O UNIVERSO CONTA

 

O gigolô literário

parte -3

Ela subiu na minha moto, eu sempre tinha um capacete extra, e pilotei até um dos bairros mais chiques da capital. O apartamento era gigantesco e com uma vista incrível para o Parcão, naquele andar eu podia sonhar com noites poéticas lendo e compondo meu roteiros para o cinema brasileiro, enquanto me inspirava com a visão panorâmica das árvores e do gramado bem cuidado do parque burguês.

Seu quarto era um dos mais privilegiados da casa cabia eu, minha família e podíamos receber visitas para um churrasco, de tão grande que era. Seus pais estavam na fazenda da família então tínhamos o andar inteiro para nós. Me perguntei se ela não sentia medo em levar um homem que conhecera no mesmo dia para dentro de casa. Porém não quis estragar o clima perguntando algo assim. Talvez ela pensasse que eu pudesse ter más intenções e nosso encontro acabaria ali mesmo. Mas o que ela realmente pensava? Será que eu tinha camisinha na carteira, me perguntei. Seria estranho abrir a carteira e procurar, então faria isso na primeira ida ao banheiro.

– E o que você faz da vida? – ela me perguntou, por fim, enquanto colocava os pés descalços no carpete e ligava um som no rádio do quarto.

– Sou gigolô. – Respondi, me divertindo com a expressão de desconfiança dela.

– Desculpe... – disse, depois de rir e perceber que eu continuava sério – E-eu não imaginava… eu nunca conheci alguém da sua... profissão. Quer dizer… É sério mesmo? Você é mesmo gigolô?

– Ah, é um Passatempo… – eu disse, rindo. Ela não poderia ter ficado mais bela, enquanto seu rosto avermelhava de vergonha – Eu também não faço isso com qualquer mulher e não recebo dinheiro como pagamento pelos meus serviços.

Fiz o máximo de mistério que pude, para prolongar a sua expressão de choque e curiosidade, isso me divertiu bastante, porém finalmente contei a ela que faço sexo em troca de livros e que minhas clientes tem de ser leitoras com profundo conhecimento literário e um acervo de livros considerável, para que possam se dignar a deitarem comigo.

Lina ficou pensativa por um tempo, talvez ela tenha chegado no mesmo impasse que cheguei na cafeteria, somos opostos. Mas não aqueles opostos que se completam. Somos opostos já completos, que poderiam se amar, contudo jamais se uniriam verdadeiramente. O que era triste para mim, pois jamais havia conhecido uma garota tão especial quanto ela. Porém eu estava errado, ela pensava outra coisa.

– Quando te vi, pensei que fosse apenas um nerd comum, jogador de LOL. Não imaginava que tivesse uma atividade tão absurda quanto essa - disse, rindo de mim.

– Porque absurda ? - Indaguei contrariado, ela estava me julgando?

– Veja bem, tu disse que deita com mulheres em troca de livros e que elas tem de ser boas leitoras, mas e se elas te enganaram? Podem comprar um livro bom, depois de algumas pesquisas na internet, escutar vídeos do youtube falando sobre eles e te pagar em troca do sexo, o que seria mais barato que pagar um garoto de programa de verdade.

Ela tinha razão! Por que nunca pensei no furo do meu plano? Como eu poderia ter certeza de que aquelas mulheres realmente era leitoras? Fiquei decepcionado! Ela percebeu meu desalento e me ofereceu um dia  de guloseimas e filmes. Eu poderia escolher o que assistir e é claro que puxei a braza para o meu assado, escolhi algo que já revi diversas vezes, para poder passar o filme inteiro falando feito o History Channel de cada cena.

Passamos o resto da tarde assistindo os dois volumes de Kill Bill e comendo hambúrguer com muita batata frita. Ela teve toda a paciência do mundo para me escutar falando sem parar. Me surpreendi! Foi uma das tardes mais especiais da minha vida. Não tínhamos o mesmo amor pela literatura, mas ela tinha paciência suficiente para me aturar. Encerramos a última cena e eu a beijei, por fim. O beijo foi tudo que eu esperava e um pouco mais. As coisas esquentaram tanto que ela me convidou para o seu quarto. O convite que eu esperava desde que trocamos a primeira palavra.

Contudo, nada daquela perfeição poderia superar o quão opostos e completos eu e Lina éramos. Certamente seríamos felizes por algum tempo, até o momento do fim iminente e eu realmente não estava disposto a abrir mão de sofrer por perdê-la, passar meses superando um término de relacionamento e me reconstruindo novamente. Tive preguiça só de pensar no trabalho danado que seria passar por toda aquela história. Acariciei seu rosto, me despedi, juntei as compras que deixei sobre a bancada de mármore da sua cozinha e parti com minha personalidade intacta. Lina será perfeita em minha memória para sempre, e eu permanecerei completo por muito tempo ainda, antes de aceitar alguém que poderá desmontar meu coração ou minhas certezas com verdadeira força. Quanto ao meu trabalho, teria de planejar uma forma melhor de escolher minhas clientes sem ser logrado, Lina me alertou para os golpes. Não estava nada fácil viver num mundo onde até um gigolô pode ser pago com falsidades.


FIM


Miriam Coelho


"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes

COLETIVEARTS, 06 ANOS DE VIDA,
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