fiz 13 anos, quando minha avó faleceu. Única filha, criadinha com vó, meio mimada, mas sempre com os pés no chão (minha avó não criou uma babaca) até esta data eu tinha festas lindas de aniversário. A casa ficava repleta de tios, tias, primos, padrinhos, amigos... lembro da vó fazendo docinho de cenoura, olho de sogra, cajuzinho... tudo feito em casa com muito carinho... Todo ano eu ganhava da tia Uca a roupa que colocaria na festa, feita pelas suas mãos de fada, e o sapato eu ganhava da tia Hélia. A festa começava bem antes da festa.

Meus 15 anos.. ah, meus 15 anos... meu tio Neri me deu uma festa inesquecível. Nunca esquecerei tudo o que senti naquele dia. Eu era uma princesa no seu último dia de reinado. Mal eu sabia que a festa era uma despedida, pois meu tio havia sido transferido para São Paulo. Mais uma perda, mais uma dor. E após isso eu me blindei dizendo que não gostava de comemorar aniversário. Era mais fácil do que admitir que não teria uma comemoração, mesmo que pequena.

Quem conheceu minha mãe lembra de como ela era manipuladora. Todo ano ela alegava estar no fim da vida e seria seu último aniversário, dizia estar com câncer ou qualquer outra doença terminal só para ganhar uma festa. Eu que já tinha perdido minha avó, tratava de economizar em casa para ter condições de lhe dar uma festa, sempre grandiosa. Era eu quem cuidava das finanças da casa, isso aos 15 anos. Nos seus 80 anos fiz a maior de todas, num espaço Kid’s e jurei que seria a última... e foi. E quando chegava outubro ela dizia que não poderia fazer nada para mim porque não tínhamos dinheiro. E eu, de boa, dizia que não gostava de comemorar. Um almoço com meu pai e ela era suficiente. Um almoço normal, de todo dia, mas transformado em comemoração porque meu pai levava alegria quando chegava. Meu pai, sempre de boa, uma pessoa simples, humilde, me dava muito carinho, sempre.

Casei e meu marido fazia aniversário poucos dias antes de mim, e como bom narcisista que é, tinha que comemorar o aniversário dele, fazia altos churrascos, convidava seus amigos e família, gastava além do que podíamos só para aparecer para os outros. A Neusa, minha amiga e vizinha, é que comprava velhinhas com a minha idade e colocava no bolo ao lado das velhinhas dele. E eu dizia: -Tudo bem, não gosto de comemorar meu aniversário...!

Comecei a trabalhar na prefeitura e todo ano eu recebia uma comemoração no setor onde estava. Eu aguardava ansiosamente por este dia e nem percebia. Minhas amigas e amigos, mesmo sem saber, fizeram um trabalho bem feito restabelecendo a minha alegria em comemorar minha data de nascimento. Das festas no trabalho, lembro de uma na FUNDARC, outra na Agricultura e Abastecimento e a última no Centro Municipal de Saúde que foram as mais significativas, mas todas foram importantes pois trouxeram a lembrança dos tempos da minha infância e comecei a tomar gosto por me sentir querida pelos amigos.

Nos últimos anos tenho me permitido, além de comemorar com os filhos, ir a uma pizzaria, um barzinho, uma churrascaria... até mesmo num boteco para tomar uma gelada, chamo os amigos e amigas e comemoro a vida ao lado deles. Dar boas risadas com as pessoas que eu amo, não tem preço. Cada um que chega é uma festa, eu me sinto querida e isso me emociona, vibra cada centímetro da minha alma.

Sim. Descobri que amo comemorar meu aniversário. Que cada ligação, cada WattsApp, cada torpedo, cada mensagem é uma festa no meu coração. A certeza de que cada um que chega no local marcado está levando o maior presente que poderia me dar: o seu tempo, a sua atenção e a sua amizade.

É... a menininha nascidinha em 1962 completou 62 anos e só agora se permite voltar aos 15 anos e recuperar tudo o que não viveu porque estava pensando mais nos outros do que em si. Agora sei o que este carinho significa: significa vida e eu estou viva... e cercada de pessoas que amo..


Isab-El Cristina Soares


Isab-El Cristina Soares é poeta, membro do Clube Literário de Gravataí, autora de 6 livros.  Graduada em Letras/ Literaturas, pós-graduada em Libras, é Diretora Cultural do ColetiveArts.

Escute o episódio do podcast Coletive Som gravado com Isab-El , clicando Aqui.

"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
CONTANDO HISTÓRIAS, 
CRIANDO MUNDOS!
O COLETIVE COMEMOROU
O ANIVERSÁRIO DA ISAB!

SIGA-NOS EM NOSSAS REDES SOCIAIS:
Facebook: AQUI Instagram: AQUI YouTube: AQUI Twitter: AQUI
Sempre algo interessante
para contar!

Postar um comentário

6 Comentários

  1. Fazer aniversário é envelhecer e envelhecer é muito bom... comparado com a outra opção.

    ResponderExcluir
  2. Devemos comemorar sempre a maravilha de te ter em nossas vidas. Lamentei não estar contigo, mas faz parte. Amei o texto. Mais uma vez feliz aniversário. Te amo ❤️

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Didia. Obrigada pelo carinho. Também te amo, filhota.

      Excluir
  3. Sem dúvida comemorar com aqueles que amamos e nos aceitam como somos é fundamental.😘😘😍

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Marli, sou a Isab. Obrigada pelo carinho. Bjuuuu

      Excluir