O gigolô literário
Alguém sabe lidar com elas melhor que eu? Me gabei mentalmente, enquanto fechava o porta malas do carro vermelho da dama. Cliente satisfeita era cliente fiel e assim ela partiu muito contente, enquanto eu acenava, enroladinho no meu roupão verde escuro, segurando meu novo livro de Maupassant. Ela buzinou ao dobrar a esquina, um velho hábito dos moradores de Viamão, eles juram que isso significa “tchau”.
Entrei em casa com frio e ainda eufórico, o café já estava passado, não havia ninguém em casa e era a hora perfeita para aquele gordinho encher sua caneca do Darth Vader de café, sentar na sala de estar e ler o seu mais novo pagamento das noites de amor.
Todo mundo tem um hobby, tem um emprego e um amor. Eu sou o cara que conseguiu unir esses três numa atividade só - sou gigolô. Mas meu pagamento não é em dinheiro, é em livros, o que para mim vale ouro! Também tenho meus requisitos, não aceito que me comprem livros de qualquer autor, nem qualquer livraria ou sebo, a dama tem de me dar algo de sua biblioteca particular, portanto, para ter esse amante aqui por uma noite, tem de ser uma ávida leitora e me oferecer uma boa safra de opções!
Quem diz que gordinhos não pegam mulheres não sabe de nada! Claro que não sou daqueles excessivamente gordos, que passam o dia inteiro sobre uma poltrona, comendo hambúrguer com muito bacon e jogando Godo of War. Gosto de caminhar pelo bairro distribuindo leite em potinhos de iogurte usados para os gatinhos da vizinhança - é assim que me exercito. Gasto mais tempo lendo do que assistindo Game of Thrones e atualizo meu perfil do tinder, pois é lá que faço meus novos contratos. Estou pensando em criar um site futuramente, para ser mais profissional. E elas me adoram! Porque sou o mestre das preliminares! Quem disse que o tamanho do membro é o que cativa as mulheres, está muito errado, tenho clientes fiéis.
Terminei meu café e li algumas páginas do meu mais novo objeto de adoração.
Maravilhoso! Mas lembrei que tinha de comprar alguns itens da minha dieta prescrita pela nutricionista, a qual minha mãe é faxineira. Minha “véia” se preocupa comigo. Ela desabafou semana passada com a patroa dela, disse que tinha um filho desempregado e gordo dentro de casa. A mulher ficou tão comovida com o desabafo da pobre faxineira-mãe, que não prometeu um emprego para o filho e sim uma dieta sem custo nenhum de consulta - para me ajudar a emagrecer e me tornar mais ativo. Eu tentei argumentar, mas a “coroa” se preocupa tanto comigo que acabei aceitando. Pois bem, tenho 50 pila que ela deixou sobre a mesa, preciso fazer logo essas compras.
Minha vontade era de sair de roupão mesmo, mas eu não teria nem coragem de imaginar o que diriam de mim. Imagem é tudo! E não tenho vergonha de admitir isso – eu prezo de mais pela opinião alheia sobre a minha aparência. Portanto levei aproximadamente duas horas para acertar meu visual do dia: calças jeans escuras, camiseta de uma das minhas séries favoritas do momento, Stranger Things, e uma jaqueta quadriculada de flanela, vermelha, bem passada e alinhada com o look. Os sapatos eram vermelhos, ligeiramente simples, mas completando o visual com chave de ouro. Eu era um gordinho nerd estiloso!
Subi na minha moto, ajeitei o capacete rezando para não despentear muito o meu cabelo, arrumei meus óculos e fui em direção ao supermercado mais completo de Porto Alegre, já que eu duvidava que tivesse coisas como toranja e patê de pastrami no Tudo Barato ali do meu bairro.
Fui em uns cinco mercados diferentes até que chutei o balde e fui no super dos ricaços. Cheguei preocupado. Olhei a lista e me questionei se os R$ 50,00 realmente dariam conta da minha lista. Me programei para colocar tudo no carrinho e depois eliminar o que eu não achava tão importante. Quando cheguei nos mais temidos, o patê de pastrami e a toranja, a minha cabeça quase entrou em parafuso! Nunca vi esses nomes em prateleira alguma.
Fiquei envergonhado, mas decidi gritar para o rapaz que arrumava as mangas na fruteira.
– Amigo, você tem toranja?
– Sim, fica ali perto das primeiras bancadas de frutas. – Respondeu ele, rapidamente, distraído com o processo de empilhar as mangas corretamente na bancada.
– Amigo, você sabe o que é uma toranja? – Nesse exato momento ele parou tudo e virou para mim. Naquele momento, ele teve a certeza de que eu era pobre. O rapaz riu e foi comigo até o lugar certo. Realmente eu jamais adivinharia, parecia uma laranja, não tinha nada de diferente por fora. Só veria a diferença quando a cortasse, ele me explicou. Aproveitei para perguntar sobre o pastrami. Ele riu novamente e me levou até os congelados para me mostrar o tal patê de pastrami. Não me pareceu algo tão apetitoso quanto mortadela bolonha, mas coloquei no carrinho e olhei a lista novamente para conferir o que faltava. Ele espiou por cima do meu ombro e disse:
– Esse regime não serve para pobres como nós. Por isso que pobre nunca emagrece. Só rico. – E saiu rindo. Talvez eu devesse incluir patê de pastrami nos pagamentos dos meus serviços. Em um mês eu teria patê de pastrami por um ano.
Depois de colocar a lista toda no carrinho, parei no corredor de congelados novamente e comecei a selecionar o que mais renderia e o que eu deveria devolver para as prateleiras, quando uma belíssima dama se aproximou de mim no corredor e perguntou:
– Você sabe o que é patê de pastrami? – Era a mulher dos meus sonhos! Ruiva, cabelos compridos até a cintura, rosto angelical de menina sapeca, estatura média, mas para mim, que tinha 1,85, ela era bem baixinha.
CONTINUA NO PRÓXIMO SÁBADO…
Miriam Coelho |
"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes
1 Comentários
me transportei nas cenas
ResponderExcluirigual a um filme