ARTE E CULTURA

 

Tornando-se uma mulher negra...


A fase adulta trouxe sabedoria na construção da minha identidade enquanto mulher negra. Na vida pessoal, o casamento e a maternidade me possibilitaram questionamentos indispensáveis ao meu processo de descobertas. No aspecto profissional não foi diferente.  Experiências me conduziram e consolidaram o comprometimento com minha ancestralidade. 

Casei aos 25 anos e tive um casal de filhos. A maternidade é uma das experiências mais desafiadoras e complexas que um ser humano pode enfrentar. Meu filho traz a negritude na pele, e tive que prepará-lo para o racismo estrutural. Conversas eram constantes. O medo do futuro, a angústia em saber que ele estaria exposto ao mundo, nem sempre em minha companhia.  E ele se tornou um ativista, um homem consciente do seu valor. Minha filha ama a cultura africana , me orgulha seu posicionamento crítico e engajamento na causa.

Atravessei momentos significativos em minha vida profissional,  acontecimentos que forjaram a mulher que sou hoje. Trabalhei durante dez anos com Educação de Jovens e Adultos, foi em uma sala de aula que conheci a aluna que me questionou sobre a temática dos Lanceiros Negros, assunto que despertou a pesquisadora adormecida em mim. Posteriormente o fato seria a motivação para o surgimento da minha obra infantil O Lanceirinho Negro. 

Outro momento crucial em minha trajetória profissional foi quando fui nomeada professora em um município de forte colonização alemã.  Naquele momento tornei-me a única professora negra da escola. Crianças negras se sentiam representadas com a minha presença. Foi uma experiência muito forte,  que desencadeou conflitos internos,  sendo a causa do resgate da minha própria essência. 

Concomitantemente retornava à faculdade, depois de sete semestres de Direito, retomava o caminho da educação e concluía o curso de Letras. Novas perspectivas surgiam, começava a escrever esquetes e atuava também como diretora de teatro estudantil. Minha produção começava a contemplar a representatividade, combatendo as injustiças sociais.

A teoria de Paulo Freire era presença constante em minhas práticas pedagógicas, mas desejava mais...Certo dia ouvi falar de Angela Davis, Sueli Carneiro e Lélia González. Meu coração batia descompassado...Ler a obra Mulheres: Gênero e Classe da filósofa Angela Davis foi uma experiência muito significativa em minha vida pessoal e profissional. Teria encontrado o que procurava desde menina?

A verdade é que a busca é constante, nunca acaba. 

Cada experiência vivenciada agrega descobertas que podem redefinir conceitos e visões de mundo. Talvez seja exatamente isso,  a necessidade de renascer a cada instante,  seja em práticas pedagógicas, na valorização da ancestralidade ou no exercício do pensamento crítico...

Encerro minha série de textos sobre o mês da consciência negra dentro de um carro, viajando para um município que aguarda minha visita, carrego saberes e muita responsabilidade. Nossa luta não se resume ao mês de novembro.  A batalha é diária e árdua. De repente um filme passa em frente aos meus olhos: a infância, a adolescência e a fase adulta...Tornar-se negra exige muito comprometimento e cada um tem o seu tempo, desejo que cada vez mais, meus irmãos e irmãs consigam vencer o racismo estrutural e assumir a ancestralidade em sua plenitude. Fico feliz em constatar que estou no caminho certo, lutando por tudo o que acredito e em uma busca incessante pelo melhor de mim. Aguardando ansiosamente o próximo capítulo...


Angela Maria Xavier Freitas é a atual Presidente do Clube Literário de Gravataí, escritora, poeta, e professora, integrante do ColetiveArts .Possui descendência africana e também ascendência indígena. Graduada em Letras com Especialização em História e Cultura Afro-brasileira. Também atua como diretora de teatro estudantil, tendo recebido em 2018 o troféu Desconstrucão da História Oficial com a esquete Lanceiros Negros no Festil em Gravataí. Autora dos contos infantis Lanceirinho Negro e Lanceirinho Negro/Herança de Porongos. Integrante dos coletivos Profes pretas e Educação antirracista do Rio Grande do Sul. Atualmente é graduanda do curso de Espanhol pela UFSM e orientanda da UFRGS.



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4 Comentários

  1. Ângela Xavier está fazendo um trabalho importante pela cultura, literatura e história, resgatando informações importantes que correm paralelas aos livros didáticos e assim promovendo um revisionismo histórico importante. Sangue novo, olhares para o futuro com respeito ao passado e aos colegas .... Sucesso, Lanceira!

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    3. Grata pelo carinho de sempre!
      Admiro muito teu trabalho em favor da cultura...És inspiração!
      Nosso ideal é nobre!
      Abraço, Sandro!

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