
Ensaio sobre a nudez (parte I)
Sério, o povo inventa cada coisa. Agora ainda mais essa, onde já se viu? Para deixar logo claro, nada contra as cangas. Com licença pro trocadilho, sentar de bunda pelada na areia fofa não é a praia de qualquer um. Então canga, tudo bem, também não sou extremista. Uma ecobag ou pochete para carregar os itens necessários (protetor solar, cartão, chaves, ...). Até um chapéu de palha ou mesmo um boné, vai. Nada contra. Agora, biquíni? Bermuda? Fico com náuseas só de pensar nos possíveis formatos da parte superior dos biquínis: triângulos, conchinhas, cestinhos, com e sem bojo, cruzado ou simples, estilo top, de uma alça ou de duas, tomara que caia, com ornamentos, sem ornamentos. Agora vou ser obrigado a ver? Só para que outros possam usufruir da sua liberdade de vestir o que quiserem? A praia não é pública? Se é pública tem que agradar ao público. O público não sou eu? Então. Nem sei por que concordei em vir na praia dos tecidão. Ainda mais em pleno domingo. Lo-ta-da. De tantas praias de nudismo que têm pela costa, viemos logo pra única mista. Mas acontece que Florcito gosta. Vá entender. Faz um tempo já que suspeito que se excita vendo gente vestida. A vez passada peguei ele tirando fotos de um casal com roupa de banho. Ele nega, óbvio. Ninguém quer ser tachado de tarado. Fora que nem pode tirar foto aqui. Mas por que essa insistência então de vir pra praia de tecido? Eu quero lá ver as flores estampadas na camisa estilo Havaí do gringoso barbudo? O fio dental sendo remoído pelas nádegas da loirona? O maiô desbotado da jogadora de frescobol de cem anos, ou a etiqueta se escapulhando da sunga novíssima do marido? Não fosse suficiente o brilho da fibra sintética no sol, o contraste gritante do tecido escuro com a paisagem, ainda tem que se suportar a safadeza daquele retângulozinho branco linguetando por cima do cós e se balançando no ritmo dos passos que tentam alcançar a bola. Vulgar isso. Sem querer, bufo de reprovação, e Florcito levanta os olhos do seu livro:
— Si no quieres ver, é só não mirar.
Como se fosse tão fácil. Mas o que acontece é que esse portunhol dele me deixa doidinho. Algumas cabeças se viram na minha direção. Cês só tavam esperando por essa, né, seus tarados? Mudo de posição na cadeira, cruzo as pernas e pego uma gelada do cooler. O frio da garrafa sobre a virilha nua me ajuda a recuperar o estado neutro em questão de segundos.
— Vamos pra casa, Florcito. Tive uma ideia...
— Já conozco tus ideias — ele ronrona sem tirar os olhos da página, e eu, que estava prestes a tomar um gole, afundo a garrafa na virilha com urgência.
— Só me deja terminar o capítulo.
Ele vira de barriga pra cima sobre a canga, e eu forço meus olhos a procurarem o horizonte. Encontro de azul com azul. Um céu despido de nuvens, liso e perfeito. Beberico minha cerveja. Finalmente ele se levanta, guarda livro e canga na mochila, fecha o guarda-sol. Com o cooler numa mão e a cadeira na outra, o sigo em direção ao estacionamento. No meio do caminho, um grupo de tecidões de meia idade está conversando e rindo com os pés na água, se sentindo muito à vontade. Diminuo o passo, quase paro do lado deles. Olho cada um de cima a baixo, devagarinho, deixando eles bem cientes do misto de nojo com curiosidade que a indecência deles me inspira. Se pudesse, passaria a mão nas sungas e maiôs. Mas nesse momento, Florcito assovia daquele jeito que me faz apressar o passo até chegar ao estacionamento. Na saída, dou um último olhar repreendedor ao guardinha com seu uniforme. Enquanto Florcito dirige o carro pelas curvas da estrada, determino:
— Na próxima vez vamos pra uma praia decente.
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| Yvonne Miller Foto: Thaís Vieira |


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