Ouro de Tolo
Hoje, acordei com muita dor no peito. Algumas vezes me acontece. Pode ser coluna, que a minha perdeu a elasticidade quando o Paulo Santana ainda dava chilique na Rádio Gaúcha. Pode ser o sistema nervoso, que esse já desistiu de mim, desde aquele gol anulado do Edenílson. Ou pode ser alguém, que como dizia o Raul, "vestida de cetim...espera só por mim". Sentei, olhei para o lado e vi Denise ainda dormindo. Que coisa. Já 16 anos juntos e não tem nada que eu prefira ver mais nessa vida, que ela dormindo. Então, com dor e tudo, deitei ao lado dela para adormecer olhando minha visão preferida da vida. Esperando passar.
A dor, ou o que fosse.
Tenho 45 anos. Dizem que nos dias de hoje, eles são os novos 25.
Poucas vezes ouvi uma bobagem tão grande. Ouro de tolo. A idade que se tem é a idade que se tem e só. O resto é apenas o que fazemos dela. Ou o que conseguimos fazer.
E o que fizemos ou deixamos de fazer nos 25, talvez ditem os rumos do que conseguiremos nos 45.
Bom, ao olhar para mim, você pode ter uma ideia bem clara e nada bonita do que deixei pra trás nos meus 25.
É um dos motivos de não sentir saudade nenhuma da minha juventude.
O outro é que encontrei como uma das verdades da minha vida atual, que somos bem melhores quando amadurecemos.
Caetano disse uma vez que "o homem velho é o rei dos animais". E Caetano pode ter produzido suas obras primas na juventude, mas me parece muito melhor agora. É velho. É motivo de piada para alguns, que o julgamento senil. Mas eu olho para ele e vejo alguém que descobriu algo. E que sem revelar a ninguém (odeio quem dá spoiler), sorri de canto de boca. E eu sorrio de volta. Sei que descobrirei um dia, também.
Frank Jorge diz em uma de suas canções, que "Elvis na fase decadente é bem melhor que muita gente". E ao ver Elvis gordo, com uma ridícula roupa branca e costeletas exageradas, vejo o verdadeiro Rei, não do rock, mas finalmente de si mesmo. Alguém que parecia finalmente estar fazendo o que amava finalmente encontrado o caminho. Mesmo que esse caminho acabasse poucos anos depois.
Essa semana, conversando com Denise, ouvindo um disco de Dylan, disse a ela que o melhor da obra de Dylan estava nos anos 60 e 70, quando tinha entre 20 e poucos e 30 e poucos. Mas que o melhor de Robert Allen Zimmermann, estava acontecendo agora, com seus mais de 80 anos. Como ele diz em Not Dark Yet (pra mim, sua melhor canção de todas), canção feita já com o cantor chegando aos 60: "Não estou procurando nada nos olhos de ninguém".
Dylan é um homem que chegou no ponto de se olhar no espelho, em SEUS olhos e poder acenar positivamente para aquele que o encara.
Ele entendeu.
E eu, ainda longe da idade de um Caetano, de um Dylan, ou da idade que teria um Elvis hoje, talvez esteja começando a entender.
O peito vai doer outras vezes.
Mas sorrirei de canto de boca. E alguém verá meu sorriso. E sentirá algo chegando. E sorrirá também.
Não vejo propósito mais lindo nessa vida.
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Davison Silveira |
Davison Silveira é escritor e sonhador. Não ganhou dinheiro com nenhuma das duas, mas continua achando que as respostas da vida estão em alguma canção do Belchior, num disco de Dylan, num livro de Kundera, numa revista do Asterix e nos beijos de Denise. Para ele o sentido da vida é Centro-Bairro. E segue sua vida esperando o retorno daquele que veio dos Céus para nós salvar: Goku. Ou que finalmente resolvam fazer a versão 600 ml do refrigerante Teem
"Quanto mais arte, menos violência. Quanto mais arte, mais consciência, menos ignorância."
- Ricardo Mendes
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1 Comentários
Genial está crônica! Das melhores, vou me dar o direito de compartilhar 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏 Valter Amaral
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