“Chaves de cadeia” da internet
Atualmente, está bem difícil paquerar fora do mundo virtual. A rotina corrida do dia a dia e todo o estresse causado por essa dinâmica esquisita dificulta que olhemos para o entorno com “outros” olhos. Quando saímos a passeio, é sempre em bando ou em duplas, o que dificulta ainda mais nossa abertura para os desconhecidos. Geralmente nos tornamos mais fechados às novas pessoas quando estamos acompanhados da nossa tribo - salvo àquelas pessoas que têm uma personalidade mais expansiva.
Diante de toda essa movimentação que nos cega e nos divide, os aplicativos e redes sociais têm sido os espaços mais possíveis de se conhecer pessoas novas. Porém temos outro grande problema para enfrentar e que é de suma importância que coloquemos uma luz nisso: a maioria das pessoas está doente, vivemos numa sociedade que nos adoece, consequentemente na internet podemos ser tudo que não somos na vida real, podemos criar máscaras e atrair quem nós quisermos com isso, basta entendermos um pouquinho de fotos e do que agrada numa conversa.
Para mim, e talvez para você, é muito óbvio que não podemos confiar num conjunto de palavras e fotos bem estruturadas de uma rede social. Mas para muita gente, isso ainda é desconhecido ou até inadmissível - como se elas também não mentissem nas redes sociais!
Um dos meus programas favoritos de tevê foi Catfish, principalmente o norte-americano, que é mais criativo e repleto de histórias “cabeludas”. Foi um dos programas mais perfeitos já criados para esclarecer as furadas às quais nos metemos e dificilmente queremos sair. Sim, não queremos! Porque a verdade é muito explícita, nós é quem não queremos ver!
Se uma pessoa diz que está interessada em você, por exemplo, ela vai marcar um encontro e vocês irão se encontrar logo. Simples assim! Não há desculpas que justifiquem o oposto disso. Podem ter exceções, muito bem justificáveis, que adie brevemente esse encontro, mas isso não se estende por meses e anos, como mostram os casos do Catfish! Não foram raras as circunstâncias em que as pessoas conversavam há anos (haja assunto e saco!) e nunca tinham se falado nem por ligação de celular. Como pode alguém cair nessa? Mais cai!
Também temos os casos de perfis, claramente fakes, que mexem com a auto estima das pessoas mais frágeis. Aquele homem que se sente feio, rejeitado, compelido pela sua condição a viver eternamente sozinho (música de sofrimento no fundo) repentinamente recebe um convite de amizade de uma mulher linda, totalmente dentro dos padrões de beleza sociais e ainda puxa assunto com ele, dificilmente esse homem vai querer aceitar que está sendo enganado. Aquele perfil alimenta a possibilidade de ele não ser tudo de ruim que pensa de si mesmo, a vida pode apenas estar “guardando ele” para aquela pessoa especial, que virá para transformar sua realidade, a qual ele mesmo já deveria ter transformado!, e provar para a sociedade que ele era especial sim, os outros é que se enganaram. Típico, né?
Recentemente cai num caso simples e muito engraçado de catfish. O rapaz me adicionou na minha rede social e eu aceitei porque vi que tínhamos amigos em comum, como desenho muito, acreditei que seria mais alguém que curtiu um pouco da minha arte e resolveu adicionar mais um contato. Logo ele começou a puxar assunto e mais assunto. Normalmente sou muito tranquila e respondo às pessoas quando posso. Ele parecia legal, com ideias diferentes, mas eu percebia algumas atitudes nas conversas dele que me causavam um grande estranhamento - pressentia que tinha algo de estranho, mas sempre preciso de provas para confirmar minhas intuições. Para aumentar o grau da história, ele queria muito me encontrar pessoalmente e já atropelou tudo dizendo que está muito atraído por mim, que me enxergava “assim” e “assado”, que pensa “isso” e “aquilo” de mim. Já parei toda aquela euforia dele mandando um “calma aí, que nós nem nos conhecemos!”. Combinamos de sair um certo domingo e quando chegou o dia ele inventou que se esqueceu, deu uma desculpa esfarrapada de ser esquecido, de sempre perder “dates” por esse mesmo problema, etc, etc, etc... Ali eu já tive a certeza de que tinha algo muito errado nesse rapaz. Porque, relembrando o que eu disse acima no texto, quem quer nos encontrar, nos conhecer e está interessado, arranja tempo, nem que seja meia hora. Desculpas são um grande sinal de alerta vermelho, aí vem tsunami! Corre! E que tsunami! Descobri, pelas minhas investigações estilo Catfish, coisas absurdas e bizarras. Final da história, estou rindo até hoje da novela mexicana de terror. Eu me divirto com essas histórias, por mais absurdas que sejam!
Não importa o quanto nós sejamos espertos ou desconfiados, sempre podemos ser pegos pelos fantasiados de plantão, que podem nos estudar e descobrir o que nos atrai ou repele. Acredito que a melhor forma de lidar com essa situação toda não é viver com medo, repelir qualquer um que se aproxima ou algo parecido. Devemos ter a coragem de olhar essas situações de frente, perceber quem são as pessoas que se aproximam e levar a história toda na leveza, sempre com clareza do que está acontecendo. Por mais que seja ruim ou assustador esses perfis fakes ou pessoas mentirosas, elas também são pessoas. Pior de tudo, são pessoas incompletas, tristes, incapazes (no momento) de mudar suas próprias vidas e amarem quem realmente são. Todos temos em maior ou menor grau um pouco disso também. Somos todos humanos que erram e está tudo bem. O que não está nada bem é nos deixarmos enganar por mentiras e querermos que os outros sejam aquela fantasia que criaram ou nós mesmos criamos.
Miriam Coelho é artista das imagens e das palavras
Miriam Coelho |
5 Comentários
Ótima reflexão, fiquei com vontade de assistir Catfish, e que chaves de cadeia apareceram, cada novela de terror mexicana que quem não usa o mundo virtual nem imagina.
ResponderExcluirGuria, tem de assistir mesmo! Eu amooooooo! Tem cada cilada criativa!
ExcluirAdorei o artigo 🙂
ResponderExcluirGratidão, Luck!
ExcluirMiriam Coelho, mais uma vez, impecável! Tive boas e más experiências no mundo virtual. Orgulho-me de ter começado lá atrás amizades que hoje são de muitos anos, via internet. Eu sempre viajei muito, pouco tempo para manter contatos presenciais. Relacionamentos ... Bons e ruins, na média! Conheci uma de minhas ex via site de relacionamentos, e o que deveria ser um encontro casual apenas virou um namoro de anos e hoje, mesmo ao fim deste ficou uma bela amizade. Adorei o artigo!
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