Sérgio Porto, ou Stanislaw Ponte Preta, nasceu no Rio de Janeiro em 11 de janeiro de 1923 e morreu no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1968, aos 45 anos. Bancário e jornalista, admirador do Barão de Itararé, Sérgio Porto era dono de uma linguagem pomposa aliada a um coloquialismo descontraído e irreverente, criando estilo único. Escreveu para a Revista Sombra e para o Diário Carioca, mas foi no jornal Última Hora que consagrou-se. Sérgio Porto começou a usar o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta no Diário Carioca, inspirando-se em um personagem satírico de Oswald de Andrade – o Serafim Ponte Grande – a princípio para ironizar os cronistas sociais que, por serem muito prestigiados na época, alcançavam importância não merecida. Fazendo de início uma mescla de crítica teatral e crônica social, acabou por fim dedicando-se apenas à crônica da vida artística. Muitos críticos diferenciam o cronista Stanislaw Ponte Preta do escritor Sérgio Porto, associando o primeiro a um gênero menor, a crônica humorística, enquanto ao outro, à criação literária. Porém, essa separação qualitativa nem sempre se estabelece, visto que em muitos textos, vemos o dedo de Stanislaw Ponte Preta e vice-versa. Exemplo disso, o clímax da novela “A Desinibida do Grajaú”, em que os moradores de um prédio armam a maior das confusões, poderia perfeitamente ser assinada por Stanislaw Ponte Preta, assim como a bela crônica “Notícia de Jornal” do livro Tia Zulmira e Eu, encontramos a mesma atmosfera poética e evocativa das primeiras crônicas de Sérgio Porto.
Contexto Histórico e a Crônica Jornalística
A figura de Sérgio Porto e em especial, de Stanislaw Ponte Preta, esteve intimamente ligada ao mundo das comunicações de massa; suas crônicas, músicas e shows tiveram como veículos privilegiados a imprensa diária, o rádio e a televisão. Desde as primeiras apresentações de calouros nas rádios da década de 30, os ruidosos programas de auditórios dos anos 40 e 50 até as sofisticadas telenovelas, constata-se a importância dos veículos de massa como fonte de lazer para o povo brasileiro, em especial os dos grandes centros urbanos. Acompanhar o avanço das comunicações coletivas é o mesmo que seguir o processo de urbanização do país.
Com o fim da República Velha, a partir de 1930, o Brasil inicia uma nova caminhada em direção a uma sociedade capitalista moderna, fato importante para o primeiro grande salto da comunicação de massa, em que o rádio entra em uma nova fase, deixando de lado a antiga orientação educativa, onde o novo rádio comercial agora destina-se ao lazer e divertimento das grandes massas urbanas. A propaganda também muda, tomando novo fôlego com o surgimento dos slogans inspirados em provérbios. “É mais fácil um burro voar que a Esquina da sorte falhar”. E no campo da imprensa escrita há a consolidação de um gênero literário cada vez mais aclimatado à realidade brasileira: a crônica jornalística.
Surgimento dos Jingles, criação da Atlântida, Revistas e Televisão
O rádio atinge seu apogeu ao longo da década de 40 com os famosos programas de auditório e música popular brasileira, a grande fonte de lazer das classes populares. Época dos grandes ídolos do rádio – cantores e locutores -, fãs-clubes e intensa participação popular. É nesta fase que surgem os anúncios cantados ou jingles. Inspirados musicalmente em sambas ou marchas carnavalescas, os jingles contaram com compositores como Lamartine Babo, Hervê Cordovil e Noel Rosa.
O cinema nacional se amplia e populariza com a criação da Atlântida, companhia cinematográfica que alcançou fama com suas comédias musicais despretensiosas, ingênuas, em que se destacaram a dupla Oscarito e Grande Otelo.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, tem início no país um período de legalidade, com a realização de novas eleições e a elaboração da nova Constituição. Durante o governo de Juscelino Kubitscheck, o país abre sua economia para os capitais europeu e norte-americano, que é investido sobretudo na indústria automotiva; como consequência temos um surto de industrialização e urbanização. Os meios de comunicação coletiva continuam sua escalada, diversificados e sofisticados. A grande novidade técnica da época é a televisão, com a inauguração da TV Tupi de São Paulo em 1950, porém, mesmo com o advento da TV, os rádios continuam incontestáveis, com seus programas de auditório, suas novelas (O Direito de Nascer), seus noticiários jornalísticos (Repórter Esso); também significativa participação neste cenário tiveram as grandes revistas semanais como O Cruzeiro, Manchete, A Cigarra, sendo que a revista O Cruzeiro atingiu, em 1954, uma tiragem de 750 mil exemplares.
Bossa Nova, mudanças de estilo e começo da queda da Atlântida
No final da década de 50, o rádio experimenta uma nova fase de desenvolvimento, aproximando-se de um público oriundo da nova classe média emergente, mais sofisticado e exigente. No âmbito da Música Popular Brasileira, há uma transformação no perfil do público. Domínio exclusivo até então das camadas mais populares, começa a ser invadida por cantores de formação universitária. Esse é o caso da Bossa Nova, movimento renovador que incorpora elementos da música erudita e da música popular americana ao samba tradicional. Há mudanças também nas propagandas musicadas e cantadas, com o advento deste novo público alvo, a nova classe média desenvolvimentista. Para alcançar este público, os jingles não mais poderiam ser veiculados através das velhas marchinhas de carnaval, e assim novos ritmos como a Bossa Nova, o rock e outros modelos de música internacional são utilizados.
O início da década de 60 apresenta uma ruptura com esta ilusão desenvolvimentista devido a problemas relacionados à inflação, aumento da dívida externa e tantos outros típicos de uma economia dependente, em paralelo ao surgimento de uma produção artística mais crítica e áspera.
Na música, os compositores voltam-se para ritmos populares e poéticos, voltado às populações urbana e rural, aos marginalizados, como o favelado e o sertanejo; apesar
do apego popular, inclusive com a aliança de compositores do samba tradicional do morro, o novo samba participante alcança um público universitário de classe média.
No cinema, fenômeno semelhante também ocorre, que também envereda por este caminho ideológico estético. A Atlântida e seu estilo de cinema começa a arrefecer na década de 60, sendo substituída por um cinema mais intelectualizado, que buscava aliar denúncia social a uma linguagem cinematográfica mais crítica e engajada.
1964, AI-5, Chico Buarque e Caetano Veloso
A crise iniciada no início da década de 60 explode em 1964 com a intervenção militar, interrompendo o governo democrático de João Goulart, instaurando um novo sistema político no país. Embora os militares exerçam uma crescente censura nos meios culturais, a oposição ao novo regime estende-se a quase todos os setores da vida nacional.
Neste período, a televisão alcança níveis de audiência jamais imaginados, desbancando o rádio da posição de líder das comunicações em massa. Adquirindo uma infraestrutura própria, surgem as telenovelas, os festivais de música popular brasileira, revelando-se talentos como Chico Buarque e Caetano Veloso, começando também nesta fase a importação dos “enlatados”, os seriados e shows norte-americanos.
Ao contrário do rádio dos anos 40 e 50, a televisão caracteriza-se por ser voltada para padrões culturais típicos de países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos, privilegiando as classes alta e média da população; porém, a sua influência vai muito além, abarcando todas as camadas da sociedade brasileira, sendo chamada por Stanislaw Ponde Preta de “máquina de fazer doido”.
Em 1968, alguns meses antes da promulgação do AI-5, fato político que lançaria o país num período de violento obscurantismo, morre Stanislaw Ponte Preta.
Características do Autor
Crônica é um gênero que nasceu e cresceu nas redações dos jornais. Todo cronista é popular, mas Stanislaw Ponte Preta ia além. Não procurava o leitor do dia a dia, que entrava em uma livraria para comprar um livro de crônicas; seu público alvo era aquele leitor que compra jornal em função do noticiário político, do futebol, das ofertas de emprego, palavras cruzadas, etc., aquele leitor que lê crônica de forma desatenta e desavisada, com um estilo de escrita que são verdadeiros ganchos, sensibilizando até o mais desavisado e distraído leitor de crônicas.
Com grande ênfase no contato narrador-leitor, cria um espaço de familiaridade, tornando o leitor uma presença viva no texto, onde o narrador frequentemente responde perguntas implícitas, solicita sua atenção, etc., usando uma linguagem coloquial, usa e abusa da função fática em suas crônicas, transformando o leitor em seu interlocutor:
“ Como minha senhora? Se em Aracaju já tem serviço de radiopatrulha? Não, senhora, não tem não, dona”.
Narrador personalizado, criando personagens facilmente reconhecidos e lembrados pelos leitores ocasionais, como Rosamundo, Altamirando, Bonifácio, estes personagens caricaturescos. Além dos períodos curtos, diretos e do aproveitamento da gíria, é mestre em comparações enfáticas: “O cara estava mais suado que o marcador de Pelé”, ou ainda “Estávamos mais por baixo do que calcinha de náilon”. Porém, a grande particularidade de Stanislaw é o uso irônico de um estilo estereotipado próprio de camadas pretensamente “ilustres” ou “cultas”; destaca-se o uso de nós em lugar de eu, de nosso em lugar de meu, acrescentando o uso de palavras raras (convescote, tugúrio, macróbia, intimorato), formas de tratamento convencionais (cavalheiro, madame), expressões feitas cultas (plebe, ignara, bom alvitre), construções clássicas (em saindo do botequim, como fosse jardineiro), formando um estilo que vai do respeitoso ao pernóstico, inspirado talvez na linguagem dos locutores esportivos e dos repórteres policiais.
Porém, a característica mais marcante de Stanislaw, que o fez conhecido de norte a sul do país, foi o humor, presente em quase todos os níveis de suas crônicas. Trocadilhos de duplo sentido, finais inesperados e uso magistral de comentários irônicos fizeram deste escritor, Sérgio Porto ou Stanislaw Ponte Preta um dos melhores cronistas deste país.
Obras do autor:
Em 1958 lançou “O Homem ao Lado”, primeiro livro de crônicas de “Sérgio Porto”. Em 1961 publicou “Tia Zulmira e Eu”, o primeiro livro de “Stanislaw Ponte Preta”, que reúne crônicas selecionadas de vários jornais e revistas.
Ainda como Stanislaw, publicou: “Primo Altamirando e Elas” (1962), “Rosamundo e os Outros” (1963) e a “Casa Demolida”, uma ampliação e reedição do livro O Homem ao Lado.
Em 1966 Stanislaw escreveu argumentos dos episódios do filme “As Cariocas”. Escreveu “Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País”, crônicas dedicadas, segundo o autor, aos abusos cometidos pela “redentora”, nome que ele deu ao golpe militar de 1964. Em 1967 escreveu “Febeapá nº 2”.
Em 1968 escreve seu último livro “Na Terra do Crioulo Doido”. Nesse mesmo ano, foi vítima de um envenenamento em seu café, no intervalo do “Show do Crioulo Doido”, apresentado no teatro Ginástico, baseado no sucesso do “Samba do Crioulo Doido”, uma sátira aos enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro
Sandro Ferreira Gomes, Professor de Língua Portuguesa, Conselheiro Municipal de Políticas Culturais em Gravataí/RS, Servidor Público, Porto Alegrense, admirador das belas artes, do texto bem escrito e das variedades de pensamento.
03 ANOS DE COLETIVEARTS
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2 Comentários
Adorei a crônica não conhecia o autor
ResponderExcluirSou muito fã dele. Um dos maiores cronistas que este país conheceu, fonte de inspiração para muitos escritores, artistas, programas, filmes. Sai de Baixo tem Stanislaw como referência, se não me engano A grande família também. A desinibida do Grajaú é um clássico dele.
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