TECITURA


FERREIRA GULLAR 

A vida não é o que deveria ter sido e sim o que foi. Cada um de nós é a sua
 própria história real e imaginária.
– Ferreira Gullar

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luis, 10 de setembro de 1930 – Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 2016), foi um escritor, poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta brasileiro e um dos fundadores do neoconcretismo, ocupando a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.

Reverenciado pelos maiores poetas e escritores brasileiros de sua geração, Vinícius de Moraes disse que Poema Sujo foi “o mais importante poema escrito no Brasil (e não só no Brasil) nos últimos anos. De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, Gullar foi “o nosso único poeta maior dos tempos de hoje”, só comparável, no Brasil, à prosa de Guimarães Rosa”.


Neoconcretismo

Em 1959, junto com vários artistas, entre eles Amílcar de Castro e Lygia Clark, fundou o grupo de arte Neoconcreto.

Diferente do Concretismo, que fazia sua arte com base na lógica e conhecimento  objetivo com cores, espaços e formas objetivas, os artistas Neoconcretos viam as cores, espaços e formas como elementos não pertencentes a qualquer linguagem artística, mas para a experiência viva e indeterminada do homem.




Em 1962, retoma o verso discursivo e resgata seu eu lírico, voltando a abordar temas de interesse social, como a fome, a Guerra Fria, a corrida atômica, o neocapitalismo, o Terceiro Mundo, etc.

Com o advento do regime militar no Brasil em 1964 e o recrudescimento do regime autoritário em 1968, acentua-se o engajamento do autor, que, ao lado de outros escritores, artistas e compositores, como Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gianfrancesco Guarnieri, José Celso Martinez Correa, Thiago de Mello e Affonso Romano de Sant’Anna, realiza uma verdadeira poesia de resistência. São desta época algumas das principais realizações de Ferreira Gullar na poesia: as obras Dentro da Noite Veloz (1975), e Poema Sujo (1976), esta escrita no exílio, em Buenos Aires.


Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão


O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço

e carvão
nas oficinas escuras


- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"


Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço


O poema, senhores,
não fede
nem cheira



Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.


Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza

e solidão.

Uma parte de mim

pesa, pondera:
outra parte
delira.


Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.


Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.


Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.


Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão

de vida ou morte —
será arte?



Em 1969, Gullar foi preso no Rio de Janeiro, com o jornalista Paulo Francis e os  compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Livre da prisão, exilou-se em Paris, no Chile, Peru e na Argentina. Foi neste período (1971 – 1976) que Ferreira Gullar escreveu dois de seus mais conhecidos livros: Dentro da Noite Veloz e Poema Sujo.

Neste período histórico, em que floresceu a poesia social, o país passava por uma represália política e cultural, em face à ditadura militar. Foi nesse contexto que escritores e autores como Affonso Romano de Sant’Anna, Paulo Leminski, Ricardo
Carvalho Duarte, Francisco Alvim e Cacaso, Ferreira Gullar, se expressaram literariamente, dando origem ao que a crítica chamou de poesia marginal.

A Poesia Marginal pretendeu uma expressão livre, onde seus representantes buscavam formas alternativas para divulgar os seus textos e poesias, divulgando-os nas ruas, nas praças e locais que estavam longe do alvo da censura. Apresentando traços do Concretismo, podia ser lida em diversos lugares: nos muros, nos postes, nas paredes e nas portas de banheiros públicos, em qualquer lugar em que se pudesse expressar a descontração, a subjetividade, o protesto e as propostas de seus autores, uma poesia que estava à margem do circuito editorial.

Além da vasta produção literária, Ferreira Gullar contribuiu também para outras mídias, com seu trabalho encenado em peças teatrais e assinando vários episódios para o seriado televisivo Carga Pesada, as aventuras de Pedro e Bino.

Ferreira Gullar recitando Poema Sujo 001 :



Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.


Sandro Gomes

03 ANOS DE COLETIVEARTS
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para contar!

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2 Comentários

  1. O Ferreira Gullar é um dos meus maiores ídolos quando se fala em crítico de arte, sou fã dos poemas dele também.

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  2. Que bom ter gostado, Laís ... Gosto muito dele ... Em se tratando de educação, é ótimo trabalhar em sala de aula com seus textos, sua poesia ... Sempre remete a reflexões importantes, nasceram clássicas ... Não há vagas, por exemplo, foi criada em 1963, e quem não a conhece tem a impressão de que foi feita ontem, neste contexto atual. Forte abraço!

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