O gigolô literário
parte -2
– Sim, eu estou desistindo de levar. Você quer? – Ofereci. Ela sorriu para mim, pegou o patê e colocou no
carrinho.
– Que estranhos esses ingredientes de regime chique! Minha mãe não achou o tal patê nas últimas compras que fez e me enviou na busca dele. Você também está fazendo esse regime?
– Não-o... – gaguejei – É para a minha avó. – Eu disse e depois me arrependi. Que ridículo! Se nos casássemos um dia, ela conheceria minha avó e saberia na hora que eu menti! Minha avó tinha 75 anos, estava viúva há quase um ano, comprou uma moto, a qual passa mais tempo limpando que realmente andando, fez uma tatuagem de gato no pescoço e passava os dias jogando vídeo game e comendo muito bem. Não seria o tipo de pessoa que comeria patê de pastrami..
Ela me olhou com jeito de desconfiança, como se estivesse lendo a minha mente. Ela parecia uma criatura mágica e fantasmagórica, ela podia representar muito bem menina daquele filme de terror famoso dos anos 80 depois de adulta, Poltergeist IV. Perguntei seu nome e eu podia jurar que ela diria Carol Anne. Mas não, seu nome era Lina. Tão diferente quanto ela.
Leonardo, eu me apresentei e seguimos pelos corredores do supermercado conversando sobre dietas malucas que já ouvimos falar e atitudes bobas como fazer selfie com o celular em cima, para dar a impressão de se estar mais magro. Ela realmente não tinha problemas com isso, talvez por isso podia rir com mais soltura que eu. Sou um tanto neurótico, posso ser até doentio comigo mesmo. Se não estou contente com meu corpo naquele dia, não saio de casa nem para colocar o lixo na rua.
Passamos no caixa juntos e a atendente quase passou os produtos dela, pensando que estávamos juntos. Talvez soaria fraqueza da minha parte confessar meu forte interesse por aquela pequena criatura naquele momento. Eu deveria esperar ela dar alguma pista de que estava interessada. Mas e se fosse tímida? Pensei.
Ela me despertou dos meus questionamentos em frente ao espelho, esperando por ela, e me convidou para tomar um café numa cafeteria ali perto. Certamente era algo muito hippister! Fiquei animado e aceitei quase saltitando. Ela também percebeu e riu. Aquela pequena era única!
Tivemos um início de tarde muito agradável. Me sobraram alguns trocados de outras idas ao mercado e pude tomar dois cappuccinos e comer um delicioso donut de framboesa. Mas reparei, depois de certa hora, que ela parecia o homem da relação, pois pediu duas xícaras simples de café expresso simples e um pão com manteiga.
Perguntei sobre sua vida e ela me contou a história completa e eu escutei com toda a atenção de um cavalheiro. Era uma garota decidida e peculiar. Aos 9 anos desistiu da escola ainda na primeira série, porque tinha mais interesse em jogar xadrez com seu avô do que aprender o alfabeto. Odiava decorar qualquer coisa, tinha alergia a pó de giz de quadro e classes com cadeiras enfileiradas lhe causavam desespero. Tinha 19 anos e acreditava em astrologia, se surpreendeu quando eu revelei que sou de Leão. Não acreditava que a idade cronológica definia maturidade. Os pais dela aceitaram que ela viveria eternamente livre. Enviaram-na para os EUA na mesma época em que largara a escola, para que pudesse aproveitar a vida como queria. Perdera a conta de quantas tutoras teve, até aprender a ler e a escrever o básico e ali entramos na pior revelação de todas, ela odiava ler!
Como eu, um ávido leitor, amante de mulheres e literatura, poderia me envolver com uma garota semianalfabeta? Que sabia assinar o próprio nome, ler as placas, mas jamais discutiria comigo se Capitu traiu Bentinho? E eu estava perdido, caído de quatro por aquela mulher! Parte de mim pensava em levantar da cadeira, me despedir educadamente, subir na moto e ir embora sem olhar para trás. Porém a outra parte venceu e foi totalmente sem esforço quando aceitei o convite de conhecer o apartamento dela no bairro Moinhos de Vento.
Miriam Coelho |
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